Foi praxado?

O desafio foi lançado no site do PÚBLICO. "Foi praxado? Conte-nos a sua experiência." Recebemos mais de 250 respostas de estudantes e ex-estudantes de diversas gerações e profissões – médicos, enfermeiros, arquitectos, advogados… Testemunhos de quem praxou e foi praxado neste ano, no ano passado, há 10, 30, 50 anos. Em Maio, mês das festas da semana académica e da Queima das Fitas em algumas das principais cidades do país, contamos o que nos contaram.

Entrevistas e reportagem

Fica-se de quatro. "Enche-se bastante." Não se olha de frente. Superam-se provas. Há quem considere que são rituais de iniciação. E quem fale de atentados à dignidade. "A praxe ensina-nos que na vida há uma hierarquia natural e que nós vamos ter de aceitá-la", diz uma aluna. "Vejo isto como uma caricatura da vida adulta", defende um historiador.

Testemunhos

Falam de "baptismos" e de "enterros". De "latadas" e de "queimas". De "brincadeiras" e "castigos". Alguns falam de "medo"... Clique nas imagens e leia ou veja uma selecção de alguns dos 250 testemunhos que nos chegaram. Nalguns casos foi preciso editá-los. Fica o essencial.

Nídia Sobral
Estudante, 21 anos, Instituto Politécnico de Leiria

É um espaço teatral, em que o nosso psicológico é testado

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Na minha altura de praxes, sentia olhares exteriores de reprovação. Lembro-me de ver pessoas idosas a passar pela praça e a abanarem a cabeça como se o mundo estivesse prestes a acabar pela indignação que expressavam nos seus rostos.

Eu ria-me a observar. Não percebia qual era o problema de estar a jogar um jogo, não percebia qual era o problema de estar a divertir-me.

De repente, surgia um vulto negro à minha volta e ouvia-se as seguintes palavras: "Caloira, olhos no chão." E eu baixava a cabeça. Não a baixava porque sentia que alguém era superior a mim, apenas a baixava ironicamente.

Era um espaço teatral, em que o nosso psicológico era testado.

Pensei sempre assim do início ao fim. Adorei aquelas quatro semanas, foram únicas e tenho a certeza de que há momentos que vão permanecer até sempre.

Nunca ninguém me faltou ao respeito, nunca ninguém me obrigou a fazer nada que não quisesse, até porque eu soube dizer a palavra "não" duas vezes. [Não podia] levar com porcarias no cabelo, porque a queda do mesmo sempre foi algo que me preocupou e não me iria prejudicar só porque outras pessoas queriam executar uma praxe. Recusei, mas ao contrário do que eu imaginei surgiu compreensão, surgiu apoio, e surgiu alguém vestido de negro a dizer que me admirava.

Durante quatro semanas fui a todas as praxes, apenas faltei a uma. Consegui não faltar às aulas durante essas semanas. Apesar do cansaço, andava feliz. Todos os dias conhecia alguém. Todos os dias sentia que acontecia algo novo.

Chorei apenas uma única vez, na praia. Um único trajado conseguiu mexer com as minhas emoções. Tocou no ponto que dizia respeito ao meu problema de cabelo... Em nenhum momento me ocorreu a ideia de que estava a fazer uma praxe psicológica, mas estava. Em nenhum momento foi ofensivo, pelo contrário.

Todos os jantares de integração que tivemos foram importantes, tiveram a sua piada e deram magia ao meu percurso académico. É por isso que me irrita o facto de as pessoas estarem a dizer mal da praxe, apenas só porque têm de ter algum assunto para falar, para dizer mal, para não variar! Muitas dessas pessoas que estão a criticar forte e feio nunca foram a uma praxe na vida, nunca tiveram uma única experiência para poderem comentar sobre ela.

(...) Em todo o lado, há pessoas e pessoas. Há pessoas boas e más. Há pessoas que não têm consciência dos seus actos e consideram que são os reis/rainhas do mundo. É por isso que existe um pequeno livrinho chamado "Código de Praxe". No nosso mundo académico, temos normas específicas para regulamentar.

Também há crueldade no contexto de trabalho, na subida dos preços e as pessoas estarem a ficar sem dinheiro para comer e NÃO HÁ metade deste alarido! (…) Porquê mostrar apenas as piores coisas que já se passaram com meia dúzia de pessoas, quando centenas e centenas de estudantes sentem que a praxe foi das melhores coisas das suas vidas? (...) Para concluir o meu relato, não poderia deixar de acrescentar a minha experiência enquanto "monstro negro"... desculpem, mas é assim que as pessoas nos vêem nos dias de hoje depois das mortes no Meco. Gostei mais do tempo em que fui CALOIRA! Vesti mais vezes a T-shirt suja do que o meu traje limpo, mas, sempre que o vesti, usei-o para conhecer os caloiros mais tímidos, para os ajudar a "espevitarem" e a perderem tanta vergonha perante os outros. Isso dava-me satisfação. Ok., também os fiz rebolar, também tive de rebolar. Nunca mandei fazer algo que recusassem.

Claro que a praxe não é só coisas boas, porque não é. O lado mau que vi na praxe... bem, nunca irei compreender o facto de desperdiçarem comida para sujar pessoas... há tantas pessoas a morrer à fome.

Outro lado negativo é o facto de não podermos levar coisas de cor diferente do traje na mão, termos de andar com capas pretas específicas para esconder os objectos... não acho que seja algo necessário, bem como as zangas que há entre colegas mais velhos por causa dos "afilhados".

Acho que escrevi de mais. Esta é a minha visão das coisas. Caso queiram acabar com a praxe, espero que TODOS os estudantes que gostem da mesma se unam e lutem para a manter. Qualquer dia entramos em ditadura novamente sem nos apercebermos...

João Mota
Engenheiro civil, 37 anos, ex-aluno do Instituto Politécnico de Leiria

Sem pestanejar, declarei-me antipraxe — e isso, sim, foi divertidíssimo

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Quando ingressei na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria, em 1997, e apesar de se tratar de uma instituição de ensino superior com poucos anos de existência, já havia, na altura, um grande fervor académico a tomar conta dos jovens "veteranos" que embarcavam entusiasticamente na prática das praxes. O que me pareceu, no mínimo, ridículo.

De facto, o espectáculo de mediocridade a que se assiste ao ver grupos de jovens a ostentar trajes reminiscentes do Estado Novo e de um fado que já ninguém ouve, a exercer a sua arrogância de tão embriagados que estão com o inesperado ingresso no ensino superior, seria hilariante, se não fosse repugnante. É que assenta no pressuposto de que todos os caloiros estão igualmente eufóricos — e alguns estão mesmo! — o que há muito deixou de fazer sentido, pois já em 1997 entrar no ensino superior não era garantia de absolutamente nada. Nem de emprego, nem de validação intelectual.

Assim, sem pestanejar, declarei-me antipraxe — e isso, sim, foi divertidíssimo. Subitamente, com umas simples palavras, atingi o estatuto de excepção que tanto iludia os meus "adversários". É que foi a primeira declaração antipraxe daquela instituição, o que me valeu uma fama surpreendentemente abrangente (e até entrevistas para um dos jornais da cidade).

Claro que havia um espírito de animosidade por parte dos supostos "veteranos", mas isso só melhorava toda a experiência. E foi assim que me apercebi de que afinal a praxe não serve mesmo para nada e evitá-la é de uma extrema simplicidade. Eventualmente outros discordarão e contarão histórias divertidíssimas sobre como foram humilhados publicamente. Pessoalmente, acho que esse tipo de comportamento não pode estar mais distante daquilo que deve ser o ensino superior.

Quanto a episódios resultantes desta opção, houve vários, demasiados para descrever, mas há um que me agradou particularmente: ao ser abordado por um dos "pinguins" de traje, que me instruía que me descalçasse (como praxe, vá-se lá saber porquê). Informei-o rapidamente que não o faria, porque não. Pouco habituado a recusas, limitou-se a dar as mesmas instruções ao meu colega caloiro, que se sentava ao meu lado. Nova recusa, porque "se este meu amigo não se descalça, eu também não descalço". Assim continuou o diálogo, até percorrer todos os (cerca de cinco ou seis) caloiros sentados ao meu lado. Observando a visível desorientação deste admirável "veterano", aproveitei para rematar: "Porque não dás o exemplo? É que me parece que vamos inverter aqui a praxe." Após curta negociação, ele lá se descalçou e abandonou o grupo a vociferar impropérios sobre conselhos de praxe e outras pseudo-instituições igualmente patéticas.

Em suma: ser livre daquilo que os outros consideram a Lei só depende do livre arbítrio de cada um, e, quando a "Lei" é tão frágil como as praxes, essa liberdade ainda é mais fácil de alcançar.

Eduardo Neto Lucas dos Santos
Neurocirurgião reformado, 81 anos, ex-aluno da Universidade de Coimbra

A praxe em Coimbra tinha uma finalidade disciplinar

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Entrei para a Faculdade de Medicina em Coimbra em princípios dos anos 50. Nessa altura só existia praxe nesta cidade. Tive um colega que depois de observar o que era a praxe pediu a transferência para Lisboa, por não concordar com as limitações que ela provocava na sua vida.

De facto, a primeira coisa que tínhamos de saber era que se andássemos pela cidade depois de tocar o sino na torre da Universidade (chamado "a cabra"), o que acontecia às 18 horas, podíamos ser rapados pelos estudantes que se organizassem em "trupe". A trupe era um conjunto de estudantes mais velhos que os do 1.º ano (chamam-se caloiros aos estudantes do 1.º ano) que se juntavam na Porta Férrea (era da praxe) sob o comando do chefe de trupe, que tinha de ser um quartanista, pelo menos. Todos de capa e batina, com capa traçada, levavam uma tesoura e uma colher de pau e percorriam as ruas da cidade alta e da baixa.

Se apanhavam um caloiro (que não conseguisse fugir) depois de a cabra tocar, ele era rapado sem apelo nem agravo. Cada um dos estudantes da trupe dava uma tesourada e o chefe dava duas. Se, porventura, o caloiro já estava rapado, levava com a colher nas unhas.

Com a colher também levavam os alunos do 2.º ano, que eram chamados "semiputos".

Em caso de acontecimentos especiais, era afixado um "Decretus", que era um cartão com um desenho artístico e uns dizeres em "latim" macarrónico muito engraçados autorizando os caloiros e bichos (estudantes do liceu, que também podiam ser rapados) a circular nas ruas da cidade.

(...) Da minha parte, só posso dizer que a praxe em Coimbra tinha uma finalidade disciplinar obrigando os novatos a recolher cedo aos seus aposentos e, ao mesmo tempo, a integração era feita com o convívio com os mais velhos nas mobilizações e latadas.

Rodrigo Santiago
Advogado, 66 anos, ex-aluno da Universidade de Coimbra

Fui absolvido pelos julgadores, uma luzida plêiade de atrasados mentais

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Fui "praxado" — neologismo, julgo, desconhecido à época em Coimbra —, no (remoto) ano lectivo de 1965/66. Sumariamente, as coisas passavam-se assim: quando um "caloiro" era denunciado pelas suas ideias antipraxistas e essa notícia era do conhecimento de uma de certas "repúblicas", como, no caso, a "Rapó-Taxo" — suponho que era assim, como de resto ainda é, pois essa "república" sobreviveu —, o dito "animal", três graus abaixo de cão mas, vá lá, um acima de polícia — sic! —, podia ser "mobilizado" para o que se chamava "um julgamento", cuja decisão era pré-conhecida.

De acordo com a praxe, os "caloiros" julgados nesse dia (em regra, suponho, da parte da tarde: foi esse o meu caso) eram condenados, quase sem excepção, a ser rapados. Assim mesmo. A execução era sumaríssima e tinha lugar em acto imediatamente posterior à condenação.

O mocho (banco dos réus) era, como então se dizia, um "penico" repleto, até cima, de líquido orgânico — como então não se dizia. Era permitido, com raro espírito de homenagem às "garantias de defesa", naquele tempo, de resto, muito pouco, quase nada ou mesmo nada, em voga, que se baixassem as calças para permitir um mais directo e cálido contacto com o assinalado líquido. E pronto.

Fui submetido a julgamento e, stupete gentes, absolvido pelos julgadores, uma luzida plêiade de atrasados mentais, no caso já "veteranos". A que nós, antipraxistas, chamávamos "estudantes médios", cujos pontos mais característicos residiam na profunda ignorância, apego ao fascismo e, por fim mas não por último, ao facto muito denunciado de usarem caspa — já se sabe porquê!

Por que razão me sujeitei? É simples: por não querer ser rapado! Na verdade, quem faltasse ao julgamento ficava, se bem recordo, revel e podia ser rapado onde fosse encontrado e à hora do dia em que isso se verificasse.

É a isto que alguns chamam "praxes saudáveis"? Se sim, vou ali e já venho.

A terminar: ainda admito, na "lógica" de Coimbra, certas praxes como as "latadas" e a "queima". Que, de resto, pelo menos esta última, não era, in illo tempore, um divertimento tipicamente absorvido pela praxe.

Micaela Rocha
Estudante, 19 anos, Universidade de Coimbra

O poder de uns é o mal de outros

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Estou no primeiro ano de Línguas Modernas da Universidade de Coimbra. Sempre fui antipraxe, mas, indo para uma nova cidade, sem a família e sem os amigos do costume, senti uma grande necessidade de me integrar. Seguindo os conselhos de alguns amigos mais velhos, decidi aparecer na primeira praxe do ano, no primeiro dia de aulas, em Setembro.

Não mudou o meu ponto de vista em nada. Apenas o piorou.

Não fizemos nada de mais, apenas nos fizeram cantar as músicas típicas do curso. Nunca tinha ouvido nenhuma e, sendo a primeira vez, não me causou boa impressão. Eram músicas sexistas, machistas e animalescas. Rudes e completamente idiotas. Saí a meio e não voltei na praxe seguinte. Tinha decidido que me iria manter fiel a mim própria e não participaria mais.

No entanto, a saudade começava a apertar. Não conhecia ninguém e isso tinha bastante peso. Decidi aparecer, então, no primeiro convívio marcado pelos meus colegas de 2.º ano. Foi divertido: tivemos oportunidade de esclarecer bastantes dúvidas em relação ao curso, conhecer os colegas caloiros e os colegas de segundo e terceiro ano.

Comecei, na semana seguinte, a ouvir os meus colegas comentarem o quão as praxes eram divertidas e inofensivas. O interesse começara a aumentar e então decidi aparecer numa, pelo menos, para ver o ambiente.

Bem, não me arrependi. Fui a todas as outras, que foram, provavelmente, seis. É claro que a hierarquia estava sempre presente, como é óbvio, mas não havia a intenção de nos prejudicar. Não nos chamavam nomes nem gritavam a famosa frase "Caloiro é besta!", mas sim "Caloiro é solidário". Nunca nos humilharam ao ponto de ponderarmos se o que nos estavam a fazer roçava a tortura psicológica, como acontece no Porto. Apesar de serem poucas (mas suficientes), valeram sempre a pena. Caloiro não pode rir, claro, mas acabávamos sempre por o fazer nos teatros que fazíamos, ou quando se cantava ao desafio.

As nossas praxes eram basicamente isso: teatros, cantar ao desafio e fazer coreografias de dança. Era divertido, nada de humilhante (...). Achei que esta praxe era quase exclusiva do meu curso, já que, para além de tudo o que já foi dito acima, não nos mandavam ficar de gatas. Não fazíamos flexões nem qualquer tipo de exercício físico. Saber as regras da praxe não era nada requerido (posso dizer que nem o livro tenho) porque o importante era divertirmo-nos e ficarmo-nos a conhecer melhor. O espírito de camaradagem e amizade esteve sempre presente. Isto é muito raro.

Numa nota pessoal, posso dizer que, apesar de ter tido sorte na praxe que tive, ainda me mantenho antipraxe (...). Não é norma, mas com certeza que a praxe comum é já de si violenta. Acabar com a violência e educar os "doutores", que nem doutores são, é uma necessidade urgente. Terminar com a hierarquia também. O poder de uns é, em grande parte dos casos, o mal de outros.

Dário Neves
Bolseiro de investigação, 24 anos, Universidade de Aveiro

A aparente agressividade tem de existir para manter os caloiros em sentido

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Eu sou apenas mais um entre muitos diplomados que já foram caloiros e que também já tiveram o papel de veterano e de dar as boas-vindas aos novos estudantes universitários. Antes de continuar a contar a minha visão sobre praxe, queria apenas referir que praxe em Portugal é tão variável como o destino dos jovens recém- licenciados. E digo isto porque dentro da universidade na qual eu estudei já se observava diferenças entre cursos, quanto mais entre universidades que podem ficar nos extremos do país. Desta forma, fico extremamente ofendido quando oiço na comunicação social que todas as praxes, e sublinho todas as praxes, são ofensivas e que os caloiros são submetidos a experiências horríveis. Infelizmente, essa realidade existe em certas universidades, dentro de certos grupos, e, tal como a maioria das pessoas, sou absolutamente contra praxes em que o objectivo é humilhar e sentir o poder em relação a outro ser humano.

Quero partilhar a experiência que eu tive como caloiro e a minha responsabilidade como veterano e Alumni da praxe. Entrei na Universidade de Aveiro em 2008 para estudar Biotecnologia e o meu primeiro contacto com a praxe foi quando saí da reitoria com toda a burocracia de matrículas tratada. Havia uma imensa multidão vestida de preto e alguns vinham ter comigo e perguntavam [qual era] o meu curso, isto porque caso tivesse entrado no curso deles iria ser "pescado" para a primeira praxe. Porém, os do meu curso não me encontraram. Apenas consegui ver colegas meus a ser "pescados" e pintados na cara e a ser submetidos a questões do tipo "qual a tua graça?", "mostra-me o teu sexo" e "faz-me um broche". Isto, para a grande maioria das pessoas, seria uma ofensa extrema e razões mais que suficientes para aniquilar a praxe. Mas e se eu vos dissesse que ao mesmo tempo que os caloiros estão a ser submetidos a estas perguntas os pais são convidados a estar ao lado para tirar fotos e a conversar com os veteranos (...)?

Sim, isto é o que acontece, isto porque a resposta às questões não têm nem teor sexual nem ofensivo. Só como exemplo, a resposta ao pedido de fazer um broche é pegar numa colher de café, que nos é dada, torcê-la e colocar no casaco do veterano tal como o acessório de vestuário, broche. A resposta às outras não vou revelar porque senão futuros caloiros ficam a saber (...). Este exemplo é apenas para demonstrar que as praxes por vezes podem aparentar algo que na verdade não são.

De forma a fazer mais sucinta esta partilha de experiência, irei apenas contar as experiências que me marcaram como caloiro e que nunca irei esquecer (ainda hoje passados quase seis anos ainda falo com os meus colegas sobre o que nós passámos). Primeiro, a aparente agressividade e demonstração de poder por parte dos veteranos na minha praxe existia e tem de existir de forma a manter os caloiros em sentido para não dispersarem e poder fazer os jogos, gritos de curso e restantes actividades. Tal submissão aos veteranos fomenta o sentimento de amizade e companheirismo entre os caloiros porque cada um deles passa pelas mesmas experiências que o colega ao lado. Porém, na minha praxe, nunca houve nenhum caloiro que tivesse de fazer flexões ou qualquer actividade física caso tivesse problemas de saúde (...) Também é importante referir que ninguém é obrigado a ir à praxe e que podem declarar-se antipraxe sob pena de não poder praxar quando chegar o último ano do curso (...).

A população em geral tem um ódio às praxes, mas se forem ao hospital de Aveiro e perguntarem aos meninos e meninas que estão internados na pediatria o que acham dos jovens de preto com os seus amigos, eles irão de certeza dizer que os queriam mais vezes lá. Isto porque a nossa praxe tem uma tradição que é levar os caloiros à pediatria do hospital de Aveiro e visitar as crianças internadas. O objectivo desta visita é as crianças basicamente fazerem o que quiserem aos caloiros, nomeadamente, pintar caras e braços, brincar com eles (...).

Rita Rocha
Estudante, 20 anos, Universidade do Porto

A praxe é dura, mas não é por ser dura que uma pessoa não consegue aguentar

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O meu nome é Rita Rocha e sou estudante do curso de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (...) No dia em que acordei para o meu primeiro dia de praxe, posso afirmar que foi dos dias que menos me custaram a sair da cama. A emoção era muita e a curiosidade também.

O dia foi passando e eu olhei para as pessoas à minha volta e pensei: estes são os meus, os do meu ano, e serão estes que ficarão ao meu lado durante este percurso.

Se achei que a praxe era dura? Claro! Mas o lema da praxe é esse mesmo: DURA PRAXIS, SED PRAXIS. A praxe é dura, mas é praxe. Mas não é por ser dura que uma pessoa não consegue aguentar. Eu aguentei, e não foi por obrigação ou medo, foi porque nela eu aprendi, eu vivi, eu diverti-me e passei o melhor ano da minha vida, o meu ano de caloira!

Durante o meu 1.º ano, aprendi muitas das coisas que posso considerar pilares EXEMPLARES para a minha vida futura, e o que aprendi nos anos seguintes torna-se a continuação dessa construção tão magnífica que a praxe nos faculta.

Sofri, chorei, custou, sim! Mas o sofrimento foi pacífico, sem nunca me atacarem psicológica e fisicamente, o choro foi de alegria e de tristeza ao passar a tribuna e deixar a T-shirt do caloiro para trás, e o que mais custou foi olhar para o ano que passou, aquele ano, e pensar: nunca mais vou ter outro assim.

Na praxe fiz amigos que se tornaram irmãos, fiz brincadeiras que nunca poderia ter feito em mais lado nenhum e vivi como se não houvesse amanhã. E isso é PRAXE!

Orgulho-me de ser quem sou, de ter os amigos que tenho, de vestir o preto e de nunca me envergonhar de gritar o nome do curso e da casa que me viram e fizeram crescer!

Acredito que a praxe possua em si grandes valores, tanto sociais como emocionais. Lá planeei acções de caridade, pedi nas ruas para ajudar instituições e, infelizmente, isso não é passado nas redes sociais e televisões. Apenas passam o lado mais negro deste movimento.

Que se faça o que se tem a fazer, mas só peço que não generalizem a palavra, o conceito, o local onde se dá, praxe (...).

Ricardo Moreno
Engenheiro informático, 34 anos, ex-aluno da Universidade do Porto

Na praxe nocturna: não vai quem quer! Só vai quem PODE

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Durante o texto vou usando alguns termos com aspas ("termo") para fazer passar uma ideia e não ipsis verbis o seu significado.

Fui praxado, com todo o gosto, participei em todas as actividades durante os dois meses de recepção ao caloiro e continuei a ir à praxe: PORQUE simplesmente QUERIA.

Já como "doutor", fiz questão de receber bem os novos colegas, tal como me fizeram a mim no meu primeiro ano. Fui todos os anos à praxe de recepção e fiz questão de deixar bons valores "nos meus caloiros".

A praxe não é individualista, não é feita para denegrir ou insultar o indivíduo, mas sim "UM" caloiro e não "O" caloiro. Quando dizemos "és uma besta" não é o indivíduo, mas sim "QUALQUER caloiro"! O estatuto de caloiro tem como função explicar-lhes que quando forem trabalhar para uma empresa vão estar no patamar mais baixo de uma pirâmide hierárquica. Pior ainda: não terão ninguém que os ajude a adaptarem-se a essa realidade.

Durante a praxe de recepção ao caloiro, é-nos dada a conhecer uma organização, de amigos/conhecidos, que funciona na base do "passa-palavra". Na minha faculdade, em particular, existem vários cursos que exercem a sua própria praxe.

A faculdade em si tem uma praxe "conjunta" em que pode englobar todos os cursos. Aí não se "grita" ou "puxa" pelo seu curso, mas sim pela sua faculdade, de que tanto nos orgulhamos.

Cada curso tem os seus próprios rituais, músicas, "brincadeiras", jogos e divertimentos.

Quer na praxe conjunta, quer na praxe de curso:

— foi-me ensinado a ter orgulho na minha faculdade

— (depois como "dr") ensinamos os caloiros a ter orgulho na nossa casa (faculdade), que é agora, também, deles

Apreciação pessoal:

Adorei a praxe, adoro o que ela representou no meu percurso académico e o que ainda representa para mim.

Logo no meu primeiro dia, ainda não estava inscrito, cheguei à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e havia um "doutor" que me queria praxar. Eu disse-lhe que ele não me podia praxar, por eu ainda não pertencer à faculdade por não estar inscrito. Ele concordou comigo e ajudou-me a encontrar o local das inscrições e a preencher a papelada. Após a minha inscrição, e com orgulho!, eu disse-lhe que já me podia praxar. Ele encaminhou-me para a praxe conjunta que estava a haver no momento.

Mesmo depois de sair da faculdade, sou convidado pela comissão de praxe do meu curso para os jantares académicos que vão organizando. É sempre bom manter contacto com as novas gerações, rever amigos e fazer novas amizades.

Excessos em praxe:

Como é óbvio, há excessos ou exageros que tentamos controlar o melhor possível. Como a praxe é um organismo vivo constituído por pessoas, é impossível controlar toda a gente. No entanto, as regras do respeito e do bom senso são as mais importantes.

Nós próprios (doutores responsáveis pela recepção ao caloiro) avisamos os caloiros para terem atenção a comportamentos/pedidos abusivos por parte dos "doutores". Não admitimos esse tipo de "abuso de poder".

Há situações em que temos de sancionar "doutores" por se provar que abusaram do seu estatuto na praxe para pedirem favores pessoais. Favores pessoais que se resumem a situações fora do contexto da praxe e em que há um aproveitamento da hierarquia praxística para se tirar algum proveito pessoal:

— "Vai-me buscar uma Coca-Cola"

— "Deixa-me copiar por ti"

— "Paga-me um café"

(espero ter sido claro no que toca a favores pessoais)

Restrições:

Há um controlo apertado no que toca a relacionamentos amorosos entre doutores e caloiros. Não é permitido esse tipo de relacionamento. "A praxe não é para o engate!" O que não invalida que haja pessoas que já namorem e que informem os responsáveis pela praxe para esse facto (ex: um casal de namorados do 12.º ano; ele entra na faculdade e ela reprova o 12.º. Ela, no ano seguinte, entra na mesma faculdade do namorado, que está agora no 2.º ano. O casal deve avisar a comissão de praxe para esse facto).

Praxe nocturna:

A praxe ao caloiro em nada se compara com a praxe ao "doutor". A praxe ao doutor, normalmente nocturna (fora das horas da praxe ao caloiro), tem o intuito de preparar e ensinar os doutores "o outro lado da praxe". Esse outro lado da praxe é todo o conjunto de regras, tradições, histórias, rituais; que cada faculdade/curso tem e que quer transmitir aos seus "discípulos". (Discípulos no sentido de alunos que amanhã irão ficar com a tarefa de transmitir esse mesmo conhecimento.)

Na praxe nocturna: não vai quem quer! Só vai quem PODE. Reforço aqui a ideia de QUEM PODE. Pois não aparecerá a uma praxe nocturna quem nada tenha que ver com a praxe em si. Só pode falar de praxe, só pode saber o que é a praxe QUEM foi praxado e quem praxou!

Muitas vezes a organização e/ou atribuição de tarefas nessas praxes nocturnas têm o intuito de instruir os doutores mais novos sobre temas relacionados com praxe, saber desenrascar, organização do grupo e até mesmo sentido crítico sobre as tarefas que lhes são atribuídas (...).

Sérgio Duarte
Bolseiro de doutoramento, 28 anos, Universidade do Porto

Para quem leva a praxe a sério, o sentimento é equiparável a uma religião

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Fui praxado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde entrei em 2003. Não sabia o que era praxe, mas, como foi a única maneira que me foi apresentada para conhecer os meus futuros colegas naquela nova fase da minha vida, aderi. As pessoas foram extremamente simpáticas e explicaram-me as regras básicas daquela dinâmica: "Nós somos os doutores, não podes olhar para nós, tens de nos obedecer... Mas é só uma brincadeira!"

E eu alinhei na brincadeira e submeti-me às regras precisamente por ser uma "brincadeira". Tive momentos divertidos e, no meio daquela dinâmica autoritária, os caloiros eram o centro das atenções e, quem nos estava a praxar, no fundo queria chamar-nos a atenção e ser nosso amigo (simplesmente não me parece que tivessem à vontade para abordar pessoas de outra maneira). Mas não tinha muito de negativo a apontar, enquanto achava que aquilo era uma "brincadeira" que os mais velhos tinham organizado para receber os mais novos, como se fosse um teatro. Eu desempenhava o meu papel e eles desempenhavam o papel deles e no final éramos todos amigos. E, ao contrário de pessoas mais tímidas, até gostava de ser o centro das atenções. "Eles estão a tratar-me mal, mas no fundo querem que eu goste deles", pensava eu.

Os meus sentimentos em relação à praxe começaram a mudar quando percebi que, para a maior parte das pessoas, a praxe não era de todo uma brincadeira. Para muita gente, a praxe era uma coisa séria ao serviço de uma tradição que teria de ser preservada. Um ideal e um motivo de orgulho que defendiam até ao extremo. Achei assustador o nível de seriedade com que muitos deles levavam a praxe, eram incapazes de ver o ridículo da situação. Para outros, mais esclarecidos, a praxe era uma maneira de controlo social, de arrebanhar um pequeno exército em função dos seus objectivos políticos (uma investigação jornalística ao poder da praxe no mundo do associativismo académico e das juventudes partidárias seria interessante). Para tal usavam estratégias equiparáveis à lavagem cerebral utilizada por cultos para manter a sua coesão interna:

— Negação da individualidade: a frase "Somos todos um" gritada em uníssono;

— Isolamento: durante os primeiros tempos na faculdade os únicos estudantes mais velhos com quem contactava eram os da praxe, mais tarde percebi que eles organizavam um cordão de segurança à volta dos caloiros;

— Ameaça: "Podes sair, mas deixas de ser um dos nossos... Não podes trajar, não podes ir aos jantares, não podes ir à queima...";

— Ameaça externa: "Somos nós contra eles" (podendo "eles" ser os antipraxe ou as outras faculdades).

Assisti ao vivo à transfiguração de pessoas que no dia-a-dia eram extremamente simpáticas e normais em autênticos ditadores assim que vestiam o traje. Era assustador.

Ironicamente, com a praxe, aprendi a partir de dentro o modo de funcionamento de um culto ou de um sistema totalitário e penso que me tornei imune às estratégias que estes grupos utilizam para atrair as massas. Pode parecer um exagero, mas é completamente verdade: para quem está dentro da praxe e a leva a sério, o sentimento é equiparável a uma religião. Não era por acaso que a frase "isto não se explica, sente-se" era repetida até à exaustão.

Estou convencido de que o decréscimo da participação dos estudantes (política, artística e social) está relacionado com a praxe. Na Universidade do Porto (com excepção das faculdades em que a praxe não é tão forte), aqueles que não participam na praxe são automaticamente excluídos da vida académica, deixam de ver interesse e passam a ir só às aulas e os que participam na praxe, apesar de participarem muito e passarem muito tempo nas faculdades, estão limitados àquele quadro conceptual: se gostam de música, vão para a tuna (o que em termos criativos é muito limitado) e, para além disso, não há muito mais que possam fazer. O mundo do associativismo está muito ligado à praxe e é subserviente a esta e jamais vai tentar uma alternativa credível de integração. Como dirigente associativo e, quando tentei fazê-lo, quase havia uma revolução contra mim.

Voltando à minha praxe, dividiria o tempo que lá passei assim: 90% de momentos extremamente aborrecidos, 5% de momentos de tortura psicológica e 5% de momentos divertidos (que são sobrevalorizados, tendo em conta que surgem no meio de muitos momentos negativos e de tédio). Aquilo que a praxe traz de positivo, como a coesão, entreajuda e a solidariedade, poderia ser conseguido sem a praxe. E o argumento da integração é a maior treta que os praxistas têm (...).

Diana Antunes
Aluna de mestrado, professora de Música, 28 anos, Universidade de Aveiro

A minha mãe fez queixa na reitoria, quando soube em que tipo de integração eu estava a ser envolvida

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Neste momento, estou a liderar um novo movimento estudantil antipraxes, que servirá para colmatar uma lacuna deixada pelos dois movimentos que estiveram vigentes durante vários anos: o M.A.T.A. e os Antípodas, que se dissolveram naturalmente, com a partida dos seus elementos para a vida profissional.

Entrei no ensino superior em 2003, na Universidade de Aveiro. Desde sempre tive uma visão da universidade baseada nos seus princípios fundamentais de templo do saber, de partilha de conhecimentos e crescimento pessoal entre estudantes, e entre estudantes e professores. Pouco sabia acerca das praxes, mas tinha uma ideia positiva acerca delas, devido a uma espécie de pressão social que incute nos estudantes recém-chegados a ideia de que poderá ser uma experiência positiva e de integração.

(...) Entrei então no tal espírito das praxes e deparei-me com situações que jamais imaginei que alguma vez ocorressem no contexto de uma universidade. Desde canções com mais palavrões do que palavras propriamente ditas, sem qualquer tipo de criatividade além da pura regressão à infantilidade de usar linguagem imprópria e relativa à sexualidade; a total submissão às vontades dos veteranos que implicava não os olhar nos olhos, não conversar com o caloiro do lado e obedecer a comportamentos do mais boçal que eu nessa altura jamais poderia imaginar. Fomos questionados, por exemplo, acerca das nossas supostas experiências e preferências sexuais, filmados, forçados a colocar as mãos no peito e no rabo, a rebolar na relva... Passeámo-nos pela cidade com pensos higiénicos colados ao corpo, à chuva e ao frio, sem poder parar para comer, durante horas a fio.

Desde os típicos "comer sem talheres", passando por dar comida na boca do colega da frente de olhos fechados, até à situação mais degradante que vivi e que colocou um ponto final na minha experiência com as praxes: um dos veteranos em plena cantina universitária sugeriu que os rapazes colocassem o iogurte da sobremesa entre as pernas, e as raparigas, ajoelhadas, lambessem o iogurte. Com o constrangimento geral, rapidamente desistiram da ideia, mas uma das caloiras ainda o chegou a fazer. Ali percebi que teria de sair dali, o mais rápido possível. Ainda não o tinha feito devido ao meu carácter extremamente tímido nessa altura, que me impediu de enfrentar aquele grupo de 20 e tal indivíduos vestidos de preto, que passavam a vida a gritar connosco e a manipular-nos como marionetas.

Não me declarei antipraxe (nem teria de o fazer, dado que não lhes reconhecia qualquer tipo de autoridade formal dentro da universidade) e efectivamente fomos todos informados de que poderíamos ser antipraxe mas que não poderíamos trajar nem participar em qualquer actividade académica, incluindo jantares e festas académicas.

(...) Ninguém me perseguiu, é um facto. No entanto, praticamente ninguém dos anos a seguir ao meu me falou, a não ser o estritamente necessário. Se há uma obsessão tão grande em integrar, como é que quem não se sujeita às humilhações de repente deixa de ter importância nessa integração? Que hipocrisia é esta em que a integração é feita à força, à custa da humilhação alheia, recorrendo a regressões absurdas em que a sexualidade abastardada entra em todos os jogos, em todas as canções, em todas as actividades e em que não é permitido sequer conversar com o colega do lado?

Nessa altura a minha mãe fez queixa na reitoria, quando soube em que tipo de integração eu estava a ser envolvida. Ao indicar na secretaria ao que ia, levou com um suspiro em voz alta da funcionária que já tinha recebido várias queixas semelhantes. Chegou a levar cópias das letras das tais canções que cantávamos em pleno campus da universidade. Essa queixa fez com que os responsáveis da universidade tivessem ido questionar, e bem, a comissão de praxes do meu curso, no entanto, esta organizou de imediato uma reunião na qual eu estava também presente para indagar acerca de quem tinha sido o autor ou autora da queixa. Ou seja, resultou numa ameaça velada aos caloiros e a qualquer outro que pensasse sequer em fazer queixa.

(...) Toda a argumentação que se baseia na voluntariedade dos caloiros em participar em praxes e na ideia de que se pode fazer queixa e tudo ficará muito bem é uma argumentação baseada em falácias. Não há qualquer possibilidade de fazer queixa, e fazê-lo é perigoso apenas para o próprio caloiro. Eu tive sorte de nesse ano estar em casa dos meus pais, tive apoio familiar, que reforçou a coragem que foi necessária para ter a atitude que tive. E a certeza de que no final do dia regressava a casa e estava em segurança. O que dizer de todos os colegas que vieram de dezenas e centenas de quilómetros de distância que estavam sozinhos numa terra estranha? (...)

Mais tarde estudei em Lisboa, na Escola Superior de Música, onde não havia praxes, e a integração era feita através de um jantar e uma festa de recepção aos novos alunos. Durante esse curso conheci praticamente toda a gente da escola, todos os alunos, alguns antigos alunos, professores e funcionários, fui a todas as festas e, muito especialmente, fiz amigos.

(...) Chega deste fascismo disfarçado de boas intenções numa sociedade democrática do século XXI. (...) Finalizo citando Vergílio Ferreira, que diz que "Dizer ‘NÃO’ é prodigioso. Dizer ‘NÃO’ é abrir um espaço para o Homem se pôr de pé!... Mas é mais fácil viver com canga do que ser livre."

João Monteiro
Estudante, 18 anos, Universidade Nova de Lisboa

Se somos cruéis, estúpidos e inúteis, foi de vós que aprendemos

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Portugal lembrou-se de se tornar antipraxe. Toda a comunicação social nos tem dado a oportunidade de ouvir um grande número de opiniões de sábios pensantes e de grande reconhecimento que nos falam e vão falando sobre os abomináveis rituais de praxe; mas não só, neste momento é conversa de café pelo país fora que a praxe deve ser abolida, pois é perigosa e violenta. Meus caros, venho-vos aqui dizer que andamos todos a roçar o ridículo. Da minha humilde posição de caloiro de uma só matrícula, venho-vos mandar calar, a todos. Sim, revolto-me (sim, porque o caloiro revolta-se) contra a vossa hipocrisia: se somos cruéis, estúpidos e inúteis, foi de vós que aprendemos, pois é o vosso sangue que nos corre nas veias.

(...) Sabemos que é ineficaz que se diga que, em geral, os caloiros adoram a praxe, não se sentem humilhados, antes se sentem orgulhosos ao serem praxados (sim, orgulho), e quando saem da vida académica a saudade de ser praxado é bem mais forte que a de praxar. É inútil explicar-vos como vejo a praxe. O que importa que percebam é que a praxe, tal como tudo na vida, depende da forma como é vista. Descansai, o significado que vós atribuís a beijar o chão à ordem de um trajado nada tem que ver com o significado que o caloiro atribui. É certo que há vários tipos de praxe, é certo que há maus trajados, é certo que há caloiros antipraxe que por razões mais ou menos justificáveis não se declaram como tal; mas, ao contrário do que tentam esses intelectuais e sábios dotados fazer parecer, a génese da praxe não é ruim, e por isso não deve ser abolida. É inútil falar-vos mais sobre praxe, tal como são inúteis os vossos discursos pomposos e cheios de falácias. Argumentos para um lado, argumentos para o outro, e a este puxar de corda não irei acrescentar mais nada. No fim, a praxe vai prevalecer. E vocês perguntam-se porquê? Por estupidez e falta de bom senso, certamente. Eu digo-vos que não, será porque a praxe é mais do que palavras e argumentos baratos, mais do que aquilo que vocês algum dia irão entender.

Agora, estais com gana de falar dos males dos jovens (aí a conversa é outra), que são bêbados, fúteis, ocos, imprestáveis, predadores sexuais, preguiçosos, violentos, drogados e tanto mais? Vamos então admitir todos estes defeitos. (...) Vocês, que à mínima oportunidade rebaixam a vossa juventude, esquecem-se facilmente que nós somos o vosso espelho e que foram vocês que construíram o mundo em que hoje vivemos.

(...) Ocupem o vosso tempo e usem a vossa grandiosa sabedoria para reformular um sistema educativo arcaico e que tresanda a podre, que esse, sim, é o primeiro que nos desrespeita enquanto seres individuais, livres e criativos, que esse, sim, é o verdadeiro responsável por sermos os seres cruéis, estúpidos e inúteis que nos acusam de ser. Depois de 12 longos anos de rituais de estupidificação, chegamos à faculdade e queixam-se do previsível. Durante estes últimos tempos fizeram figura de bestas, todos vocês que foram para a boca do mundo falar mal da praxe e acusar os jovens de todos os males possíveis e imaginários (...). Esquecem-se que é a vocês mesmos que se insultam.

Então aqui fica a proposta de tornar a praxe académica crime punido por lei. Então iremos ver quão "vazios de vida e de ideias" todos nós somos, quão "adversos aquilo que a universidade representa", quão "cegamente obedientes" e, por fim, estúpidos. Ponham à prova esta manada de asnos com fatos de morcego que não compreendem a dimensão da individualidade e da liberdade, principalmente da capacidade de contestação. Atrevam-se.

Pedro Silva
Membro da tuna Desconcertuna, 27 anos, Instituto Politécnico de Leiria

A liberdade dos que não querem ser praxados não é respeitada

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Sou membro de uma tuna académica que não usa a praxe como elemento de integração. Antes pelo contrário, as brincadeiras de integração são bastante criativas e inclusivas.

A minha experiência enquanto caloiro foi na actual Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (antiga ESEL) do Instituto Politécnico de Leiria, onde também fui membro de uma tuna académica. Fui considerado como um dos melhores três caloiros do ano de 2005/2006, devido à minha presença quase constante nelas e, também, devido ao espírito que eu punha em todas as actividades, fazendo tudo ou quase tudo o que os meus doutores pediam. Houve várias praxes que rejeitei pelo facto de serem humilhantes e por atentarem contra a minha dignidade física e psicológica.

Apesar da minha obediência para com os meus superiores enquanto caloiro, quando me tornei doutor, cheguei à conclusão de que muitas — ou a maioria — das actividades que aceitei executar, não as voltaria a fazer se pudesse voltar atrás: por exemplo, praxes de cariz sexual e outras que me faziam demasiado subserviente a uma hierarquia que não tem razão de ser. Tive a oportunidade de denunciar várias praxes numa das reuniões da comissão de praxe, não como membro dela, mas porque me autopropus a fazer parte dessa reunião.

(...) Não sou antipraxe, porque todos têm o direito a ser praxados se acharem que essa é a melhor forma de se integrarem. A isso chamo Liberdade Individual. No entanto, sinto que a liberdade dos que não querem ser praxados não é respeitada, havendo coacção directa (ameaças de vários tipos, etc.) ou indirecta, esta última dentro do âmbito da "pressão social".

Se à pergunta "és a favor ou contra a praxe?", eu só pudesse escolher uma das opções, eu escolheria "sou contra", pois é possível integrar um novo aluno fora dessa lógica humilhante (...).

Bárbara Teixeira
Estudante, 22 anos, Universidade Lusófona

Se algum veterano te fizer algo de que não gostas, vens falar comigo

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Sempre fui relativamente indiferente às praxes. Vi algumas vezes o que me pareceram sempre brincadeiras do tipo a que estava habituada nos escuteiros e o traje tinha tanto para mim de interessante como de assustador, nada.

Parti do ensino secundário a pensar que muito provavelmente não acharia piada nenhuma, mas não quis julgar sem passar pela experiência, por isso no primeiro dia de praxes do meu curso lá estava eu, pronta, à porta da Universidade Lusófona.

Cheguei, conheci as pessoas, fiz muitas flexões por responder sarcasticamente (faz parte de mim) e habituei-me a ver a água do banho colorida. Aos poucos fui conhecendo os que sem dúvida alguma se tornaram os colegas de curso da qual fiquei mais próxima. "Enchi" mais por me rir com eles. Cantei, andei de autocarro cheia de farinha e no final do dia estava sempre de sorriso nos lábios. Não houve um momento de humilhação, eu sei, estava atenta, ouvi mais que uma vez membros da comissão do próprio curso (em nada relacionado com a COPA) dizerem-me: "Se algum veterano te fizer algo de que não gostas, vens falar comigo."

Dancei no Rossio, fiz croquetes na Caparica e no Dia da Criança corri atrás de um grupo de miúdos que ao nosso "Feliz Dia da Criança!" responderam com um deliciosamente infantil "Feliz dia do parvo".

No fim de tudo, eu que nem achava grande piada às praxes, fui caloira do ano.

A minha avó insistiu em pagar-me o traje, eu não queria. Ser caloira é uma coisa, ser veterano é outra. Dá trabalho, envolve dedicação e aleija os pés.

Não praxo porque não gosto, embora muito insistam comigo. O traje vesti-o duas vezes, uma delas para tirar uma foto para dar à minha avó pelo Natal.

Como podem ler, a minha experiência de praxes não podia ter sido mais benigna.

Quando há exageros, na minha opinião, devem ser evitados e controlados, não cortar-se a toda a gente o direito de se fazer o que se quer e o que se gosta.

Rita Trindade Mendes
Estudante de mestrado, 21 anos, ex-aluna da Universidade da Beira Interior e actual aluna da Universidade Lusófona

Usei o meu traje na bênção das fitas e tapei com a minha capa os ‘meus’ caloiros

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Fui caloira, mestre e grão-mestre. Afilhada e madrinha. Fui estudante da Universidade da Beira Interior e aderi às praxes, não me arrependo e voltaria a repetir tudo. Criei uma família, quase constituída por mãe, pai, filhos, tios e enteados. Celebrei a vida académica com pessoas muito importantes para mim. Abri portas à minha casa quando ainda nem sequer conhecia pessoalmente a pessoa, mas ser "caloiro" é assim, ter de ser uns pelos outros, ajudar mutuamente. Dei jantares, fui a jantares. Dormi em casas e dormiram em minha casa. Fui com pessoas ao hospital, levaram-me ao hospital. Sempre juntos, acho que é o que melhor descreve todos os momentos que vivi.

A conversa sobre as praxes já cansa, os media encontraram agora um fantoche para brincar, manipular e tapar realidades provavelmente mais importantes que estejam a ocorrer no país/mundo.

O que aconteceu no Meco foi realmente uma tragédia, mas acho que deveria ser respeitado o falecimento dos alunos como também a dor dos familiares e amigos em vez de criar intrigas, especulações e informação fictícia para os órgãos [de comunicação] sociais ganharem "audiências" ou venderem jornais. Sou actualmente aluna da Lusófona, não tenho nada que ver com as praxes académicas da mesma, pois estou em mestrado e isso não me interessa, no entanto revolta-me questionarem a instituição por algo que não é obrigado/influenciado pela mesma, aliás a única influência é a meu ver/entendimento que os alunos têm de estar inscritos na instituição.

(...) Por fim, só quero voltar a frisar que lamento a morte dos alunos e que para mim a comunicação social está a criar uma tempestade num copo de água ao misturar situações que nada têm que ver com a praxe, gerando um ódio por parte de pessoas que nem ligadas à praxe estão. Repito que graças à praxe conheci a minha nova família e criei memórias para a vida. Foi também com muito orgulho que usei o meu traje na bênção das fitas e tapei com a minha capa os "meus" caloiros para não terem frio na latada deles, entre muitas outras situações.

As memórias não se apagam, vão ficar para sempre comigo. Pensar na praxe que "sofri" faz-me sorrir por tudo o que trouxe de positivo.

Marta Lourenço
Estudante, 21 anos, Instituto Politécnico de Setúbal

Um dia trajei. Traje para o qual tanto me esforcei. Senti-me completa

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Pergunta se fui praxada? Sim, fui. Foi bom ou mau? Nem uma nem outra: foi maravilhoso.

(...) Entrei em Comunicação Social por mero acaso, em 2011. Ainda nem tinha entrado na secretaria da escola para efectuar a minha inscrição e já tinha a cara pintada. Por entre riscos e rabiscos, escreveram-me "CS" — iniciais do curso — bem no meio da testa. Ainda antes de ter vivenciado qualquer coisa, de ter aprendido o que quer que fosse, de ter conhecido os professores e as unidades curriculares… ainda antes de saber se ia ou não gostar do "meu curso", já carregava com o maior dos sorrisos e com o peito cheio de orgulho as iniciais daquele que seria o "meu curso". Senti-me bem recebida. Integraram-me logo no primeiro instante, sem sequer me conhecerem. Sem saberem se era a favor ou não da praxe. Ajudaram-me a escolher disciplinas, deram-me conselhos e colocaram-me a par de tudo o que envolvia o curso.

Hoje afirmo com unhas e dentes que entrei por sorte e não por acaso. A vida dá tantas voltas e, hoje, de cada vez que penso que chorei quando soube onde tinha sido colocada, começo-me a rir. Às gargalhadas. E sabem porquê? Porque para além de estar a AMAR — friso bem, a amar! — o curso, em termos de conteúdos e aprendizagens, amo de igual forma a família que ali ganhei.

Fui praxada durante longos e duros dias. Sim, tenho a plena noção de que foram duros. Fiz flexões, abdominais, saltos e "furos" — designação que se utiliza quando temos de nos atirar para o chão. Fiz completas aulas de ginástica. Até dancei com um ovo. O corpo estava dorido. Não me conseguia mexer. Fiz belas viagens de "autocarro", sempre bem acompanhada de vinagre, polpa de tomate e ovos. Cheirava mal. Muito mal. Não me podia sentar no comboio. Por vezes, nem podia viajar nele, como aconteceu com alguns colegas. Chegava a casa e da porta de entrada ia para a porta da casa de banho tentar salvar o meu cabelo que gritava por socorro. Passava horas no banho e às 21h30 já estava a adormecer de tão cansada que estava. No dia seguinte? Acordava animadíssima às 6 da manhã, pronta para vestir a minha T-shirt do caloiro, vestir as calças ao contrário e ir apanhar o comboio para mais um dia de praxe.

Voltei a rebolar, a saltar, a fazer furos, a cantar e a gritar pelo "meu curso". Voltei a sorrir, a rir, a ficar sem ar. Trabalhei em equipa, ajudei colegas meus. Transformei colegas em amigos. Amigos em mais que amigos. Percebi que temos de estar todos juntos, que somos uma família. Que temos de ser unidos. Sem união, não iremos a lado nenhum. Percebi que ali somos todos iguais e que aqueles que nos gritam e que nos sujam não nos humilham. Nunca o fizeram e nunca tiveram intenção de o fazer. Percebi que eles também ajudam. Que eles também estão prontos para conversar e que, acima de tudo, gostam de nós. Estão constantemente preocupados connosco e, se algo não estiver bem, são os primeiros a estender-nos o braço. Eles? Aqueles doutores ou veteranos, de sapatos pretos e gastos, ensinam-nos a trabalhar em equipa, transmitem-nos valores e querem o melhor para nós. Eles? Aqueles doutores ou veteranos, de camisa suada e suja, dão-nos conselhos.

Fui eleita caloira do ano, para meu espanto.

(...) Um dia trajei. Ai, que dia. Que saudades! O dia em que mais chorei, em que vivi tanta mas tanta emoção e que estava orgulhosa daquilo que tinha vestido. Traje para o qual tanto me esforcei. Senti-me completa. O meu percurso no ensino superior estava a fazer sentido. Dava corpo e alma pelo meu curso. Dava e dou. Nos dois anos seguintes, integrei a comissão de praxe. Ou seja, detenho uma enorme responsabilidade. Sim, responsabilidade. Aquilo que é exigido e nunca deve ser descurado. Juntamente com o resto do grupo, somos nove no total, planeamos actividades. Integramos. Preocupamo-nos. Temos capacidade de previsão do futuro, ao contrário do que afirmam.

Pensamos sempre três vezes no risco e no que cada uma das actividades implica. Zelamos pela segurança. Essa é a nossa preocupação número um. Queremos que todos se sintam bem e tenham à-vontade para falar connosco. Cada um é livre de dizer que não, tal como eu sempre o fui e sou. (...) E não é por isso que a turma não o vai receber. Quem não for à praxe não tem amigos? Mentira. Na minha turma, existem muitos estudantes que não participaram e que se dão tão bem ou melhor com todos. Com quem foi e com quem não foi.

É preciso não generalizar. Há quem saiba respeitar as regras e os outros. É preciso que a comunicação social não generalize e não tente formatar a opinião pública, induzindo ideias erradas. Não somos uma seita. Nunca o fomos.

Se há coisas erradas na praxe? Claro que há. Mas o erro começou quando morreu uma pessoa e não quando morreram seis. Era aí que deviam ter começado as investigações, não apenas agora.

Orgulho-me em dizer que participei na praxe. Orgulho-me em dizer que faço parte de uma comissão. Orgulho-me, sabem porquê? Porque, por muito que grite, por muito que mande fazer isto ou aquilo, por muito que seja "má", a segurança de nenhum dos meus caloiros foi posta em causa. NUNCA! (...)

João Santos
Estudante

É inadmissível andar a rastejar sobre dejectos de animais

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Antes de entrar para a actual instituição de ensino que frequento, tive alguns receios pela popularidade de praxes consideradas rígidas e "nojentas". Sabemos todos como são as praxes numa Escola Agrária.

De facto, depois de todas as praxes por que passei, concluo que há alguns pontos bastante positivos e outros o oposto. Aceito de forma positiva a forma de integração dos novos alunos por parte da comissão e algumas acções que se fez na própria instituição como, por exemplo, a realização da vindima. Tal como a transmissão de conhecimentos do código de praxe.

Por outro lado, não achei tão positivo a quantidade de vezes que éramos notificados para as praxes, pois impedia-nos de fazer outras coisas da vida quer pessoal quer académica, como estudar para alguns testes.

Mais importante que isto tudo está a nossa integridade física quer pessoal, quer a dos meus restantes colegas caloiros. Torna-se inadmissível para mim estar completamente molhado e diria até "encharcado" nos dias mais frios do ano, tendo no final que me despir quase por completo para poder entrar em casa. Torna-se também inadmissível andar a rebolar ou rastejar sobre dejectos de animais. Sabemos que basta uma única ferida ou abertura na nossa pele para que se provoque uma doença grave.

No entanto e, apesar disto tudo, é importante que sejam daqui para a frente delineadas medidas. Medidas que façam com que tais erros não voltem acontecer, fazendo com que as praxes sejam, pelo menos, uniformes em termos de actividades de norte a sul do país.

André Brito Guerreiro
Arquitecto, ex-aluno da Universidade do Algarve

Qualquer adulto deve saber brincar

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Sou arquitecto paisagista formado na Universidade do Algarve durante os anos de 2004/09. A minha experiência da praxe é a melhor! Apesar de não ter sido praxado no meu primeiro ano, uma vez que ingressei na segunda fase e cheguei já tinham as praxes terminado.

Fui praxado no segundo ano, conjuntamente com os novos caloiros e pelos meus colegas (...). Nunca fui diferenciado em relação aos caloiros nem para o melhor ou o pior. Somos todos UM só, somos todos um curso e uma universidade.

As brincadeiras que fazemos, e não são mais que brincadeiras, e qualquer adulto deve saber brincar, são momentos de integração sim, aí se formam ainda mais o laços para o futuro. Foi uma semana fantástica, sempre baseada no respeito e no convívio.

Se é verdade que o caloiro é cá apelidado de "besta" e passa a caloiro só no dia do desfile académico, após ser baptizado pelo padrinho (os regulamentos mudaram recentemente e sei que há agora ligeiras diferenças com a adequação ao processo de Bolonha)? É, mas esta é uma forma nossa de os chamar — tantas são as vezes que somos chamados de "bestinhas" como tantas são as vezes que se ouve um pai chamar ao seu filho (ou entre namorados) nomes ridículos e carinhosos.

Ali não há nada de invasivo, nada de arrogante, nada de humilhante. Há amizade e camaradagem.

Praxei também, muito! Se praxei bem ou mal? Um total de 11 afilhados falarão por si, são eles que nos escolhem para ser padrinhos.

Muito se tem falado sobre a praxe, mas muito pouco tem sido dito por quem nela participa. Custa-me compreender como é que uma pessoa que se declarou antipraxe possa estar informada sobre as mesmas. Custa-me ouvir falar em seitas e outras que tais, quando ali tudo é claro, tudo é visível e com regras.

Fiz parte da comissão de praxes do meu curso, por isso sei como as coisas funcionam. Antes do inicio das aulas, três representantes de cada curso são convocados para uma reunião com a Associação Académica, assinamos uma declaração de responsabilidade pelos nossos caloiros, é-nos dito quais são as regras, ficamos esclarecidos sobre onde e quando devemos ou não praxar, o que poder ser considerado praxes e aquelas que nunca deveram ser levadas à prática — p.e. é completamente proibido qualquer tipo de praxe sexual, é completamente proibido que o caloiro tenha de gastar dinheiro com os académicos (praxantes), entre outras tantas coisas. Dão-nos responsabilidade para sermos nós a vigiar as praxes dos nossos colegas e sermos chamados à atenção para o que acontecer.

A todos os novos alunos é perguntado assim que entram na universidade se querem ser praxados, ninguém é obrigado a nada. Ninguém é excluído por isso, tive colegas que não foram praxados e a nossa relação foi igual.

Podem acontecer acidentes, claro que sim, todos os dias morrem pessoas em acidentes de viação, todos os dias há alguém que na sua prática profissional se magoa. Não vejo que seja esse o problema. Os acidentes acontecem em todo o sítio. (...) Depois, os académicos também vão a tribunal de praxe e para estes os castigos são bem a sério. (...) Alguém já se lembrou que para um caloiro aquela semana de praxe é muitas vezes a oportunidade de fazer uma pequena loucura que sempre quis fazer sem ser visto pela sociedade como um louco? Aquele é o momento e tem de ser vivido intensamente!

(...) Terminei o meu curso nos cinco anos devidos, com uma média bastante boa e não me considero um vândalo ou um marginal. Trabalho, tenho a minha empresa, participo activamente na sociedade e muito disso nasceu na vida académica que conheci!

Anónimo
Estudante

‘Terror’ é a palavra que me fazem lembrar esses tempos

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Na minha escola agrícola [Outubro de 1996 até Julho de 1999], havia um ano de praxes. Envolvia humilhações várias, que iam de jogos da chapada, engraxar sapatos, fazer camas, etc. Quando recusei, comecei a ser perseguido, pois não podia haver excepções. Um dia, quando estava a estudar, dois veteranos bêbedos aproximaram-se e começaram com os habituais insultos. Depois veio o pior: chapadas na nuca. Reagi e respondi com violência. Nesse dia ficou por aí. Mas o veterano que agredi, como tinha a honra queimada, foi chamar um amigo mais forte que tratou de me provocar ao pedir que levasse uma bandeja dele depois do jantar. Recusei. Esperou-me na rua, mais o resto da escola. Mais uma confrontação se seguiu e eu fui parar ao hospital com um osso partido na face que ainda hoje está fora do sítio e me deixou a cara ligeiramente deformada. A partir daí fui ostracizado por quase toda a gente por ser chibo — queixei-me à direcção — inclusive por colegas da minha terra e do mesmo ano. "Terror" é a palavra que me fazem lembrar esses tempos...

Anónimo
Estudante

Respondi levantando-me para esmurrá-lo de fúria

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A minha praxe envolveu ter de rebentar dois ovos na cabeça do presidente da Associação de Estudantes da minha faculdade. Após ter sido obrigado a fazê-lo, o presidente retaliou obrigando-me a pôr de quatro na relva, onde me rebentaram no mínimo oito ovos na cabeça e despejaram farinha. Um "doutor" teve a infeliz ideia de me pôr um ovo pelos boxers adentro, ao que respondi levantando-me para esmurrá-lo de fúria. Fui prontamente bloqueado por um grupo de doutores que, por sorte, não levaram com o meu murro.

O presidente disse que o doutor foi longe de mais na brincadeira e obrigou-o a pedir desculpa para que todos vissem. A humilhação por que passei serviu de castigo para um doutor que teve uma infeliz ideia. Resultado final: a praxe é um processo de integração, seja pela via da diversão estúpida e infantil, seja pela via da humilhação e agressão verbal.

A praxe para mim não significa nada, pelo que cheguei completamente sozinho a uma faculdade tão grande e fiz muitos e bons amigos depois desse incidente minúsculo na minha vida académica (isto porque não faço parte das saídas de praxe e essas actividades nas quais não me revejo: beber muito em tascas muito asseadas e nada duvidosas e gastar imenso dinheiro em transportes e jantares que nem sandes fornecem).

A praxe não deve ser excluída mas se o bullying é uma realidade, não podemos virar costas aos comportamentos abusivos de pessoas com mais de um ou dois anos do que nós ou, muitas vezes, mais dez ou 15 anos, que deviam ter juízo e ir trabalhar e investir nas suas vidas.

Muitos dessas pessoas não têm maneiras criativas de ocupar o seu tempo, como criar praxes sociais e voluntárias ou, já estou por tudo, ganhar dinheiro com ela. Não, o engraçado é sermos bêbados e leves de carácter.

Sara Afonso
Desempregada, 24 anos, ex-aluna da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

As praxes foram uma das piores fases da minha vida!!

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As praxes foram uma das piores fases da minha vida! Caí de pára-quedas na universidade, com apenas 17 anos, era ainda uma menina. Custou-me a primeira separação dos pais — universidade e, como se não bastasse, não estava a contar com toda uma humilhação e arrogância que me esperavam.

Chegada no primeiro dia à universidade, estava receosa (aquele nervoso miudinho que nos assalta por vezes) de conhecer os professores, de ver as disciplinas, de conhecer os colegas, entre outras coisas. Chego à entrada da universidade e deparo-me com um monte de gente encostada à parede de joelhos no chão. Estranhei. Mas estranhei mais quando lá de longe me perguntam aos berros: "És caloira?" Respondi prontamente que sim. A partir daí foi o descalabro total.

Essa tal de "doutora" começou aos berros comigo, continuamente, sem eu saber bem porquê, assustou-me de tal maneira que eu só fazia o que ela mandava, uma vez que me apercebi que ali era assim que ditavam as "tais regras". Conseguia perceber na cara de alguns deles (caloiros) uma ligeira aflição igual à minha (aliás, uma grande aflição), embora noutros colegas me parecesse que havia uma cara de despreocupação perante aquilo, como se já soubessem o que os esperava. O que é certo é que, embora todos tenhamos diferentes formas de ver as coisas, eu não sabia o que me esperava e não conseguia levar aquilo como se nada fosse.

Percebi que tinha de fazer o que eles me dissessem, pelo menos até decidir se continuaria ou não naquele, denominado por mim, martírio.

Aproveitavam cada minuto de intervalo, cada minuto de almoço para nos praxar e fazer de nós "os burrinhos". Havia "doutores" que se notava que não queriam "magoar ninguém" nem física nem psicologicamente… ao contrário de outros, nos quais "conseguia ler" uma frase estampada na testa: "Hás-de sofrer assim como eu sofri!" O ar de superioridade com que nos olhavam, quase como quem de nós tem raiva, deixava-me cada vez pior.

Disseram-me que se desistisse daquilo a que chamavam "praxe" não poderia trajar, que não ia ter amigos que falassem comigo e que não poderia "queimar as fitas". Ora, toda a gente sabe que só fazemos aquilo que queremos, mas naquela altura acreditei piamente no que me disseram e decidi continuar, pois a minha grande alegria seria ver no fim os meus familiares numa festa, que é a queima das fitas, por eu ter conseguido alcançar mais uma etapa. Como tinha chegado há pouco, queria era integrar-me o mais rapidamente possível decidindo então arriscar (embora doesse) e não me declarar antipraxe.

No fim do primeiro dia, foi o grande dilúvio lá em casa. Parecia que as lágrimas não acabavam. Acho que é indescritível o meu estado.

No decorrer das praxes, cantávamos cantigas no meio das ruas, carregadas de asneiras, faziam pressão psicológica sobre nós, chamavam-nos nomes, rastejávamos na lama, fazíamos flexões a valer… um horror. Cheguei a um ponto que era um "dr" a berrar-me ao ouvido, dizendo "senta-te", e outro a dizer "levanta-te", e eu naquele meio termo sem saber o que fazer.

Dizem eles que praxe é integração. Para muitos outros, e em muitas outras universidades, pode ser e pode ter corrido bem, mas para mim NÃO! Até porque, por vezes, nem com o colega do lado conseguíamos falar.

A pior praxe foi sem dúvida no dia em que nos mandaram ir todos vestidos de pijama para uma garagem escura. Tiraram-nos os telemóveis, à entrada, para garantirem que ninguém ligava a ninguém e colocaram-nos numa saca para depois nos darem ao final do tal ritual que iriam realizar. Estivemos nessa mesma garagem horas a fio à espera que nos chamassem a outro piso do prédio para nos praxarem um a um. Estive sete horas dentro daquela garagem ao frio, até às 5h da manha. Fui a última a ser chamada. Não tenho palavras para descrever o sufoco que senti (...).

Margarida Oleiro
Formada em Serviço Social, 28 anos, ex-aluna da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Fui punida e o castigo foi justo

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Finalmente, depois de tanta polémica lançada em torno da tragédia do Meco, o vosso jornal parece estar disposto a ouvir os dois lados: os que defendem a praxe e os que são contra a praxe.

Esclareço, desde já, que eu sou a favor da praxe mas nem sempre foi assim devido, exactamente, à falsa percepção que tinha da praxe académica transmitida pelos media. Quando entrei para a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (sim, aquela que agora anda na boca de todo o mundo), estava completamente decidida a dizer que não a qualquer pessoa que me tentasse praxar, mas tive a sorte, na minha opinião, de, na altura, o representante do curso de Serviço Social (curso no qual estava inscrita) ter falado comigo e me ter convencido a experimentar ser praxada com a condição de que assim que me sentisse mal com alguma coisa teria toda a liberdade para deixar de participar nas actividades.

E assim se passaram duas semanas de praxe. Criei amizades não só dentro do meu curso, diverti-me, aprendi sobre o espírito de entreajuda e muito mais, mas nunca me senti humilhada, rebaixada ou desrespeitada e, como é óbvio, houve actividades de que não gostei tanto.

Quando chegou a altura de praxar, o meu curso teve algumas dificuldades, pois tínhamos sido expulsos do comissão oficial da praxe, tivemos (eu e as outras quatro pessoas que trajavam por Serviço Social) de entrar rapidamente na linha e aprender verdadeiramente o que era o espírito académico, pois éramos apenas cinco pessoas responsáveis por umas 40 ou 50 pessoas e, como é óbvio, porque o ser humano comete erros, houve falhas de todas nós. Mas nunca uma situação que incomodasse um caloiro deixou de ser criticada (embora não na frente dos próprios caloiros) e eu própria, que tive comportamentos impróprios com caloiros, por duas vezes fui punida pela representante do meu curso e acho que o castigo foi mais que justo.

Já não estou na Lusófona faz quatro anos, mas não acredito que a filosofia de praxe na universidade tenha mudado assim tanto desde dos meus dias de trajada. Portanto, embora queira ver a situação do Meco esclarecida (...) acredito que nem tudo o que sai nos jornais é verdade e que o que aconteceu foi uma tragédia que deve ser esclarecida não para culpar a praxe e acabar com o espírito académico, mas para dar paz às famílias, amigos e colegas das vítimas (...).

Bia Miranda
Estudante, 19 anos, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Sou grande animal, na mui nobre academia de Vila Real

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Eu já fui praxada. Se pudesse, voltava a sê-lo. Sou grande animal, na mui nobre academia de Vila Real, UTAD.

Antes de entrar na universidade, era bastante recatada e apesar de ser bastante sociável e adorar conversar e tagarelar com todos, preciso de um tempo considerável para conhecer as pessoas, tal como, creio eu, a maioria das pessoas. Para mim, a praxe foi excelente neste aspecto, porque ao fim de uma semana já tinha de saber os nomes, alcunhas e cidades de origem de todos os meus amiguinhos. Conhecê-los como amigos de infância. Éramos um só... Melhor! SOMOS um só, nós e os nossos doutores. Sinto que aqui formei uma família. Uma segunda família com avós, pais e muitos irmãos.

Mas sim, não foi fácil. Nem tudo é um mar de rosas como dizem, né? Estamos fora da nossa zona de conforto, longe de casa, a viver sozinhos ou com desconhecidos, com uma casa e despesas para organizar... estamos a crescer. A tornar-nos homens e mulherzinhas grandes com responsabilidades. É a universidade, o último passo antes de tudo! Sim, onde quero chegar é que às vezes é necessário fazer um esforço para não chorar e largar tudo e ir para casa, é necessário mais um sacrifício para alinhar numa nova brincadeira, com a qual acabava sempre a rir-me imenso ou a aprender algo! São sacrifícios, vá fáceis, que tive de ultrapassar (e, repito, voltava a passar pelo mesmo para ter o que agora tenho). Afinal de contas, o que é que o futuro nos aguarda? Não há um Governo que nos calca tanta vezes (algumas vezes necessárias, outras, creio, que nem tanto), uns bancos que nos tentam lixar, um patrão ou até empregados que nos trazem problemas e não sei quantas outras autoridades que o mesmo provocam? Não tem um adulto que fazer tantos sacrifícios?! Tem! E a praxe, em parte, prepara-nos para isso. Prepara-nos para a vida! Prepara-nos para as hierarquias. Prepara-nos para termos responsabilidade e respeito, trabalharmos em equipa, sermos íntegros e nos mantermos em união com todos os que nos rodeiam.

(...) Eu saía sempre da praxe com um sorriso escondido, cansado mas escondido. Escondido, pois não o podiam ver ou seria tomado como falta de respeito para com os amiguinhos que comigo eram praxados. Um escondido que mesmo escondido me deixava muito feliz e a querer voltar a passar por tudo no dia seguinte. Pronto, olhem, um sorriso feliz, que me deixava feliz! Sim, a praxe é isso.

Acho que com um pouco de esforço, muita paciência e um sorriso se faz tudo na vida, e a praxe deve assim ser encarada. É o nosso momento. Tudo aquilo é preparado para nós e para nos receber. O que damos em troca? Enchemos um pouco (vejam pelo lado positivo que naquelas alturas ninguém precisava de ir ao ginásio), reflectimos, lavava o cabelo com detergentes nos dias mais sujos (acreditem que ele ficava com um brilho fantástico!), gritámos como um só, rimos (mesmo sem grandes motivos) e pulámos e saltámos como tolinhos, mostrando o NOSSO orgulho pelo NOSSO curso! (...) Encarem a praxe como deve ser encarada — uma tradição cultural que existe há tanto tempo no nosso país. Como pode ser assim tão "má", existindo há tanto tempo e com tanta gente a orgulhar-se de nela se ter envolvido?!

Letícia Neto
Estudante de mestrado, estagiária num jornal, 24 anos

Muitos não têm a capacidade de resistir à pressão e continuam a ir à praxe

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Fui caloira, mas não fui à praxe. Ou melhor, fui só no meu primeiro dia até à hora em que alguém me ordenou que dissesse aos pulinhos: "Ri-me, fodi-me." Eu sei que para a maioria das pessoas isso era até simples, divertido e engraçado, mas não para mim. Primeiro, porque não tenho o hábito de dizer asneiras. (...) Disse-lhe então que não dizia e que ela não mandava em mim. O facto de a estar a olhar olhos nos olhos e de as suas colegas se terem rido com isso levaram-na à ira. Foi então que ela disse: "A caloira está fodida!"

A seguir eu saí da fila para o almoço, disse-lhes que não iria continuar e fui embora, apesar de me terem pressionado para ficar. Nos dias seguintes, senti-me uma fugitiva. Porque já todos os "grão-mestres" me conheciam. Letícia, a desertora. O horror. Tentaram a bem, com aquela teoria de que depois não me iria conseguir integrar e que a praxe era das melhores coisas da universidade. E tentaram a mal. Com olhares, com tentativas de me fazer assinar uma "declaração antipraxe" para entregarem não sei a quem e para que não trajasse ou coisa parecida. Recusei-me a isso.

Não sou nem nunca fui antipraxe, só não participei. Não estava mesmo nada para aí virada. Eu via a praxe como um meio de pessoas parvas libertarem os seus alter egos sem que nada de mal lhes acontecesse. Havia pessoas normais naquilo, mas eu reparei mais nas outras. Porque eram as que sobressaíam. As feiinhas, os de nariz grande, os repetentes. Mas disto importa reter que eu só fui até onde quis, no caso, até à fila da cantina. Admito que a pressão foi muita para uma menina de 18 anos que tinha acabado de deixar a casa dos pais. Sei que muitos não têm a capacidade de resistir à pressão e continuam a ir à praxe. Por pressão, porque assim conhecem-se os colegas mais velhos, é cool e bebem-se uns copos.

(...) Tirando os dois meses iniciais, nunca me senti excluída de nada. E da minha auto-exclusão não houve arrependimentos. Porque fui fiel aos meus princípios. E por eles sempre passou a capacidade de avaliar, de questionar e de tomar posição.

Seguir a corrente nunca foi a minha máxima. E, por isso, tenho a dizer às pessoas em geral, e aos caloiros em particular, que nem tudo é da praxe. As coisas não têm de ser assim só porque alguém nos diz.

Se não questionássemos as coisas, ainda hoje vivíamos na ditadura ou em absolutismos parvos. Alguém deixou de seguir a praxe para a Humanidade chegar onde chegou.

Pedro Silva
Estudante, Instituto Politécnico de Lisboa

O dia mais nojento, duro e extremamente divertido que tive

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Longe de casa, despejaram-me numa cidade nova, numa escola nova, num mundo novo e desconhecido.

No primeiro dia fui recebido pelos meus veteranos e integrado junto dos meus colegas caloiros. Logo nos primeiros minutos começaram a dizer para me juntar aos meus colegas, para não estar afastado do grupo. Seguiu-se então a semana de integração em que me gritaram aos ouvidos, fizeram encher, pintaram-me a cara e riram-se de mim e comigo. No momento em que essa praxe acabou, eu soube que todos os que gritavam comigo e pareciam monstros de sete cabeças não passavam de pessoas carinhosas e que só me queriam bem, acompanharam-me para o metro, falaram comigo e quiseram-me conhecer.

Depois veio o afamado e terrível rally tascas. O dia mais nojento, duro e extremamente divertido que eu tive. Andei de mão dadas a colegas meus, levantei colegas minhas do chão quando elas queriam desistir, foi uma experiência que nunca hei-de esquecer. No meio de todos aqueles gritos e porcaria que me mandavam a cima, sentia que havia um grande cuidado e responsabilidade pela parte de quem nos estava a "torturar" para saber quem não podia fazer certas coisas, se nos estávamos a sentir mal, se precisávamos de comida ou bebida. Logo depois dessa semana, eu sabia que tinha feito ligações com os meus colegas que nunca iriam ser quebradas e se vão manter para os quatro anos que se seguem da minha vida e sem dúvida muitos mais.

Depois dessas primeiras semanas, a praxe serviu para aprender responsabilidade, trabalho de equipa, espírito de sacrifício e criou laços dentro do meu curso e com pessoas de outros cursos (...). Faz-me muita impressão como tantas pessoas podem dizer mal de uma coisa que me trouxe tanta alegria (...). Só quem não passou por ela é que não sabe quanto ela significa para nós.

Anónimo
Estudante, 23 anos, ex-aluno do Instituto Politécnico de Tomar e actualmente na Universidade Nova de Lisboa

Fiz tudo para que não dissessem que não fazia a praxe porque era fisicamente difícil

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Vou dar conta de duas experiências, dado que estive em dois cursos diferentes. A primeira, no curso de Engenharia Civil no Instituto Politécnico de Tomar (...). Era da cidade de Tomar, e, como tal, não se pode dizer que tivesse problemas de integração (...). No entanto, e apesar de considerar que não gostaria de estar na praxe e não me rever naquilo que entendo ser os seus valores, decidi dar uma pequena oportunidade à mesma. Talvez tenha sido uma posição ingénua, mas acabei por participar, de início.

As praxes, em Engenharia Civil, eram consideradas as mais difíceis. Duraram meses (até ao fim de Novembro, ou seja, quase todo o semestre) e eram as que tinham mais actividades, (...) diversas praxes físicas. Apesar disso, da minha experiência, não posso dizer que as tenha considerado o pior. Para mim, o pior, pior que as flexões, pior que as "granadas", pior que o "rebolar", pior que as cordas e/ou fita-colas que atavam os caloiros uns aos outros, foi a parte psicológica. Foi o, desde o início, desde a matrícula, sentir que estava constantemente vigiado.

Os "doutores" estavam sempre por perto, constantemente exigiam que estivéssemos num dado local, a uma dada hora, para uma qualquer praxe. A vigilância e controlo a que éramos sujeitos era constante. As faltas às aulas eram constantes. No entanto, o momento em que me decidi que bastava, e que desisti da praxe, foi depois de uma "guerra entre cursos", na qual me senti mal. O meu curso "ganhou", mas "ganhou" rodeando, gritando e insultando um curso maioritariamente formado por raparigas, que estavam em menor número, e através de insultos machistas. Aí, percebi que estava a mais na praxe, que bastava, e afastei-me imediatamente. Afastei-me sozinho e um "doutor" reparou e "ordenou" que eu deveria voltar para a praxe. Admito que aí cedi, e voltei para o local onde estava a ser realizada a praxe. No entanto, tive um "castigo". À frente de todos, tive de fazer flexões na lama, gritar alto, rebolar, etc, e justificar-me perante o "doutor". Fiz tudo isso já com a decisão tomada de que iria sair da praxe, mais para "descargo de consciência" e, também, admito, para que não dissessem que não fazia a praxe porque era fisicamente difícil. Mas desisti, isso sim, porque aí percebi que aquele não era o meu meio, que não me sentia bem ali.

Tive a capacidade de sair, de achar que seria melhor para mim acabar com aquilo. No entanto, não deixei de notar que fui, claramente, posto de lado por grande parte dos colegas. Não digo por todos, nem por todos os doutores, mas fui.

(...) Posteriormente, acabei por ir para um outro curso, numa área das ciências sociais que mais me agradava, em Lisboa. Foi na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, que só há pouco tempo começou a ter praxe. Voltei a entrar na segunda fase e quando entrei já tinha acabado a praxe, e, portanto, tive a sorte de nem ter de me assumir como anti ou pró-praxe.

A minha "integração" foi prejudicada por ter entrado tardiamente e não pela praxe. Mas, posteriormente, não deixei de reparar que, também ali, e apesar de, como me foi referido, se terem tratado de praxes ditas "inócuas", "boas", sem insultos e sem grande esforço físico, também houve exclusão. Quem não tinha participado nas praxes, quando estas ocorreram, estavam claramente à margem, algo que, com o tempo, com o desenrolar próprio das diferentes relações, se foi alterando um pouco. Ainda que sem se deixar de notar.

Acho que, do meu exemplo, se algo poderá ser tirado é que, apesar de poder haver hipótese de dizer não à praxe, esse não nunca é independente do contexto em que é feito, e tende a deixar marcas ao nível da exclusão de quem é contra a praxe. E isto é algo que é transversal às "boas e más praxes", como agora é "moda" dizer (...)

Catarina Barroso
Estudante, 20 anos, ex-aluna do Instituto Politécnico de Lisboa, actualmente Universidade Nova de Lisboa

Simular actos sexuais com um burro de plástico e orgasmos com caloiros

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Se soubesse aquilo que sei hoje, nunca teria participado em qualquer tipo de actividade de praxe (...) Entrei para a Escola Superior de Comunicação Social em 2011 (...). Por saber que sou uma pessoa calada e reservada, sabia também que seria mais difícil integrar-me num meio tão novo para mim. Por isso, acedi a participar na praxe, por pensar que assim a integração seria mais fácil.

Logo no primeiro dia detestei. (É importante referir que todos os anos, na minha escola, a comissão de praxe muda, sendo assim, a praxe pode ser diferente de ano para ano.) Algumas das praxes eram inofensivas (ou não passavam a barreira da tontice), sim, também é preciso dizer. No entanto, havia praxes de conteúdo sexual, como simular actos sexuais com um burro de plástico e simular orgasmos com outros caloiros. Quando me recusei a fazer esta última praxe, logo uma trajada se dirige a mim aos berros, ordenando-me que fizesse aquilo que ela estava a mandar. A insistência ainda durou um bom bocado. Foi desconfortável, humilhante e nada daquilo que eu tinha imaginado que seria a minha chegada ao mundo académico. Pergunto-me: "É assim que se integra alguém?"

Outra das praxes que me recusei a fazer foi o chamado "leilão do caloiro", em que as raparigas colocam o soutien fora da roupa e viram a roupa de baixo, calças ou saia, ao contrário, e em que os rapazes ficam de tronco nu com frases escritas no corpo. Recusei-me, disse que não queria fazer aquilo e mais uma vez a minha decisão não foi aceite de bom agrado. A insistência foi muita de novo, disseram-me que se não fizesse aquilo não poderia trajar, entre outras coisas. Acabei por aceder, sem estar muito convencida. (Ninguém ali pensa nas pessoas que se sentem mal com o seu corpo, nas pessoas que são mais tímidas ou, simplesmente, na humilhação que aquilo é.)

(...) Ao longo do meu ano de caloira fui participando noutras praxes inofensivas, como jogos e teatros. No entanto, havia sempre alguns momentos em que o limite daquilo que é aceitável (...) era ultrapassado.

Como trajada, pertenci à praxe durante uma semana. Nesse ano, a comissão mudou e posso, sem dúvida, afirmar que as praxes de cariz sexual deixaram de existir, pelo menos, daquilo que vi. Um ponto positivo, sem dúvida. No entanto, eu já tinha crescido um ano e todo aquele ritual já não fazia sentido para mim: as canções aos altos berros no meio da rua, os miúdos todos pintados e mascarados, as flexões, os gritos com os caloiros, as bebedeiras, as ambulâncias no rally tascas (...) e, principalmente, e aquilo que foi a última gota de água para eu desistir da praxe: o poder que um traje tem, quando levado para o sentido negativo.

Há pessoas que vestem o traje e mudam completamente a sua forma de ser, pensam que têm mais direitos que os miúdos que acabaram de entrar, têm uma atitude completamente alienada da realidade e, pior, fazem da praxe a sua vida, o que acaba sempre por levar a excessos (...)

Luís Ornelas
Estudante, 21 anos, Universidade do Algarve

As directas, o cheiro a peixe, os joelhos esfolados, na companhia de pessoas fenomenais

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Fui praxado na Universidade do Algarve, no curso de Biologia Marinha e Biologia. Quando penso nas praxes, recordo-me apenas de momentos alegres na companhia de pessoas fantásticas, praxados e praxantes, motivo pelo qual estou a relatar a minha experiência.

Nunca, no decorrer das praxes, me senti humilhado nem inferiorizado, isto porque apesar de estar a ser praxado, nunca recebi uma praxe que tal permitisse. Não se enganem, pois as praxes aqui são duras. Nunca me irei esquecer das directas consecutivas, da constante voz rouca, do cheiro contínuo a peixe, nem dos alhos e cebolas incontáveis que tive de comer, ou ainda dos joelhos esfolados, resultado de horas intermináveis de joelhos. No entanto, como já referi, estive sempre na companhia de pessoas fenomenais. Desenvolveu-se um espírito de entreajuda entre nós, praxados e praxantes, uma amizade infindável, que ainda hoje perdura.

No último dia das praxes, esperava-nos um desfile. Todos os cursos da Universidade do Algarve concentrados na Baixa de Faro, uma multidão imensa, com todos os cursos a cantar músicas relativas ao curso. No final, um camião dos bombeiros à nossa espera, que não tardou em dar-nos um banho, o que naquele dia quente soube como uma imperial à beira-mar num dia de Verão.

Tudo isto para referir que a praxe, quando bem executada, é um ritual saudável, que ajuda a integração do caloiro na faculdade. Ainda as praxes não tinham acabado já eu conhecia gente do 2.º, 3.º, 4.º e 5.º ano. O que mudou no fim foi o facto de finalmente poder olhá-los nos olhos.

Para além disso, gostava ainda de dizer que apesar de, no resto do país, as praxes poderem ser um pouco mais intensas, tanto física como psicologicamente, muitos dos acidentes ocorrem, pois grande parte dos caloiros não se impõem quando confrontados com praxes cujo objectivo é apenas a humilhação, e baseiam-se na famosa afirmação : "No meu ano fiz essa praxe, portanto terás de a fazer também." Isso para mim não é praxe.

Ana Rita Borrego
Estudante, 24 anos, ex-aluna da ESTeSL e actual da Universidade Técnica de Lisboa

Fui veterana, excelentíssima veterana e, inclusive, ‘doutora de curso’

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Neste momento sou estudante do Instituto Superior Técnico e frequento o 2.º ano do curso de Engenharia Física. No entanto, este não é o meu primeiro curso, uma vez que já sou Licenciada em Radioterapia, curso que tirei na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL), e o que me leva a pensar que posso dar uma opinião baseada em experiências com alguma variedade.

Como caloira fui praxada, em ambos os cursos. Posso dizer com toda a certeza que as praxes na ESTeSL eram levadas com muito mais espírito e seriedade. Quando digo seriedade, não estou a fazer qualquer ligação a situações semelhantes às que têm sido levantadas nas últimas semanas. Quando digo seriedade, digo respeito por uma hierarquia que existia mas que não se impunha sem razões que a justificassem. Era uma hierarquia que nos transmitia confiança. Foi graças à praxe que conheci as pessoas que me iriam acompanhar naquele novo percurso da minha vida. Quatro anos que ali vivi e com essas mesmas pessoas partilhei os bons e os maus momentos. Foram a minha família. Com a mesma intensidade com que me praxaram, mais tarde estiveram lá para me ajudar, para me preparar, para me aconselhar.

Da mesma forma que fui praxada, também mais tarde praxei. Fui veterana, excelentíssima veterana e, inclusive, "doutora de curso". Que na minha faculdade tem o significado de representante de curso e que tem como responsabilidade garantir o bom funcionamento das actividades de integração ao longo do ano.

Com o mesmo respeito com que fui praxada, exigi que os meus veteranos, sob a minha alçada, praxassem.

Sinto-me ofendida com a generalização que foi feita da praxe académica. Se vivemos em sociedade, sabemos que não podemos esperar o mesmo de todos os indivíduos que a constituem. Não podemos esperar os mesmos limites nem a mesma educação.

Faz parte da praxe os gritos, as flexões, os "olhos no chão", os jogos, uns mais agradáveis do que outros, é verdade. É fácil? Não. Mas nada na vida o é, e talvez seja outra das características importantes na praxe. Ensina-nos que juntos vamos mais longe do que sozinhos. É o facto de ultrapassarmos todos esses desafios como um grupo que faz nascer a união entre pessoas que não se conhecem de lado nenhum mas que irão ser o apoio, o pilar, uns dos outros nos próximos anos.

Mais uma vez digo: foi graças às praxes que conheci as pessoas mais importantes da minha vida. Foram-no naquela altura e continuam a sê-lo. E digo isto tendo 24 anos, não 18 ou 19 (...).

Ricardo Pereira
Consultor, 25 anos, ex-aluno da Universidade do Porto

Cantar mais alto. Correr mais rápido e longe. Ajudar os colegas

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Entrei na Faculdade [de Economia] em 2007 e fui albarroado pela praxe logo no primeiro dia. Sessão de apresentação aos novos alunos. Parecia importante. Não conhecia nenhum estudante que me pudesse avisar do verdadeiro objectivo daquilo. Fui, inocentemente, preparado com bloco de notas para a eventualidade de precisar de registar alguma informação importante. Até que se começaram a ouvir os gritos e os homens de negro invadiram a sala: 250 pessoas numa sala para 100. Gritavam e mandavam-nos olhar para o chão calados. "Quem não quer estar aqui que saia", diz alguém.

Uns assim o fazem e o resto fica. Foi o início de uma semana incrível que representou o inicio de três anos incríveis de curso sempre com a praxe a acompanhar. Conheci dezenas de pessoas nesses dias iniciais em que éramos "forçados" (as aspas são importantes) a decorar canções, criar actividades, cantar sempre no nível mais elevado, conhecer a cidade, a faculdade e as pessoas.

Éramos um somatório de pessoas e tornámo-nos num grupo. Se fui sempre bem praxado? Não! Mas o todo é muito maior que as partes. Enquanto caloiros, éramos o centro das atenções. Grande parte dos estudantes mais velhos tinham a preocupação de garantir que nos estávamos a divertir. E rapidamente o fim chegou, o fim do ano de caloiro. Com muita energia e envergando as cores da faculdade, gritámos e cantámos até ao fim. Até ao choro ao passar a tribuna. Até aos gritos e mais cânticos depois.

Os dois anos seguintes foram dedicados a garantir que os caloiros eram bem recebidos, que criavam boas amizades mas acima de tudo que aprendiam o conjunto de valores que tanto defendíamos: união, camaradagem, espírito de sacrifício, altruísmo e gosto naquilo que fazemos.

Muitas vezes havia algum caloiro que não estava a perceber bem a dinâmica da actividade, independentemente da razão. Como são todos um grupo, eram todos castigados. E por castigo digo darem uns quantos saltos ou terem de ficar de joelhos no chão. Rapidamente aprendiam que se deviam ajudar e já no final do ano facilmente se notava que o grupo era mais coeso e a entreajuda era notória!

As aprendizagens são para a vida: na vida adulta vamos ter chefes de quem não gostamos (os senhores doutores da vida "real") ou colegas que não suportamos (algum colega caloiro) mas temos de ter a energia para ainda assim sermos melhores e aguentarmos ate ao fim.

Cantar mais alto. Correr mais rápido e longe. Ajudar os colegas. Viver os momentos a 100%. Aproveitar as oportunidades. Mesmo quando estamos cansados. Como somos um grupo, somos apenas tão fortes quanto o nosso elemento mais frágil. Há que continuar até ao fim.

Não digam que a praxe deve ser abolida apenas porque já há alguns cancros espalhados pelo país. A solução é tratar o cancro localmente e garantir que não se expande. Não se matam as células todas.

Fui praxado e praxei. Três anos bem vividos. Estudei e participei em imensas actividades extracurriculares. Acabei o curso com boa média. Liderei equipas, projectos. Já trabalho e estou a tirar mestrado. E se pudesse voltava a repetir a vida praxística toda outra vez (...).

Isabel Teixeira
Estudante, 20 anos, Universidade do Porto

Não há uma definição absoluta de humilhação

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Não existem praxes, mas sim diferentes atitudes e alguns comportamentos imbecis de quem as pratica.

A praxe, ao não ser obrigatória, só vincula aqueles que nela quiserem participar, como em qualquer outra actividade ou integração grupal.

Se há abusos, a culpa não é da praxe mas sim de quem pratica esses mesmos actos: seja a fazer ou a permitir que outros o façam.

Todos temos de ter consciência para medir os riscos de tudo aquilo em que nos envolvemos. Não há uma definição absoluta de humilhação porque quem participa não vê as coisas com os olhos com que os que estão de fora vêem. Não é ter palas ou deixar de ter. É saber distinguir [entre] aquilo que nos magoa e que nos corrompe [e] a dignidade daquilo que não passam de rituais que nos tornam mais unidos e próximos da pessoa que está ao nosso lado.

Há sempre margem para dizer não e, quando esta não existe, a opção de sair está sempre em aberto. Não me venham dizer que os caloiros ou os doutores praxados são os novos escravos porque é pura demagogia. Há sempre livre-arbítrio, pode existir é medo de exclusão, o que é bem diferente. Se pensarmos bem, esse medo é comum a todos os grupos e contextos onde nos inserimos ao longo da nossa vida. Não vejo motivo para tanto alarido.

Por último, devo acrescentar que fui praxista, em tempos, e que saí quando achei que já não queria estar. Foi uma decisão minha. Nunca fui coagida a ficar nem a sair. A praxe tirou-me a vergonha e a timidez e fez com que agora seja mais desenrascada.

Teresa Ferreira
Arquitecta, 43 anos, ex-aluna da Universidade Lusíada de Lisboa

Serviu para me integrar? Não

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Eu fui praxada. Em 1988, na Universidade Lusíada de Lisboa. A universidade existia havia três anos na altura, não percebo de onde vinha a "tradição" neste caso.

Escreveram-me coisas na cara, molharam-me o cabelo, leiloaram-me um sapato (incluiu ter de o ir buscar ao monte onde estavam os sapatos de todos os outros caloiros) e andámos a desfilar pela Rua da Junqueira fora, atados uns ao outros.

Nada de grave, portanto.

Serviu para me integrar? Não, não costumo dar-me com gente que humilha os outros.

Passado 25 anos, ainda conservo amigos da faculdade mas não me lembro de os ver nesse dia, conheci-os nos dias seguintes, durante as aulas. Aulas que não tive no dia da praxe não sei porquê... até porque o que pagávamos não era assim tão pouco. Estranhei na altura os professores não aparecerem nesses primeiros dias, até "parece" que já sabiam o que se passava dentro das instalações da universidade.

(...) Penso que este tipo de comportamento, em "manada", de comissões de praxes ou afins, serve apenas para que as pessoas medíocres se tentem integrar em grupos de seus pares e possam fazer parvoíces, mais ou menos graves, com algum tipo de justificação na sua cabeça e junto de quem os rodeia. Acho mais grave virem reitores, e afins, defender estas práticas. De notar que, como tudo o que implica este tipo de comportamento violento, é notória uma certa predominância masculina, com algumas miúdas que não querem dar parte fraca pelo meio.

Não é por determinado procedimento se fazer há muito tempo de uma certa maneira, a dita "tradição" que há justificação para o perpetuar. Esta coisa do "estou a ser praxado, mas para o ano vingo-me nos outros" parece-me não só triste como injustificável em pessoas que, por estarem numa universidade, deveriam ter um nível intelectual e social um pouco mais elevado.

Pessoalmente e, se calhar, felizmente, a praxe a mim só me serviu para perder dois ou três dias de aulas.

Cláudia Ferreira
Estagiária, 23 anos, ex-aluna da Universidade do Minho

Se fui obrigada a fazer algo que não queria? Claro. Toda a gente é

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No dia 22 de Setembro de 2008, cheguei à cidade de Braga sozinha. Sou natural de uma cidade do distrito, mas Braga era uma cidade que eu pouco conhecia. Entrei em Sociologia, um curso que igualmente desconhecia e ao qual fui parar por acaso. Pretendia ficar por pouco tempo, pois o meu objectivo era Psicologia.

Como a maioria dos meus colegas do 1.º ano, estava numa nova cidade, sem a minha família e sem amigos. Claro que o que queria era fazer novas amizades e aproveitar a vida académica, portanto depois da apresentação do curso juntei-me ao grupo de colegas que seguiam aquelas pessoas vestidas de preto, sempre muito simpáticas e prestáveis. Já tinha ouvido falar da praxe, principalmente de má praxe, mas sempre fui da opinião de que para não gostarmos de algo temos de experimentar primeiro. Assim, juntei-me aos restantes colegas caloiros mas quando chegámos ao local de praxe as caras simpáticas e sorridentes transformaram-se em rostos carrancudos.

Dispostos em fila, escreveram-nos SOC (abreviatura para o curso) na testa, perguntaram-nos o nome, os contactos e as doenças que tínhamos. Escrevemos estas informações num passaporte que trazíamos sempre ao peito, para o caso de outro praxante que não nos conhecesse [nos querer praxar e poder] estar informado.

Depois de alguns minutos de intimidação e destas "burocracias", começaram as perguntas ridículas. Nunca me ri tanto. Mas não podia. Nem olhar em frente era permitido, só podíamos conhecê-los pelos sapatos.

Nesse dia, passou uma folha para inscrições para o jantar de curso, ao qual ninguém foi obrigado a ir. Mais uma vez, como queria integrar-me no meio académico inscrevi-me (...). Rimos, cantámos e sobre a pressão para se aderir ao álcool digo que ali não existiu. Quem quis bebeu, quem não quis não (...).

Mais uma vez, não entrei em Psicologia, mas fiquei feliz. Foi o melhor "não" da minha vida. Foi esse ano que hoje me permite ter os melhores amigos, doutores e colegas, pessoas que levo para a vida. São amizades que fiz em praxe e que, seis anos depois, ainda se mantêm. Se me perguntarem se fui obrigada a fazer algo que não queria? Claro que sim. Toda a gente é, e quem diz o contrário mente. Se me perguntarem se alguma fez fui obrigada a fazer algo em que me sentisse humilhada? Claro que não. Ser obrigada a fazer algo que não queria, que me envergonhasse, como ir para a universidade vestida de pijama ou vestida de homem, foram situações com as quais me ri muito e com as quais saí da minha zona de conforto e que me tornaram mais desinibida.

Situações humilhantes? Vi algumas. Como em todo o lado, temos bons e maus praxantes. O que devemos fazer como caloiros é conseguir dizer não àquilo que ultrapassa os nossos limites, porque só assim um caloiro conseguirá ser bom praxante no futuro (...).

Dois anos depois pude praxar. Claro que queria passar por essa experiência. Claro que queria poder trajar e dar um sentido ao traje. Quando cheguei à universidade para praxar a primeira vez, vi-me naqueles jovens acabados de chegar. Tal como eu, muitos também eram de fora da cidade e queriam integrar-se num mundo novo. Junto com os meus colegas, sentimo-nos mães e pais deles.

(...) É muito injusto se proibirem as praxes em todas as academias, é injusto para tantos como eu, que sempre praxaram para divertir e integrar os novos, ver esta tradição desaparecer. Porque divertir e integrar é sem dúvida o lema de um bom praxante.

Ana Lourenço
Estudante, 19 anos, Universidade do Minho

Vou pedir que baixem as calças, vão perceber que não têm de ter medo

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Sou aluna da Universidade do Minho (UM) e estou a estudar Design de Produto. Este curso abriu no meu ano de caloira (no passado ano lectivo), pelo que não existiam anos superiores no curso.

Quando fui fazer a matrícula, estava algo assustada. O traje académico da UM tem características únicas que fazem com que, principalmente quando é a primeira vez que vemos algo do género, fiquemos "colados" e impõe respeito pela diferença que marca.

(...) A nível de praxe, quem nos fez a boas-vindas à vida académica foram os praxantes de Arquitectura. A primeira semana de praxe tem como objectivo dar a conhecer aos caloiros os seus novos colegas, a sua academia e a sua nova cidade.

Lembro-me de estar assustada, mas algo mudou quando os praxantes nos "obrigaram" a conhecer os restantes caloiros. Organizaram jogos e outras actividades que nos obrigavam a falar e a conviver com os novos colegas. Percebi que não estava, de todo, sozinha. Fiquei entusiasmada. Senti-me livre para ser quem sou e sem medo de o mostrar. Sou uma rapariga tímida e fico embaraçada quando tenho de falar com alguém novo, mas a praxe mudou isso.

(...) Depois começaram as aulas e o stress. A praxe ajudava a desanuviar das entregas, dos exames, etc. Hoje sinto falta (tanta que tento ir assistir à praxe dos caloiros do meu curso). (...) No fim do ano, isto é, na altura do ano em que as praxes acabam, no Enterro da Gata, fiquei triste. Triste não chega para descrever. SAUDADE é bem mais apropriado. Chorei tanto nessas últimas semanas. Chorei quando me ocorreu que o melhor ano da minha vida estava perto do fim, quando trajei pela primeira vez no Velório da Gata, quando passei debaixo da varanda do reitor e durante aqueles jantares de curso em que os caloiros se levantam em agradecimento aos que nos ajudaram a ultrapassar o primeiro ano e brindamos.

(...) No próximo ano, estarei trajada todos os dias das matrículas. Vou pedir aos caloiros que baixem as calças e ficar à espera que eles se sentem. Será aí que vão perceber que não têm de ter medo ou estar assustados, que estamos ali porque sabemos o que estão a passar e que podem contar com a nossa ajuda. Depois, passo a explicar o que devem e não devem fazer (como dizer "não" caso não se sintam à vontade para fazer algo dentro de uma praxe ou o essencial a saber do código de praxe). Na semana de recepção aos caloiros, a comissão de praxe de cada curso terá o objectivo de começar a apresentar os caloiros entre si e criar laços. As restantes praxes do ano servirão para criar memórias, valores e amizades.

Para mim, foi o melhor ano. E tenho a certeza de que qualquer pessoa que tenha tido o prazer de ser caloiro e tenha continuado a fazer parte da praxe até à passagem pela varanda do reitor dirá o mesmo.

Carla Jacinto
Estudante de mestrado, 22 anos, ex-aluna da Universidade de Évora

No segundo dia de praxe, liguei aos meus pais a chorar

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Sim, fui praxada ainda não há muito tempo, há uns cinco anos, em 2009. Entrei para a Universidade de Évora e mudei-me para lá num domingo durante a tarde. Nessa mesma noite, por opção própria, eu e a minha colega de primeiro ano fomos ser praxadas por um terceiro curso, o da nossa colega de casa mais velha. Foi engraçado, levaram-nos a conhecer a cidade, brincaram connosco. No outro dia, quando estava aos portões da universidade, fui abordada por uma rapariga de voz grossa e digamos "feroz" que perguntava pelo meu nome e se era do curso de Relações Internacionais. Disse que sim e dali já não pude avançar mais.

No primeiro dia foi soft. Deram-se a conhecer, quem era quem, quem mandava, como eram os órgãos que regiam a praxe. No entanto, os gritos, as obrigações. Lembro-me de no segundo dia de aulas, e de praxe, ligar aos meus pais a chorar. Mais tarde vim a saber [que] na minha turma não era a única. No entanto, cá estou eu. As praxes tiveram momentos maus, sim, mas também tiveram momentos bons!

(...) Fiz amizades. No entanto, as pessoas que me praxaram intensivamente não ficaram amigas. Ficaram sim de outros colegas de turma — estilos de vida (...). O mais engraçado foi que no meu ano — que em Évora é ao fim da terceira matrícula e não à segunda, como na maioria dos restantes institutos e universidades — não quis praxar. Não praxar com o meu curso. Praxei com outros cursos. No meu entender, as praxes são boas quando se brinca com os caloiros, quando é possível falar, quando há partilha. No entanto, isso não acontecia no meu curso e por isso aliei-me a outros cursos, com que me identificava a praxar.

Não acho que as praxes sejam para ser totalmente banidas, nem totalmente aceites. Simplesmente, deve haver limites. E quando uma pessoa é das "piores" a praxar, acreditem: valores? Poucos ou nenhuns.