Ovar recorre à “pressão dialogante” para que zona lagunar recupere a dignidade

A despoluição da Barrinha de Esmoriz é uma promessa de décadas. Salvador Malheiro, estreante na presidência da Câmara de Ovar, eleito pelo PSD, também o prometeu. Diz ter agora garantias que o desassoreamento começa e acaba em 2015.

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Marco Maurício/Arquivo

Em 1999, já se falava no desassoreamento da Barrinha de Esmoriz, a maior bacia lagunar do Norte do país instalada entre dois concelhos – Ovar e Espinho –, integrada na Rede Natura 2000, alimentada por águas de duas ribeiras. Em Novembro de 2003, era considerada área crítica de recuperação ambiental numa reunião do Conselho de Ministros. Nessa altura, declarou-se o interesse público das intervenções destinadas a eliminar a poluição. Fizeram-se estudos de impacto ambiental, desenharam-se projectos, alguns conseguiram sair do papel. Muitas promessas depois, várias intervenções pelo caminho, a despoluição definitiva desta zona lagunar, a escassos metros do mar, continua por concretizar.

Na última campanha eleitoral, o candidato do PSD colocou a Barrinha de Esmoriz como uma das bandeiras do seu programa – definiu-a como uma das 16 acções prioritárias para a cidade. O então vereador “laranja”, sem pelouro, prometia falar com as pessoas certas para evitar a tentação do assunto cair no esquecimento. Salvador Malheiro ganhou as eleições, o PSD voltou ao poder em Ovar 20 anos depois, e tratou de fazer os contactos prometidos. Falou com o secretário de Estado do Ambiente, com a presidente do conselho de administração da Polis da Ria e nas reuniões da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro colocou o assunto em cima da mesa. Antes das eleições, o processo para a despoluição da barrinha já estava em andamento, mas o agora autarca social-democrata tem usado a estratégia da “pressão com diálogo” para evitar que a areia volte a entrar na engrenagem.

“Tenho agora a confirmação que a Barrinha de Esmoriz está na calha”, afirmou há alguns dias ao PÚBLICO. Ou seja, a indicação é que o projecto assumido pela Sociedade Polis da Ria de Aveiro, que já existia antes das autárquicas, arrancará e ficará concluído em 2015, para não perder os fundos comunitários desse investimento global de cerca de 1,7 milhões de euros. No papel, está então o desassoreamento da barrinha, a colocação de passadiços e zonas para passear, andar de bicicleta, correr à volta da zona lagunar, a construção de uma ponte que ligará o lado Norte ao lado Sul, instalação de equipamentos de apoio, como um quiosque e um café. E ainda a reabilitação do dique-fusível, o mecanismo que permite as descargas controladas da barrinha ao mar, e que ficou destruído com os temporais deste Inverno. O estudo prévio está feito, o estudo de impacto ambiental está em consulta pública.
A praia de Esmoriz já perdeu a bandeira azul por causa da barrinha. Salvador Malheiro prefere prevenir do que remediar e, na preparação da próxima época balnear, vai erguer uma espécie de barreira de areia entre a barrinha e o mar. “O dique-fusível foi completamente destruído pela intempérie, temos de controlar as descargas da barrinha para o mar, porque pode estar em causa a nossa bandeira azul”, explica. A Câmara promete agora, “a expensas próprias”, uma movimentação de areias “para impedir que haja descargas na época balnear, para que isso não aconteça com a praia cheia”, revela.

O presidente da Câmara de Ovar sabe que o projecto da Polis da Ria limpará o que lá existe, mas dificilmente conseguirá evitar os focos de poluição que foram diminuindo ao longo dos últimos anos. Os dedos chegaram a estar todos apontados ao concelho de Santa Maria da Feira que, com a rede de saneamento por concluir, era referido como o principal poluidor da barrinha. “A situação hoje é claramente melhor. Há poucas fontes poluidoras, mas não estão todas eliminadas. Há gente que não está ligada à rede de saneamento”, lembra. E, pela primeira vez, a Câmara de Ovar vai abrir um concurso para monitorizar e limpar as linhas de água do concelho.
Salvador Malheiro acredita que é possível a zona lagunar recuperar algum do brilho do passado e que esse habitat, que serve de ninho a algumas aves raras, ganhe projecção. “Pode ser um sítio com imensa dignidade, um sítio de atracção de muita gente. Tem um enorme potencial de turismo ambiental”, acrescenta.

Poluição que se mastiga
Na era do socialista António Guterres, como primeiro-ministro, a despoluição da área lagunar com vista para o mar entrou no discurso político de forma mais regular. Elaboraram-se projectos para evitar que a língua de água entre a barrinha e o Atlântico fosse engolida e que as águas poluídas e não tratadas poluíssem o oceano – o que, no entanto, aconteceu diversas vezes. Colocaram-se almofadas gigantes de areia para impedir a abertura da barrinha ao mar sem qualquer controlo, investiu-se num dique-fusível que ora ia funcionando, ora deixava de cumprir a sua função. A praia de Esmoriz chegou a perder a bandeira azul, símbolo de qualidade, e os veraneantes habituaram-se a ver a bandeira vermelha hasteada em dias de mar calmo. Esse vermelho inusitado era sinal que havia nova descarga da barrinha para o mar. Os maus cheiros não desmentiam.

O antigo presidente da Junta de Freguesia de Esmoriz, Alcides Alves, repetia a mesma frase quando os jornalistas o contactavam sobre mais uma descarga da barrinha para o mar: “A poluição da barrinha não se sente, mastiga-se”. O actual presidente da autarquia esmorizense, António Bebiano, farto de promessas e de “cheques gigantes” sem resultados práticos, chegou a ponderar accionar judicialmente o Estado junto das instâncias europeias para que alguma coisa fosse efectivamente feita na barrinha. E o anterior presidente da câmara, o socialista Manuel Oliveira, também não largava o pé do Governo por causa do assunto. Vários milhões de euros foram gastos em intervenções espaçadas no tempo e a barrinha continua poluída.

Outras promessas
Tomou posse a 12 de Outubro de 2013
Promessas mais destacadas: Baixar impostos, estrear o orçamento participativo, começar a obra do bairro social de Esmoriz, aproveitar energias renováveis.
O que fez: Baixou o IMI em 2,5% no regime geral e em 5% para todos os prédios de actividade industrial, comercial e de serviços. Isentou de Derrama as empresas que criaram mais de 10 postos de trabalho. Na última terça-feira, promoveu a primeira sessão de esclarecimento do orçamento participativo, que terá uma verba de 100 mil euros para transformar ideias da população em projectos. Num investimento de dois milhões de euros, através do orçamento municipal, lançou a primeira pedra da habitação social em Esmoriz: 30 apartamentos que permitirão realojar moradores que vivem junto ao mar. A obra deverá estar concluída em Março de 2015. Neste momento, está a ser construída uma central fotovoltaica, que será inaugurada em Maio, para produzir electricidade a partir da energia solar. A estrutura, investimento de três milhões de euros, evitará a emissão de cerca de 700 toneladas de CO2 por ano e terá uma produção anual de energia eléctrica renovável de três gigawatts-hora. Aumentou em 30% a transferência de verbas para as cinco juntas de freguesia do município. Terminou a Ecopista do Atlântico, obra iniciada no mandato anterior, uma ciclovia que liga Esmoriz ao Furadouro numa extensão de cerca de dez quilómetros.

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