A Europa não pode tolerar o encerramento do serviço público na Grécia

Fechar uma televisão é a forma mais brutal de a governamentalizar

Nas janelas da televisão pública ERT, houve jornalistas que queimaram bandeiras da União Europeia. No entanto, as instituições europeias, com excepção da União Europeia de Radiodifusão (UER), permanecem em silêncio perante o encerramento, brutal e sem aviso prévio, da televisão e da rádio públicas da Grécia pelo governo de Atenas.

Sob a capa dos cortes orçamentais, exigidos pela troika, foi cometido um atentado contra a liberdade de expressão e de informação e contra os valores da Europa. O procedimento inqualificável seguido pelo governo de Antonis Samaras mostra a natureza autoritária do gesto. Uma lei aprovada pelo governo, um dia antes do encerramento, autorizou os ministérios a fechar organismos públicos sem aprovação do Parlamento. No dia seguinte, a polícia entrava nas instalações da ERT e desligava a emissão. A administração da estação pública não foi tida nem achada.

O governo justifica a decisão alegando o desperdício e a opacidade financeira da ERT, cujas audiências são muito inferiores às dos canais privados generalistas, de acordo com os relatos. E anuncia que daqui a três meses reabrirá a estação, depois de a reestruturar. É uma hipocrisia plena. Retirar um medium do ar para o reestruturar equivale a matá-lo primeiro, e a reesruturar depois. A ERT poderá nem voltar a emitir ou ser transformada naquilo que o Governo quiser, sem qualquer debate público.

Não é possível imaginar um maior acto de governamentalização de uma televisão pública do que o seu encerramento simples e inapelável.

Nem os custos, nem os desperdícios, nem as baixas audiências justificam a selvajaria de uma decisão como esta. Mesmo os que criticam a existência de serviços públicos dificilmente poderão apoiar um atentado desta natureza.

É fácil abusar das palavras. Mas os gregos perderam o direito a uma fonte de informação que pagavam do seu bolso. E os serviços públicos são parte estrutrante das sociedades europeias. Não são um desperdício que possa ser cancelado por decreto em 24 horas.

Não estamos perante o primeiro caso de uma deriva autoritária num país da União Europeia, à qual as instituições europeias ou fecharam os olhos ou tiveram uma resposta pífia. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban deu um exemplo claro de que como um governo podia atropelar regras básicas da democracia dentro do espaço europeu.

Já muitos serviços públicos mais importantes do que uma televisão terão sido, sem dúvida, afectados pelos cortes e pela austeridade na Grécia, a começar pelos hospitais.

Mas o caso da ERT não deixa, por isso, de ser um exemplo paradigmático e grave de como, aos olhos das troikas, a democracia pode ser tratada como um item na folha das despesas.

Enquanto que em Bruxelas, em Berlim ou em Washington corre um debate intenso sobre os erros do plano de resgate na Grécia, as medidas de austeridade continuam a ser aplicadas no terreno como se esse debate não existisse. Ou talvez porque esse debate não seja para levar demasiado a sério.

É um erro grave considerar que o governo de Samaras agiu apenas para moralizar uma fonte de desperdício. Abriu-se um precedente demasiado grave, que não atinge apenas potencialmente os media públicos. Ultrapassou-se uma linha: as medidas de austeridade podem afectar a liberdade de expressão. Um dia, noutro cenário, poderão ser leis que asfixiem outros media privados, em nome da austeridade ou de qualquer outro dogma.

É através de uma televisão de uma organização comunista que a ERT continuou a emitir após o sinal ter sido desligado. Eis algo que devia fazer pensar os responsáveis políticos europeus.

Na Grécia, um governo atravessou o Rubicão e pôs em xeque as liberdades, em nome da crise da dívida soberana.

A Europa não pode ficar em silêncio enquanto os jornalistas da ERT queimam bandeiras da UE. Nem os defensores do projecto europeu podem tolerar a ignomínia da decisão do governo de Atenas.

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