Família carenciada vai tomar conta da villa romana de Pisões sem contrato nem salário

Direcção Regional de Cultura reconhece que a solução encontrada para garantir a vigilância e a limpeza não é a ideal.

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Estação arqueológica está fechada ao público há quase um ano António Carrapato

Uma família constituída por mãe e filho aceitou o convite feito pela Câmara de Beja, com a anuência da Direcção Regional da Cultura do Alentejo (DRCA) e da Universidade de Évora (UE), para garantir a vigilância e a limpeza da estação arqueológica de Pisões. O acordo estabelecido entre as partes não contempla a celebração de contrato de trabalho nem o pagamento de qualquer retribuição pecuniária.

A utilização graciosa da antiga casa do guarda da estação ferroviária localizada junto à villa de Pisões é a única compensação que a família receberá pela tarefa que vai desempenhar. Neste momento, decorrem trabalhos de beneficiação do edifício, depois de a autarquia ter celebrado um acordo de comodato com a Refer, proprietária do espaço, para que a família se possa ali instalar. O director de Serviços de Bens Culturais da DRCA, António Carlos Silva, em declarações ao PÚBLICO, confirma que os dois elementos da família escolhida não são funcionários da DRCA, nem da autarquia, "nem vai ser feito contrato de trabalho".

Os vereadores da CDU no executivo municipal de Beja criticam esta solução, que interpretam como recurso "à exploração de mão-de-obra barata" quando "devia ser garantida a contratação de pessoal especializado". Consideram que esta solução "não resolve o problema" por atribuir "demasiadas responsabilidades e tarefas" a uma família a troco de habitação. A maioria PS que lidera a câmara, por seu lado, alega que não tem "qualquer responsabilidade directa" sobre a estação arqueológica, acrescentando que acordou com a DRCA e a UE (proprietária do terreno) uma solução para "continuar a ser um parceiro activo" na salvaguarda do património arqueológico da villa de Pisões, e que exige ao Governo que "assuma as suas responsabilidades".

Do ponto de vista legal, a DRCA não tem "qualquer margem de manobra", nem sequer pode solucionar o problema recorrendo ao centro de emprego, assegura Carlos Silva, frisando que "as ruínas de Pisões estão no limbo", pois "é um bem patrimonial que não pertence ao Estado nem à autarquia", mas está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1970.

Condicionada na sua capacidade de intervenção, a DRCA recorreu sempre a "soluções precárias" para preservar a estação arqueológica que, por esse facto, teve "sempre problemas de conservação" desde que foi descoberta em 1967, precisa o director de serviços. Carlos Silva adianta que ficou surpreendido quando soube, recentemente, que a parcela de terreno onde se encontra Pisões pertence à Universidade.

A DRCA não tem na sua posse quaisquer documentos que o comprovem, mas o vice-reitor da UE, Manuel D"Orey Cancela D"Abreu, explicou ao PÚBLICO que a instituição recebeu lotes de terreno da herdade de Almocreva, que tinham sido expropriados no âmbito da Reforma Agrária, e que lhe foram "cedidos para ensino e demonstração". Sucede que a herdade, por dívidas associadas aos proprietários originais, foi penhorada e a UE foi forçada a reclamar a parcela em tribunal. Cancela D"Abreu diz já o ter feito por três vezes e que o juiz determinou a retirada das parcelas cedidas à UE da execução da penhora.

De acordo com o vice-reitor, logo que este contencioso seja ultrapassado, a UE apresentará candidaturas aos fundos do QREN para recuperar a estação arqueológica e, ao mesmo tempo, prosseguir com as escavações e a interpretação da villa romana de Pisões, que está encerrada ao público, e sem guarda, desde Abril de 2012.
 

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