Detenção de filhos de três ministros turcos é desafio a Erdogan

Polícia deteve pelo menos 49 pessoas em Istambul e Ancara, em buscas ligadas a suspeitas de corrupção em concursos públicos.

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O banco estatal Halkbank foi alvo de buscas Murad Sezer/REUTERS

A polícia turca deteve os filhos de três ministros do Governo de Recep Tayyip Erdogan, no âmbito de uma investigação a suspeitas de corrupção relacionados com obras públicas. O caso está a ser visto como um desafio de um poderoso ex-aliado do primeiro-ministro, que neste momento está em guerra aberta contra Erdogan

A imprensa turca adianta que agentes da polícia e da direcção de finanças efectuaram na manhã desta terça-feira buscas a vários escritórios e residências em Ancara e Istambul, tendo detido pelo menos 49 pessoas, segundo o site em inglês do jornal turco Hürriyet. A operação foi levada a cabo sem que fosse informado o Ministério Público de Istambul, nem foi registada na rede do Sistema Judiciário Nacional, adianta o mesmo jornal.

A agência de notícias Dogam noticiou, no entanto, que entre os detidos estão os filhos do ministro do Interior, Muammer Güler, da Economia, Zafer Çaglayan, e do Ambiente e do Urbanismo, Erdogan Bayraktar t– todos militantes do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), formação pós-islamista de Erdogan.

Em causa estarão suspeitas de pagamento de luvas em concursos públicos para a construção de habitações sociais lançados pela Toki, uma agência governamental para o desenvolvimento de casas a preços controlados. Entre os detidos estará também o presidente do maior banco público da Turquia, o Halkbank – cujas acções caíram 10% – e importantes construtores imobiliários, com ligações ao primeiro-ministro.

Apesar de ter hoje uma legislação mais severa e de uma maior repressão policial, a corrupção continua a ser endémica na Turquia, em especial em sectores como a construção, um dos principais motores do recente impulso económico. Há muitas denúncias de irregularidades e casos de corrupção relacionados com esta agência, como se relata no documentário Ecumenopolis: City Without Limits, de Imre Azem, disponível integralmente no You Tube, com legendas em inglês. 

Os comentadores turcos relacionam esta operação com o imã Fethullah Gulen, que lidera uma rede de escolas, instituições de caridade a nível mundial e empresas de media e tem sido fundamental para o sucesso de Erdogan. Durante a década de Erdogan e do AKP no poder, os seguidores de Gülen ocuparam posições influentes nos serviços de segurança, nos serviços secretos e na Justiça. Mas o primeiro-ministro arremete contra eles, dizendo que existe “um Estado paralelo”, dominado por grupos religiosos, relata a Economist.

Antigo aliado do primeiro-ministro, Gülen tem sido fundamental para o sucesso de Erdogan. Mas entrou em rota de colisão com o Governo depois de este ter decido fechar escolas de preparação para os exames de acesso à universidade – considerando que dão uma vantagem injusta aos pais que têm posses para pagar explicações. Ora estas escolas são uma importante fonte de rendimento e de recrutamento de discípulos para o grupo – aliás, criou-as em vários outros países do Médio Oriente, em África, e na Ásia, diz a Reuters.

Este influente pregador muçulmano, ligado a Erdogan há muitos anos, vive auto-exilado na Pensilvânia, nos EUA, mas é-lhe dado crédito por “manter o islão moderado na Turquia”, diz a revista Economist. Jornais ligados a Gülen criticaram a forma como Erdogan lidou com os protestos da Praça Taksim, em Istambul, no Verão. O imã da Pensilvânia poderá ser “a única força capaz de travar a deriva de Erdogan para a autoritarismo”, diz a revista.

Não é de esperar que Gulen desafie Erdogan numas eleições, nem deu indicações de que possa vir a formar um novo partido. Mas através da sua influência, pode minar a imagem de Erdongan, cuja figura ajudou a construir, e que na última década dominou a vida política na Turquia.
 
 
 
 

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