Jornal de Ílhavo está a ser salvo com quadros e música

Artistas plásticos vão doar obras para um leilão que quer evitar que mais um título regional desapareça. Os músicos também já deram o seu contributo.

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O Ilhavense tem uma tiragem de cerda de 9 mil exemplares Adriano Miranda

Até há pouco tempo era esta a ameaça que pairava em torno do título O Ilhavense, fundado em 1921, mas a sociedade civil uniu-se para dar um novo fôlego ao único jornal informativo do concelho de Ílhavo. Uma das preciosas ajudas veio do outro lado do Atlântico, através da comunidade de emigrantes radicados em New Bedford (nos Estados Unidos da América), mas, em Ílhavo, também estão a ser organizadas iniciativas para salvar o jornal. Vários artistas plásticos estão já a preparar obras de arte para virem a ser leiloadas - num acto público que deverá ocorrer no próximo mês de Junho –, com vista a angariar receitas para o periódico.   

A ideia partiu de um conhecido marchand de arte da região de Aveiro, José Sacramento. Sendo natural e residente em Ílhavo, ficou sensível à possibilidade de ver o jornal da sua terra fechar. “O director desabafou comigo e eu garanti-lhe que ia ajudar o jornal a chegar, pelo menos, até aos 100 anos”, relatou José Sacramento ao PÚBLICO. Dada a experiência que já tinha na organização de outros leilões de arte solidários, e através dos quais ajudou a formar cerca de cinco dezenas de jovens (ver caixa), José Sacramento arregaçou as mangas e decidiu começar a valer-se dos seus contactos na área das artes plásticas. “Escrevi a vários pintores e escultores meus conhecidos e há já respostas positivas, promessas, que começam a chegar”, relatou o marchand.

A lista de obras a leiloar ainda não está completa, mas a esta altura está já mais do que confirmada a doação de uma peça ou tela por parte de cada um dos alunos da Academia de Belas Artes de Ílhavo – um atelier que se dedica ao ensino de artes plásticas. “Mas tenho a certeza que também vamos ter obras de artistas que não são daqui, alguns até reconhecidos a nível nacional e internacional. Está a gerar-se uma onda de solidariedade extraordinária”, garantiu José Sacramento.

Colocar as contas em dia
Quem agradece esta e outras ajudas que têm chegado é o director do jornal de Ílhavo, Torrão Sacramento – apesar de ter o mesmo sobrenome do galerista, não são familiares -, que diz começar, agora, a respirar de alívio e a pensar em mais uns anos de edições regulares do seu periódico. “Numa festa promovida pela Associação Humanitária Os Amigos de Ílhavo, em New Bedford, foram já angariados 5.000 dólares”, destacou Torrão Sacramento, sem deixar de evidenciar também que, com o apoio de vários músicos e artistas ilhavenses, foi, recentemente, promovido um sarau musical no Centro Cultural de Ílhavo.

“Chegámos a correr o risco de fechar, mas com estas ajudas, conseguimos colocar as nossas contas correntes em dívida”, agradeceu o director da publicação trimensal, que tem uma tiragem média de 9.000 exemplares por mês – cerca de 3.000 por edição – e que chega também às comunidades ilhavenses espalhadas pelo mundo, com principal destaque para os Estados Unidos da América, França, Holanda e Bélgica – a cada edição são cerca de 600 os exemplares que seguem para o estrangeiro.

“A machadada inicial foi a redução no porte pago, que passou a ser de 40 por cento”, introduz o director do jornal O Ilhavense, a propósito da sequência de infortúnios que colocaram a publicação em risco. “Depois, com a crise, as receitas da publicidade também baixaram muito e, como se isso não bastasse, ainda tivemos um problema nas relações institucionais com a câmara de Ílhavo, durante a gestão de Ribau Esteves”, acrescentou Torrão Sacramento, ao mesmo tempo que adiantava que esta última questão já foi ultrapassada, com a entrada de um novo presidente para a autarquia (Fernando Caçoilo). 

O orgulho de ajudar quase 50 jovens a formarem-se
 Foi no final da década de 90 do século passado que o galerista José Sacramento lançou um projecto ao qual se refere como sendo “uma das coisas de que mais se orgulha” na sua vida. A cada Verão, reunia dezenas de artistas plásticos no relvado da praia da Costa Nova, em Ílhavo, para um convívio ao qual chamou de “Sardinhada do Artista”.

Pintores, escultores e fotógrafos eram chamados a participar num animado repasto, no qual acabavam sempre por ser também convidados a desenvolver uma obra de arte, ao vivo e sob o olhar atento do público. O conjunto de peças elaboradas na sardinhada eram, depois, levadas a leilão, cujas receitas revertiam para bolsas de estudo para estudantes carenciados que quisessem seguir a área de artes plásticas - mesmo que não pudessem participar no convívio, muito artistas, assim como galeristas, não deixavam de doar obras para o leilão anual.

“Foram umas dezenas de jovens que ajudámos a tirarem o seu curso. Alguns deles não o teriam conseguido concluir sem o nosso apoio”, avalia José Sacramento, a propósito da iniciativa idealizada por si e que envolveu também o Rotary Club de Ílhavo.

Michael Barret, Carlos Lança, Seixas Peixoto, Mário silva, Maria João Franco, Xico Lucena, foram apenas alguns dos muitos artistas que participaram na iniciativa e doaram obras suas para leilão. De acordo com uma publicação do Rotary Club de Ílhavo, entre 1997 e 2002, foram apoiados um total de 49 bolseiros.

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