Municípios apostam em múltiplas providências cautelares para travar privatização da Valorsul

"O Estado agiu mal e é merecedor de censura por parte dos municípios", afirmou António Costa, enquanto Bernardino Soares frisou a "pouco vulgar convergência" entre diferentes partidos alcançada neste processo.

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Sessão juntou presidentes das câmaras de Loures (PCP), Lisboa (PS) e Cadaval (PSD) Nuno Ferreira Santos

O presidente da Câmara de Loures promoveu esta quinta-feira uma sessão pública que demonstrou “uma pouco vulgar convergência”: à mesma mesa, unidos contra a privatização da Valorsul, sentaram-se autarcas do PSD, PS, PCP e um sindicalista. A próxima arma deste combate para travar o plano do Governo será, prometem, o recurso à justiça, através da interposição de múltiplas providências cautelares.

Nesta sessão marcaram presença 13 dos 19 municípios, da Área Metropolitana de Lisboa e da Região Oeste, servidos pela Valorsul. As intervenções estiveram a cargo dos presidentes das câmaras de Loures (PCP), Lisboa (PS) e Cadaval (PSD) e do sindicalista Mário Matos.

Mas na plateia foram também várias as vozes, de trabalhadores e não só, de protesto contra a passagem da empresa para a esfera privada e de alerta para as consequências negativas que daí podem advir. Entre elas um aumento de tarifas que todos os presentes consideraram inevitável num futuro mais ou menos próximo se a anunciada privatização da Empresa Geral do Fomento, que detém mais de 55% do capital da Valorsul, for avante. 

“Há aqui uma pouco vulgar convergência de presidentes de câmara de várias maiorias e de trabalhadores”, observou Bernardino Soares no final da sessão, sublinhando a necessidade de se travar um processo que considera ser “penalizador no aspecto ambiental, social e económico”. “Os municípios não podem ser espoliados desta maneira de um direito que é seu”, afirmou o autarca de Loures.

O próximo passo, adiantou, será pedir ao ministro do Ambiente uma reunião urgente com aqueles que são, lembrou, os accionistas da Valorsul, de cujo capital os municípios detêm cerca de 46%. Depois disso, antecipou Bernardino Soares, “cada município terá as suas armas, meios jurídicos e políticos ao seu alcance para tentar travar este processo”.  

Já a ser preparada por várias autarquias, incluindo pela de Loures, está a entrega de providências cautelares, que poderá avançar nos próximos dias, assim que o Governo concretizar actos administrativos que possam fundamentar essas acções judiciais. Bernardino Soares explica que é por estratégia e não por falta de acordo que os municípios vão avançar isoladamente e não em bloco: “Temos mais hipótese de sucesso se actuarmos cada um por si, é mais vantajoso diversificarmos as iniciativas”, constatou.

Por sua vez, o presidente da Câmara de Lisboa lembrou que a oposição aos planos do Governo é partilhada não só pelas 19 câmaras servidas pela Valorsul, mas pela Associação Nacional de Municípios. António Costa foi muito crítico da actuação do Governo neste processo, considerando mesmo que este teve “uma inaceitável comportamento” para com aqueles que são seus sócios há 20 anos.

“O Estado agiu mal e é merecedor de censura por parte dos municípios”, disse o autarca socialista, lamentando a “falta de diálogo” mas também o facto de lhes ter sido vedada a hipótese de adquirirem as acções da Valorsul que vão ser alienadas pelo Governo. “O desenho de todo o processo visa excluir os municípios”, concluiu, considerando tudo isto “rebuscado”.

O presidente da Câmara de Lisboa, que detém 17,85% do capital da empresa responsável pela valorização e tratamento de resíduos sólidos, alertou ainda para os riscos que a intenção do Governo comporta. Entre eles o de deixar de ser feito o investimento necessário na manutenção do sistema e o de haver aumentos tarifários. Hoje, sublinhou, os 19 municípios em causa pagam 20 euros pelo tratamento de cada tonelada de lixo, tarifa que “se não é a mais baixa do país é uma das mais baixas”.

Tanto António Costa como o presidente da Câmara do Cadaval, José Nunes, sublinharam ainda que, com a entrega a privados de uma posição maioritária na Valorsul nada garante que estes não venham a fazer aumentos de capital que as autarquias não serão capazes de acompanhar e que as deixarão numa posição cada vez mais minoritárias.    

“Não estão salvaguardados os interesses dos municípios”, resumiu o autarca social-democrata. José Nunes critica a indefinição de regras, nomeadamente sobre as tarifas a praticar no futuro, e lembra que os municípios são hoje accionistas mas também fornecedores dos resíduos sólidos. “Essa relação não há-de ser fácil de regular com terceiros. Vão surgir conflitos de interesses muito difíceis de resolver”, antecipou o presidente da Câmara do Cadaval.

Entre segunda e quinta-feira, os trabalhadores da Valorsul vão estar em greve. O presidente da Câmara de Loures já anunciou que durante esse período "não haverá recolha de lixo porque não há onde o depositar". 

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