Curdos dizem estar a enfrentar uma “campanha de linchamento” na Turquia

Nos últimos dias foram atacadas centenas de edifícios do partido pró-curdo que tirou a maioria absoluta ao Governo. Partido de Erdogan tem dificuldades em convencer que a violência não é do seu interesse.

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Aos motins, juntam-se várias manifestações nacionalistas em todo o país. Aqui, Istambul OZAN KOSE/AFP

O partido que representa a comunidade curda no Parlamento da Turquia queixa-se de estar a ser alvo de uma campanha de violência orquestrada pelo partido do Presidente Recep Tayyip Erdogan, o AKP. Selahattin Demirtas, um dos líderes do HDP, disse ainda, nesta quarta-feira, que os últimos dias de violência contra a minoria fazem parte de uma táctica do Governo para recuperar a maioria nas eleições antecipadas de Novembro.

“Enfrentamos uma campanha de linchamento”, disse Demirtas. “Falamos dos gangues enviados para as ruas em coordenação com o AKP.”

O alerta de Demirtas não é apenas figurativo. Há, de facto, relatos e imagens de curdos linchados por multidões de nacionalistas nos motins dos últimos dias. A violência começou no domingo, depois de uma bomba do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) matar 16 soldados turcos e de, terça-feira, outra matar 14 polícias. O HDP queixa-se que a vingança nacionalista já atingiu centenas de edifícios seus, incluindo, na noite de terça, as suas sedes em Ancara e Alanya, ambas incendiadas. Para além destes edifícios, foram atacados dezenas de pequenos negócios da minoria curda.  

Os motins de nacionalistas associam o HDP aos separatistas do PKK. O partido co-liderado por Demirtas defende alguns temas de autonomia em comum com os separatistas, e as suas bases de apoio coincidem em várias zonas do país, em especial no Sudeste, onde a maioria da população é curda e há agora ataques quase diários do PKK. O HDP, no entanto, já pediu aos separatistas que baixem armas. Sem efeito.

A violência na Turquia está agora pior do que em muitos períodos dos 30 anos de guerra civil. Há mais de 100 zonas militares temporárias no Sudeste do país, onde algumas cidades estão cercadas pelo exército e polícia. É o caso de Cizre, para e de onde não há passagem desde sexta-feira. Segundo a população local, o acesso a água e electricidade foi cortado e já morreram vários civis por acção da polícia. Nesta quarta-feira, centenas de curdos, acompanhados de líderes e deputados do HDP, iniciaram uma marcha de solidariedade de 90 quilómetros que terminaria em Cizre. Acabaram travados pela polícia.  

O AKP tem feito pouco para escapar à ideia de que o seu principal objectivo é o de polarizar a sociedade e excitar sensibilidades nacionalistas anticurdas, para sair beneficiado das eleições de Novembro. Foi Erdogan quem anunciou em finais de Julho o retomar da guerra contra separatistas curdos e quem mais saiu a perder com o fim da maioria absoluta do seu AKP. Obra do HDP, que conseguiu ultrapassar a fasquia para entrar no Parlamento. Segundo Demirtas, nesta quarta-feira, a violência nas ruas é uma forma de o AKP dizer: “Se não nos dão 400 deputados, pagarão o preço.”

É de Erdogan de quem se ouvem mais posições de força contra separatistas do PKK, a par do primeiro-ministro e líder do Governo interino, Ahmet Davutoglu. Segunda-feira, Davutoglu encarnou um papel que se tem tornado comum para representantes do AKP: participou no funeral de um dos soldados mortos no ataque de domingo e, chorando abertamente, prometeu mão pesada para os responsáveis por “actos sangrentos”. Fê-lo novamente nesta quarta-feira, assim como Erdogan, na cerimónia fúnebre para dois dos polícias que morreram no último ataque do PKK.  

Só nesta quarta-feira é que o AKP recusou explicitamente estar a incentivar ataques contra a minoria curda e edifícios do HDP. Fê-lo pela voz do vice-primeiro-ministro e porta-voz do Governo, Numan Kurtulmus. Numa conferência de imprensa em Ancara, Kurtulmus condenou também os ataques de apoiantes do AKP a duas redacções do diário turco Hürriyet, domingo e terça-feira, depois de este ter sido acusado por Erdogan de “distorcer” as suas palavras. Num dos primeiros ataques foi avistado um deputado do AKP por entre a multidão que atirou pedras e brandiu paus diante o jornal.

“Como Governo, amaldiçoamos estes incidentes e condenamos também as forças por detrás deles”, disse Kurtulmus, que culpou o PKK pela instabilidade no país. “Declaramos abertamente que nunca toleraremos ataques destes contra instituições dos media”, declarou ainda, sobre os ataques ao Hürriyet.

Mas mesmo esta tomada de posição de Kurtulmus acabou manchada, apenas horas mais tarde, por um outro vice-primeiro-ministro do AKP. Yalçin Akdogan Respondia às acusações de linchamento de Demirtas. “O HDP está a agir como apoiante declarado, extensão e braço político de uma organização terrorista”, disse o vice-primeiro-ministro. 

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