Espanha permite entrada a lésbica camaronesa que esteve 23 dias retida em Barajas

Christelle Nangnou fugiu dos Camarões, onde era perseguida por ser homossexual. Já em Espanha, sofreu quatro tentativas de expulsão forçada.

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Nangnou tem agora que esperar pelo recurso que lhe poderá dar asilo definitivo em Espanha DR

O Governo espanhol concedeu uma autorização de “entrada excepcional” no país a Christelle Nangnou, que fugira dos Camarões por ser lésbica e se encontrava retida há 23 dias na chamada “sala dos inadmitidos” do aeroporto de Barajas, em Madrid. A autorização foi concedida na noite de quarta-feira mas não se trata, por enquanto, de uma autorização de asilo.

O pedido de asilo está ainda a cargo da Audiência Nacional – uma instância jurícia superior em Espanha –, que avalia o recurso enviado pelo advogado de Nangnou em referência a uma primeira decisão do Ministério do Interior, à sua chegada, de lhe recusar a entrada no país. Christelle Nangnou seguiu na noite de quarta-feira para um centro de acolhimento da Cruz Vermelha em Espanha, onde continuará até que a Audiência Nacional se pronuncie sobre o recurso.

“Está muito contente e muito cansada, precisa de descansar muito”, afirmou uma das advogadas de Nangnou, Silvia Yañez, à saída da camaronesa do aeroporto de Barajas. “Mas a partir de agora poderá fazer a sua gestão sem a incerteza e o temor com que se vive quando sabes que te podem expulsar a qualquer momento”, concluiu Yañez, em declarações ao portal eldiario.es.

Ao longo dos 23 dias em que esteve no aeroporto de Barajas, Christelle Nangnou afirma que sofreu quatro tentativas de expulsão forçada do país. Em pelo menos numa delas, Nangnou sofreu cortes na face. Eduardo Gómez, o advogado que acompanhou desde o início o processo de Nangnou, afirmou ao eldiario.es que chegou a temer que as autoridades espanholas sedassem a jovem camaronesa de 28 anos para que esta não resistisse à deportação. Mas uma ordem do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos emitida no dia 7 de Abril proibiu a deportação de Nangnou e deu até esta sexta-feira para que Nangnou produzisse provas de que estava a ser perseguida nos Camarões pela sua orientação sexual.

A homossexualidade é considerada crime nos Camarões. É punível com penas de prisão que vão dos seis meses aos cinco anos e existem vários relatos de tortura às mãos das autoridades e de violência dirigida a homossexuais no país. Os Camarões são, aliás, um dos países que no mundo mais condenam à prisão pelo crime de homossexualidade. De acordo com um relatório publicado pela ONG Human Rights Watch, os Camarões tendem a retirar direitos elementares aos cidadãos acusados de homossexualidade. 

Christelle Nangnou fugiu há um mês do país, depois de as autoridades camaronesas terem ido procurá-la à casa de seus pais. Nangnou não estava lá, mas, a partir desse momento, ficou-se a conhecer a homossexualidade de Nangnou. "O assunto espalhou-se por toda a minha comunidade de um dia para o outro; recebi cartas ameaçadoras, incluindo ameaças de morte, por isso decidi fugir", disse Nangnou ao eldiario.es. A sua própria família a rejeitou.

Depois disso, disse Nangnou ao diário El País, esteve escondida durante nove dias na casa de uma amiga, na Nigéria. Aterrou em Madrid no dia 25 de Março com um documento de identificação falso.

A principal prova apresentada por Christelle Nangnou às autoridades espanholas é o recorte de um jornal camaronês em que ela é apresentada como a “a líder de um grupo de lésbicas". No mesmo artigo, o jornal diz que se oferece uma recompensa pela captura de Nangnou. "Apesar da posição clara do Governo frente à homossexualidade, é alarmante o aumento desta prática satânica na nossa sociedade”, lê-se no jornal.

Pressão política e popular
O caso de Christelle Nangnou chegou às cúpulas partidárias em Espanha e, já nesta quarta-feira, começaram a surgir sinais de que a sua situação poderia ter um desfecho favorável. Questionado directamente no Congresso por um deputado da oposição sobre a acção do executivo no caso de Christelle Nangnou, o presidente do Governo, Mariano Rajoy, disse que o assunto seria resolvido “com a maior celeridade possível”.

Vários partidos da oposição já se haviam pronunciado sobre a situação de Christelle Nangnou. Na segunda-feira, o PSOE exigiu que o Governo aplicasse a lei de asilo espanhol, que faz referência aos casos de perseguição relacionada com as opções sexuais de um indivíduo, e, dessa maneira, concedesse entrada no país a Nangnou. “O objectivo é que [Nangnou] não saia do país; há que tomar decisões urgentes”, afirmou na segunda-feira Ángeles Álvarez, deputada do PSOE.

O tema acabou por mobilizar a oposição e, na quarta-feira, Christelle Nangnou recebeu vários representantes políticos na “sala dos inadmitidos”, onde se encontrava havia 23 dias. No final da tarde, a imprensa espanhola avançou que Nangnou seria libertada naquele mesmo dia.

Mas Mariano Rajoy teve de dar resposta também à pressão popular. Quando o portal espanhol eldiario.es deu a primeira notícia sobre Nangnou, no domingo, a primeira organização a responder foi a Federação Estatal LGBT de Espanha, que fez correr um abaixo-assinado a exigir a libertação da camaronesa. Até à libertação de Nangnou, na quarta-feira, o documento foi subscrito por mais de 65 mil pessoas. 

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