Provedor de Justiça diz que Estado deve assumir estrada "de ninguém" na Caparica

José de Faria Costa entende que deve ser o Estado a pagar pelos danos numa viatura particular causados pelo mau estado do pavimento da Estrada da Fonte da Telha. Câmara de Almada garante que esta não é uma estrada municipal.

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Estrada passa na orla da Mata Nacional dos Medos mas não é considerada uma estrada florestal João Henriques/Arquivo

O provedor de Justiça considera que a Estrada da Fonte da Telha, que liga a Costa da Caparica à Fonte da Telha, concelho de Almada, e que hoje parece ser uma estrada “de ninguém”, pertence ao domínio público rodoviário do Estado. Por isso, José de Faria Costa recomenda ao Estado que assuma a reparação e conservação do pavimento e que se responsabilize pelos danos resultantes dos buracos existentes na via.

A recomendação do provedor, com data de 17 de Agosto, surge na sequência da queixa feita por uma automobilista. A 23 de Junho de 2012, a mulher circulava de carro na Estrada da Fonte da Telha, numa zona conhecida como Descida das Vacas, quando embateu num buraco não sinalizado – a via encontra-se em mau estado de conservação –, acabando por rebentar o pneu.

“Desde então percorreu um penoso itinerário de conflitos negativos acerca da jurisdição sobre aquela via de comunicação e acerca do dever de providenciar pela sua adequada conservação”, escreve Faria Costa. Todas as entidades, municipais e estatais, que poderiam ter alguma responsabilidade sobre a estrada declinaram esse ónus.

Em resposta ao provedor, a Câmara de Almada garantiu que a via “não integra nem nunca integrou” a rede de estradas e caminhos municipais e esclarece que colocou sinalização rodoviária no local apenas para “conter os riscos que a intensa circulação automóvel comporta para a segurança rodoviária”. “Fizeram-no simplesmente porque nenhuma autoridade pública se dispôs a fazê-lo”, resume Faria Costa.

Tanto o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), como a anterior concessionária EP - Estradas de Portugal (actual Infraestruturas de Portugal), a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes argumentam que a estrada não consta da Rede Rodoviária Nacional e que, por isso, está sob jurisdição do município de Almada.

Porém, numa análise à legislação sobre a classificação das estradas, o provedor conclui que "o facto de certa estrada não se encontrar no Plano Rodoviário Nacional não significa encontrar-se automaticamente excluída do domínio público rodoviário do Estado". Pelo contrário, o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n. 2110, de 19 de Agosto de 1961, prevê que a rede viária de cada concelho deve ser definida "por atribuição". Faria Costa diz que a Estrada da Fonte da Telha não se encontra em nenhum dos diplomas que fazem o levantamento das estradas e caminhos municipais.

"Não se provou que [a Estrada da Fonte da Telha] tenha sido construída pelo município de Almada nem que tenha sido transferida convencionalmente pelo Estado para o domínio público municipal", afirma, admitindo que aquela via estreita pode ter sido construída no período pós-25 de Abril, eventualmente por organizações populares com o apoio das Forças Armadas. Além disso, o terreno que a estrada atravessa está inscrito na matriz predial em nome do Estado.

Esta via, utilizada com grande intensidade no Verão para acesso às praias e por serviços regulares de transporte colectivo de passageiros, faz a ligação entre a Costa da Caparica e as povoações de Vale Cavala, Marisol, Fonte da Telha e Aroeira e acaba por convergir com a Estrada Nacional 377. Embora se encontre na orla da Mata Nacional dos Medos, o ICNF garante que a Estrada da Fonte da Telha está fora do regime florestal e que, por se encontrar descrita no Plano Director Municipal (PDM) de Almada como via municipal secundária, a respectiva conservação "é da incumbência do município".

A câmara liderada por Joaquim Judas (CDU) refuta esta qualificação, argumentando que a via em causa não integra o PDM.

"Concluiu-se que, por se tratar de uma verdadeira estrada, pelas suas características – e não de um simples caminho – tem de se presumir que pertence ao Estado, como aliás sucede, em regra, com os imóveis sem dono conhecido", afirma Faria Costa, sublinhando que uma estrada pública não pode ser "de ninguém".

Por tudo isto, José de Faria Costa recomenda à ministra de Estado e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, responsável pela gestão do património estatal, que pague os danos patrimoniais no automóvel, atribuídos pela proprietária "à exígua ou nula conservação" da estrada. "Por imperativos de segurança, deve a referida estrada ser objecto de beneficiação" e deve ser reconhecia como domínio público do Estado, sem prejuízo de vir a ser confiada a sua gestão a outra entidade, acrescenta o provedor.

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