Mini-hídrica acusada de ameaçar os socalcos históricos do Sistelo foi chumbada

Promotores não percebem como é que o mesmo projecto foi aprovado em 2006 e é agora reprovado. Câmara de Arcos de Valdevez congratula-se com a decisão do Governo.

Foto
A população moldou o relevo para tornar as terras produtivas Nelson Garrido

O secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, deu um parecer desfavorável à construção de uma central mini-hídrica no rio Vez, abrangendo os concelhos de Arcos de Valdevez e Monção. A decisão baseia-se na convicção da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) de que “os impactes negativos decorrentes da implantação do projecto ultrapassam em muito os impactes positivos”. Mas os promotores não vão desistir.

Após a análise de mais de 100 pareceres de cidadãos, autarcas, associações ambientalistas e outras entidades, a APA sustenta que a "forte contestação" ao Aproveitamento Hidro-eléctrico de Sistelo, um projecto de 20 milhões de euros para a instalação de 10MW, é "corroborada pelo facto de não terem sido identificadas (...) mais-valias significativas que justificassem os impactes negativos relevantes, significativos e irreversíveis" que a central iria causar. Na Declaração de Impacte Ambiental (DIA), a APA conclui que "os impactes negativos mais significativos", nomeadamente em habitats e espécies de fauna e flora protegidas, e também na "paisagem cultural" e no turismo, "não são passíveis de minimização".

O projecto, proposto pela Hidrocentrais Reunidas, uma empresa com sede em Lisboa, mas que, desde 1991, está ligada ao grupo internacional RP Global, já tem mais de 20 anos mas o protesto da população, da Câmara de Arcos de Valdevez e dos ambientalistas adensou-se nos últimos tempos. Os contestatários, que se têm desdobrado em manifestações, caminhadas de protesto, campanhas de informação nas redes sociais e até uma petição online com mais de 5000 subscritores, alegam que a construção vai mudar para sempre a paisagem da aldeia de Sistelo, onde moram 300 pessoas, inserida na zona de Reserva da Biosfera Transfronteiriça do Gerês-Xurês, na Zona de Protecção Especial da Serra do Gerês e no Sítio de Importância Comunitária do Peneda Gerês.

A população local, muito dependente da agricultura, teme os impactos deste aproveitamento hidroelétrico sobre a rega, as consequências da circulação de máquinas e camiões nos caminhos lajeados da aldeia, a possibilidade de poluição do rio (considerado um dos mais limpos da Europa) e o impacto no turismo - o Sistelo tem sido divulgado como "o pequeno Tibete português" devido aos seus socalcos, exemplo da forma como as populações, durante séculos, ultrapassaram as difíceis condições orográficas para tornarem estas terras produtivas, irrigando-as através de levadas. Esta relação do homem com a montanha e o rio levou, em 2009, a que fosse proposta a sua classificação como Paisagem Cultural Evolutiva Viva. Mas os promotores dizem não compreender estes receios.

"A central mini-hídrica não vai retirar água a ninguém nem estragar a paisagem. Não é mais do que um açude que mal fica fora de água, que não turbina no Verão até porque temos que deixar o caudal ecológico, só turbina o excesso de água no Inverno", argumenta Jorge Viegas, da RP Global. Este responsável, que pediu uma reunião com Paulo Lemos para contestar o parecer desfavorável, considera que este desfecho se deve apenas à "contestação política" ao projecto na Câmara de Arcos de Valdevez (PSD). Esta, numa nota publicada na terça-feira, congratula-se com a decisão do Governo.

"Nós tivemos tudo negociado com a junta de freguesia [de Sistelo] e com o presidente da câmara, a quem apertei a mão. Íamos dar como contrapartida pela construção da central a comparticipação da construção de um centro de dia para aquela população", diz Jorge Viegas. "Mas depois houve contestação política dentro da câmara, o que a levou a recuar nos acordos que tinha connosco", acrescenta.

A RP Global não entende como é que o mesmo projecto obteve uma DIA favorável condicionada em 2006 e é reprovado em 2015, "apesar de ter melhorado do ponto de vista ambiental e sem que se tivessem verificado alterações legislativas". A DIA emitida em 2006 caducou sem que o projecto avançasse, devido à acção judicial interposta pela Câmara de Arcos de Valdevez contra o Ministério do Ambiente. O juíz do Tribunal Administrativo de Braga deu razão ao ministério mas, com a DIA caducada, a empresa teve de reiniciar o processo.

"Não vamos desistir, porque o país precisa de boa energia", afirma Jorge Viegas, sublinhando também que a empresa já investiu muito dinheiro neste projecto, sobretudo em estudos de impacto ambiental. Uma vez que o parecer desfavorável não pode ser contestado, a RP Global tentará reformular e subdimensionar o projecto, de forma a que a central fique localizada apenas no concelho de Monção, que "nunca levantou problemas". O investimento será menor, bem como a quantidade de energia gerada (estava prevista a produção de 24,7 GWh anuais de energia).

 

 


 

Sugerir correcção
Comentar