Plano para Campolide salvo pela abstenção do CDS e por uma divisão entre os Cidadãos por Lisboa

A votação do Plano do Eixo Urbano Luz Benfica foi adiada por imposição da mesa da assembleia municipal, para permitir a correcção de “erros materiais”.

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Surgimento de prédios de oito pisos junto ao Estabelecimento Prisional de Lisboa gerou polémica Gonçalo Santos

A apreciação pela Assembleia Municipal de Lisboa da alteração ao Plano de Pormenor do Eixo Urbano Luz Benfica prometia, mas afinal foi em torno de um outro plano, respeitante a Campolide, que a discussão foi mais acesa. O chumbo da proposta do executivo camarário, algo que seria inédito neste mandato, só foi evitado pela abstenção do CDS e por uma divisão entre os seis deputados dos Cidadãos por Lisboa.

Foi aliás de um desses deputados independentes, o ex-vereador Fernando Nunes da Silva, que veio uma das intervenções mais críticas ao Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana do Campus de Campolide. O autarca condenou o facto de se prever o surgimento de vários edifícios com oito pisos junto ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, que se encontra classificado como Monumento de Interesse Público, acrescentando que está em causa um problema que “não é técnico, é político”.

Nunes da Silva lamentou que a viabilização dessas construções tenha sido a forma encontrada para compensar a Estamo, imobiliária de capitais exclusivamente públicos, pela cedência ao município do estabelecimento prisional, na Rua Marquês de Fronteira. O deputado defendeu que uma outra solução teria sido possível, já que o Plano Director Municipal “prevê a possibilidade de transferência de edificabilidade” para outros terrenos da cidade.

Mas as críticas ao plano, e à edificabilidade nele prevista, foram partilhadas por praticamente todas as forças políticas. Pelo PCP, Modesto Navarro afirmou que a “edificação elevada” levanta “questões graves” e apelou à câmara para que ponderasse a “reavaliação” do documento.

É aliás isso que se propõe no parecer da Comissão de Urbanismo, no qual se lembra a existência de dois outros edifícios classificados nesta área (um deles é o Palácio de Justiça) e se diz não haver vantagem “em substituir os muros da actual penitenciária por uma outra barreira contínua ainda mais elevada, constituída por uma cércea de seis e oito pisos”.

Com isso, diz-se, esse edifício “desaparece e perde significado”, havendo também impactos negativos para o Palácio da Justiça, que “deixa de ter espaço para respirar e fica desvalorizado”. Apesar de este parecer ter merecido, em sede de comissão, o voto favorável do PS, na reunião desta quinta-feira da assembleia municipal o partido optou por fazer essencialmente a defesa da proposta da câmara.

“A volumetria não é assim tão desconfigurada face às imediações. Não estamos ali a projectar arranha-céus”, afirmou João Pinheiro. O deputado socialista sublinhou os benefícios que o plano vai trazer, nomeadamente para a Universidade Nova de Lisboa, que pretende deslocalizar para Campolide a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, que está hoje na Avenida de Berna.

Menos categórico na defesa da proposta foi o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, eleito pelo PS. André Couto lembrou que ao longo da discussão do plano “a câmara foi fazendo algumas cedências”, nomeadamente reduzindo a edificabilidade em torno da Igreja de Santo António, e afirmou que “esta solução é melhor do que ficar tudo na mesma”, apesar de não ser “a ideal”.

Já o PSD considerou que o documento em apreciação foi feito “em ruptura com toda a envolvente”. “Olho para este plano e só vejo costuras. Costuras com quelóides”, disse Margarida Saavedra, que não tem dúvidas de que quando ele se concretizar esta zona de Lisboa ficará transformada numa "manta de retalhos”.

A deputada municipal acusou ainda a câmara de estar a usar a Universidade Nova de Lisboa como “capa” para aquilo que “domina esta operação”: a “especulação imobiliária” que é permitida à Estamo. "Os interesses de Lisboa não estão a ser defendidos”, concluiu Margarida Saavedra.

Já o vereador Manuel Salgado considerou que “o plano rematou bem com a envolvente” e disse não lhe parecer que haja “um exagero de ocupação”. O autarca com o pelouro do Urbanismo sublinhou ainda a necessidade de se conseguir “um equilíbrio” e explicou que para os novos edifícios não serem mais altos do que a penitenciária seria preciso retirar-lhes 50% da área da construção prevista.

No fim daquela que foi uma acalorada discussão, o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana do Campus de Campolide, que teve os votos contra do PSD, PCP, BE, PEV, MPT, PAN, só foi aprovado porque os dois eleitos do CDS se abstiveram (como o partido já tinha feito quando esta matéria foi discutida na câmara) e porque os outros deputados independentes dos Cidadãos por Lisboa não acompanharam o voto desfavorável de Nunes da Silva. Quatro abstiveram-se e Helena Roseta, que presidente à assembleia municipal, votou a favor.

Em declarações ao PÚBLICO, a autarca explicou que o fez porque este plano permite que a penitenciária passe a ser propriedade da câmara, o que constitui “uma garantia de que não será transformada num hotel ou condomínio de luxo”. Quanto às críticas feitas aos edifícios de oito pisos, a arquitecta diz que isso não a “choca”. “Não acho que seja excessivo, a troco do que se ganha”, concluiu.

A votação do Plano de Pormenor do Eixo Urbano Luz Benfica foi adiada, por imposição da mesa da assembleia para que, segundo explicou a sua presidente, fossem corrigidos “erros materiais” detectados na proposta da autoria da câmara.

Manuel Salgado explicou que esses erros diziam essencialmente respeito ao facto de em diferentes documentos nem sempre serem atribuídos os mesmos usos futuros ao terreno no qual está instalado um quartel de bombeiros e que o município quer alienar. Ao PÚBLICO, o autarca reconheceu que a menção em vários documento a uma “extensão do Hospital da Luz” para esse terreno foi outro dos elementos que se verificou ser necessário corrigir.

O vereador acrescentou que os proprietários desse hospital “manifestaram junto do presidente da câmara a intenção de ampliar” as suas instalações, o que, diz, se entendeu ser possível de “conjugar” com uma reorganização do dispositivo dos bombeiros que, segundo diz, o município vem estudando desde 2010 e foi alvo de uma proposta camarária aprovada em meados de 2013.

Manuel Salgado adiantou que aquilo que está previsto é que a Sala de Operações Conjuntas do Município (SALOC) seja transferida para Monsanto, para o antigo Restaurante Panorâmico de Monsanto, e que o Museu do Regimento de Sapadores Bombeiros (que “tem 250 visitantes por mês”) seja “integrado no Museu da Cidade”. O vereador disse ainda que um novo posto avançado dos bombeiros deverá surgir na zona abrangida pelo Plano de Pormenor do Eixo Urbano Luz Benfica numa de várias localizações possíveis que estão a ser estudadas. “Iremos para a solução que for mais eficiente e mais barata”, rematou.   

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