Constitucional turco chumba lei que reforçava controlo sobre sistema judicial

Reforma foi uma das respostas de Erdogan às suspeitas de corrupção que atingem figuras próximas do AKP.

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Após a vitória nas municipais, Erdogan avisou que os seus inimigos "vão pagar" pelo que diz ser uma campanha de difamação Adem Altan/AFP

O Tribunal Constitucional da Turquia chumbou nesta sexta-feira parte da polémica reforma judiciária aprovada em Fevereiro, em resposta ao escândalo de corrupção que envolve figuras próximas do Governo e do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. Em causa estão os artigos que reforçavam os poderes do ministro da Justiça sobre a magistratura e que a oposição via como um instrumento para abafar as investigações.

Aprovada a 15 de Fevereiro, numa sessão onde houve cenas de pancadaria entre deputados do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e da oposição, a nova lei dava ao titular da pasta da Justiça a última palavra sobre todas as nomeações para o Alto Conselho dos Juízes e Magistrados (HSYK), o órgão disciplinar da magistratura – desde que o diploma entrou em vigor vários dos seus membros, tidos como próximos da oposição, foram demitidos e substituídos por novos magistrados. O ministro poderia ainda iniciar processos disciplinares contra os magistrados da entidade ou interferir na agenda dos seus trabalhos.

A União Europeia, com quem Ancara mantém longas e frustrantes negociações com vista a uma adesão sem prazo para estar concluída, pediu a suspensão da iniciativa, vista como uma prova do crescente autoritarismo do Governo turco que, nos últimos meses, demitiu centenas de polícias e magistrados.

Alegando que a lei violava o princípio de independência da justiça, o Partido Republicano do Povo (CHP), a principal formação da oposição, recorreu para o Tribunal Constitucional, que veio agora lhe deu razão, exigindo uma redefinição dos poderes do ministro sobre a instância. “Esta lei continha tantos elementos inconstitucionais que seria uma surpresa se os juízes decidissem de outra forma”, reagiu Sezgin Tanrikulu, vice-presidente do CHP.

A decisão é um novo desafio do Constitucional a Erdogan e ao AKP, partido herdeiro do movimento islamista, perseguido durante décadas pela justiça – guardiã, tal como o Exército, do secularismo turco.

Ainda na semana passada, a instância tinha ordenado ao Governo que pusesse fim ao bloqueio do Twitter, rede social que, a par do YouTube, tem sido usada para divulgar escutas telefónicas comprometedoras para o primeiro-ministro. Na primeira delas, divulgada em Fevereiro, uma voz que aparenta ser a de Erdogan dá instruções a outra pessoa, supostamente o seu filho, para fazer desaparecer dinheiro que estaria guardado nas casas da família.

O primeiro-ministro afirma que as escutas, tal como as investigações que em Dezembro levaram à detenção de 23 pessoas próximas do AKP por suspeitas de corrupção, não passam de uma montagem para o denegrir. O primeiro-ministro atribuiu a campanha aos apoiantes de Fethullah Gülen, o imã que já foi o seu principal aliado e que no último ano se tornou seu grande detractor. Reforçado pela vitória nas eleições municipais de 30 de Março, prometeu que os seus inimigos “vão pagar” pelos ataques lançados: “Vamos entrar no seu covil, eles serão responsabilizados”, avisou.

“O Tribunal Constitucional afirma-se como contrapoder do regime”, congratulou-se Tanrikulu, pedindo aos magistrados nomeados para o HSYK ao abrigo da nova lei para tomarem a “decisão ética de se demitirem”. Também o bastonário da Ordem dos Advogados, Metin Feyzioglu, elogiou um veredicto que “mostra que nenhuma lei pode pôr em causa a independência e a neutralidade dos juízes e procuradores”.

O ministro da Justiça, Bekir Bozdag, garantiu que o executivo “vai cumprir a decisão do tribunal”, apesar da convicção de que a reforma “cumpria a Constituição”. Na semana passada, Erdogan não escondeu também a sua fúria com a ordem para levantar o bloqueio ao Twitter. “Somos obrigados a cumprir a decisão do tribunal, mas não a respeitamos.”

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