Rui Moreira, um autarca no rasto de um Porto em contra-ciclo

Presidente da Câmara visitou algumas empresas de excelência, para falar de uma cidade que tem de ser capaz de atrair investidores da mesma forma que já atrai turistas.

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O edifício do polo de tecnologia do Uptec vai ser inaugurado por Cavaco Silva, a 20 de Junho Rui Farinha/Arquivo

O Porto ainda não tem o seu ranking das melhores empresas onde trabalhar. Mas, se ele existisse, é muito provável que firmas como a Blip, na Baixa, ou a Fraunhofer-Portugal, sedeada nas instalações da Asprela do Pólo de Ciência e tecnologia da Universidade do porto – Uptec, aparecessem nos primeiros lugares. Ambas desenvolvem soluções, informáticas ou tecnológicas, que tem o planeta como mercado, mas atingem as suas metas mostrando uma grande preocupação com o conforto, as condições de trabalho, dos seus “colaboradores”. É um “ecossistema” novo, apostado na inovação, na criatividade, e nas pessoas, que a Câmara do Porto gostaria de ver multiplicado pela cidade.

A Uptec alberga 165 projectos empresariais, entre unidades maduras, de multinacionais e startups como a Healthy Road (seis pessoas), que empregam 1400 pessoas. Como incubadora que é, vê nascer e morrer muitos projectos ao fim de meses, ou poucos anos, como acontece noutros países, mas aqueles que se foram consolidando, como a AdClick, liderada por Cláudio Fernandes (60 colaboradores), dá à Universidade do Porto a certeza de que a aposta feita em 2007 foi mais do que certa. Passados sete anos,  a Uptec prepara-se para uma festa de inauguração, a 20 de Junho, com a presença do Presidente da República. Que ouvirá, nesse dia, os números que definem a ambição desta unidade multipolar, voltada para a informática e tecnologia, as chamadas indústrias criativas, a biotecnologia e as ciências do mar.

Esses números são simples. Até 2020, a Uptec pretende ajudar a criar 350 novas empresas e cinco mil postos de trabalho altamente qualificados. Boa parte da mão-de-obra sairá, como até aqui, da Universidade do Porto, mas o presidente da câmara, que ontem começou na Asprela uma jornada dedicada ao desenvolvimento económico da cidade, espera que estas empresas acabem por atrair também quadros estrangeiros. Como está a acontecer na Fraunhofer, por via da ligação aos 60 centros da sociedade fundada na Alemanha, ou na própria Adclick, cujo desenvolvimento fulgurante, no campo do marketing digital, a colocou nessa batalha pela contratação dos melhores, venham eles de onde vierem.

O retrato desta jornada foi escolhido a dedo, não é representativo do que a cidade é. Quantas empresas, como a Blip, na área do software, mimam os trabalhadores com doces, flores para elas, matraquilhos e consolas de jogos, estimulando a pausa como momento de troca de ideias? Ou quantas, na área dos call center, se preocupam com o conforto dos colaboradores e procuram fazer crescer a taxa de contratos sem termo, recusando o trabalho temporário, como fazem os franceses da Amartis-LC, vizinhos de baixo da anterior, no Domus Trindade?  Poucas ainda, com certeza. Mas Rui Moreira gosta do que viu não tanto porque isso seja uma imagem do que o Porto é, globalmente, mas mais pelo que representa como modelo de futuro para uma cidade ainda marcada pelas cicatrizes da desindustrialização.

O curioso neste roteiro é que uma das empresas, a Amartis-LC, instalou-se no Porto porque da região saíram, na década de 60 milhares de portugueses para França, em fuga de um país pobre e em guerra. Este contact center trabalha para empresas do mercado francês e aproveita como mão-de-obra as capacidades bilingues de muitos “filhos” dessa vaga de emigração. São já 450 os que ali trabalham, junto à estação de metro da Trindade. Brevemente, a empresa contratará mais 200, não olhando a idades. Hoje, meia centena dos seus funcionários têm mais de 45 anos, e na unidade gerida por Carlos Soares acredita-se que o conhecimento da língua e da cultura do cliente com quem se está a falar ao telefone é uma vantagem que deve ser valorizada, mais do que a juventude, na hora de escolher um candidato a este emprego.

Sem impostos para baixar, o autarca do Porto promete usar todos os mecanismos ao alcance da autarquia para fazer dela um facilitador de novos investimentos. Crítico das opções de política nacional e de gestão de fundos comunitários seguidas nos últimos anos, Moreira acredita ainda assim que o Porto tem estado em contra-ciclo, a mudar o seu tecido produtivo, a sair dos escombros do fim das manufacturas e a fazer caminho para uma indústria (de bens ou serviços), apostada no “mindfacturing”. E tem reunido com investidores estrangeiros, explicando-lhes as vantagens competitivas do seu burgo: as competências dos habitantes, a comodidade da cidade, a cena cultural, movida e gastronomia. Brevemente, prometeu, anunciará o resultado de alguns desses contactos.

Quando viu o negócio crescer, Raúl Oliveira chegou a pensar levar a sua IPBrick – especializada em soluções informáticas e de comunicação para empresas – para um pavilhão fora da cidade, até se apaixonar por um prédio de 1850 em Passos Manuel.  Depois de ter recusado – por causa da mulher, confessou – um emprego de 250 mil dólares/ano na Califórnia, o presidente da IPBrick ainda espera vir a pagar esse salário a alguns colaboradores se o volume de negócios continuar a crescer. Para já, uma coisa é certa. Se dantes viaja muito, para reunir com os clientes, agora são eles que vêm ter consigo. E ele desconfia dos motivos: A beleza do edifício histórico em que se instalou, e a atracção que o Porto vem gerando, como destino turístico.  

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