Estes hostels são os melhores do mundo

Foto
O Travellers House, na Baixa de Lisboa, é o primeiro do ranking Nuno Ferreira Santos

"De que é que estás à espera? Agarra na tua mochila (e livro de conversação em português) e junta-te à revolução." Ok, se calhar não percebemos bem. Voltamos a ler: "Livro de conversação em português". É, de facto, o que está escrito no artigo do jornal britânico The Guardian.

E duas linhas mais acima: "Sem qualquer sombra de dúvida, podemos revelar que o novo e incontestável centro do mundo dos hostels é... Lisboa. A capital portuguesa apareceu de lado nenhum para conquistar [na lista dos melhores hostels do mundo] os três primeiros lugares (e o oitavo também, só porque pode fazê-lo)." E pronto, não resta qualquer dúvida: temos os melhores hostels do mundo. E o mundo já sabe (aliás, já sabia antes de nós).

Rumamos à Baixa. Os quatro hostels (leia-se alojamento low cost, em quartos partilhados, com beliches, por exemplo, e cozinhas, casas de banho e espaços de convívio comuns) que surgem na lista dos Hoscars 2009 - os Óscares dos hostels, atribuídos pelo Hostelworld.com a partir das escolhas de 800 mil clientes que, nos últimos 12 meses, classificaram mais de 20 mil hostels em todo o mundo - ficam a pouca distância uns dos outros.

Batemos à porta do primeiro. The Travellers House, na Rua Augusta, é - e não sabemos como enfatizar isto o suficiente - o melhor hostel do mundo. O prédio é antigo, pombalino, e a escada de madeira leva às portas de vidro do primeiro andar. Na parede da sala, num quadro preto, está escrito a giz: "28th 21h 4 euros. Piri-Piri Roasted Chicken Night. The Tipical Portuguese Meal."

Gonçalo Figueiró, um dos donos, com Tiago Venâncio e a japonesa Nana Kamyia, pergunta se conhecemos a cadeia internacional Nando's, que vende o "portuguese peri peri chicken" e tem como símbolo um galo de Barcelos. "Achámos que já que [os hóspedes] estão aqui, podíamos mostrar-lhes o que é o verdadeiro frango assado. Vamos ali ao lado, compramos frangos e comemos aqui."

Estamos sentados num sofá na music lounge, a sala principal. Há música a tocar, dois rapazes jogam xadrez numa mesinha junto à janela, uma rapariga oriental prepara um chá na cozinha. Várias outras pessoas estão sentadas nos puffs ou nas almofadas, com os rostos iluminados pelos ecrãs dos portáteis que têm no colo. Duas outras raparigas, também orientais, chegam da rua, com sacos nas mãos e juntam-se à amiga na cozinha. O sol começa a pôr-se lá fora. Daqui a bocado é a hora de ir buscar os frangos.

"Não há segredo"

Gonçalo está farto de ouvir a mesma pergunta: qual é o segredo? Como é que se é o melhor do mundo? "Não há segredo", diz, encolhendo os ombros. "É proporcionar ao hóspede o que ele quer e tratá-lo como eu gostaria de ser tratado quando viajo."

Provavelmente o segredo está nisso mesmo. Tanto Gonçalo e Tiago como Valter, Natacha e Inês e Mário, os sócios do Lisbon Lounge Hostel e do Living Lounge Hostel (terceiro lugar), como João Vasconcellos, do Goodnight Backpackers (oitavo lugar), são viajantes experientes, conhecem hostels em vários pontos do mundo e perguntaram a si próprios a mesma coisa: por que é que não há disto em Lisboa? (No segundo lugar da lista está o Rossio Hostel, na Calçada do Carmo, mas esta semana estava fechado.)

Valter e os amigos, todos eles vindos de áreas como a pintura, a arquitectura e a fotografia, foram os primeiros a arriscar. E desde que começaram, em 2005, não pararam de crescer. "Primeiro arrendámos um apartamento na Rua de S. Paulo. Depois encontrámos este prédio [na Rua de S. Nicolau], quando as obras estavam a acabar." Mudaram-se, em Março de 2007, para o prédio onde ocupam três andares, oferecendo um total de 44 camas. E, há oito meses, abriram o Living Lounge, 23 quartos, na Rua do Crucifixo.

Quando começaram não havia nada, nem hostels, nem legislação. Quatro anos depois há perto de 20 hostels em Lisboa, foi criada uma associação e a legislação já os contempla (se bem que como Alojamento Local, colocando-os sob a alçada da câmara municipal e não do Turismo de Portugal).

Em Junho do ano passado já eram considerados - atenção, vêm aí mais seis palavras mágicas - "o melhor boutique hostel da Europa" na lista do HostelBookers, um website para reservas em hostels. O Lisbon Lounge aparecia aí com um feedback positivo de 99 por cento da parte dos seus clientes, algo que o Times Online considera "não exactamente normal". Aliás, sublinha o jornal britânico, "tendo em conta que não se pode satisfazer toda a gente ao mesmo tempo, [99 por cento] é quase uma impossibilidade estatística". E os elogios não param aqui: "Há qualquer coisa quase de outro mundo na qualidade do Lisbon Lounge."

Subimos as escadas, impecavelmente limpas, cruzando-nos com uma das senhoras da limpeza romenas para as quais os quatro sócios só têm elogios (já tínhamos dito que o Lisbon Lounge também foi considerado o mais limpo do mundo?).

O prédio manteve alguns dos azulejos antigos, a maioria das paredes são brancas, mas há sempre uma pintada com uma cor forte, e nas áreas comuns há pinturas do artista e amigo Dirty Cop. O mobiliário é simples, mas tudo é bonito, e há vários objectos feitos de copos e garrafas de plástico recicladas que estão neste momento a encantar uma das hóspedes. À entrada da cozinha, onde mantiveram a pedra antiga do fogão, está anunciado um jantar de carne de porco à alentejana - aqui há cozinheiro todas as noites, e os hóspedes são bem-vindos, se quiserem cozinhar. Depois, sócios e hóspedes podem sair juntos e ir até ao Bairro Alto, a Alfama, a uma prova de vinhos ou a uma tasca típica. Tudo informal, nada demasiado combinado.

Há dois anos, João Vasconcellos tinha 27 e estava cansado de fazer produção de música. "As minhas perspectivas de evolução na carreira não eram boas, estava saturado dos horários. Durante um ano estive à procura de alguma coisa alternativa." Viajante quase desde criança, decidiu abrir um hostel, sabendo que podia ser "um negócio arriscado, que demoraria muitos anos a ter retorno".

Sempre a investir

Escolheu um prédio "em bastante mau estado" na Rua dos Correeiros. Começou com dois andares, agora tem quatro e as águas-furtadas. Pediu também a uma artista, Joana Astolfi, que fizesse uma intervenção para "complementar a decoração com um toque português". Abriu na altura da Páscoa e, de repente, sem grande publicidade, tinha o hostel cheio de espanhóis. Mas nos últimos dois anos tem sentido que há altos e baixos - e que, por exemplo, "quando a câmara organiza eventos que chamam mais gente à cidade, isso nota-se logo nas taxas de ocupação".

A grande maioria dos hóspedes vem da Austrália, Canadá, Estados Unidos, Brasil, e (sobretudo no caso do Lisbon Lounge) da Coreia do Sul. "Funciona muito na base do passa palavra e de repente estamos a receber quatro, cinco, seis sul-coreanos por dia", diz Valter.

Haverá uma explicação para o fenómeno português? Gonçalo, do Travellers House, garante: "Temos uma qualidade superior. Em Paris, por exemplo, a qualidade máxima anda à volta dos 85 por cento, enquanto os nossos andam entre os 95 e os 99 por cento." O que acontece é que "em Lisboa os hostels são um fenómeno novo, os primeiros que surgiram já tinham muita qualidade, e quando começaram a aparecer os outros a fasquia já estava muito elevada". E continua a subir.

"A concorrência é mesmo muito forte", reforça João. "Não tenho lucros, porque estou sempre a reinvestir para melhorar, inovar" (é por isso que o Goodnight Backpackers estava esta semana em obras, e vai reabrir em Março com uma entrada virada para a rua, com uma montra que será cedida a um artista; será "a galeria mais pequena de Lisboa", e que, espera o dono, contribuirá para a tão falada revitalização da Baixa). "Tudo o que vem é para investir", confirma também Mário, do Lisbon Lounge.

Começaram sem apoios e sem enquadramento legal. "Não esperámos por nada, se estivéssemos à espera, ainda hoje não estávamos abertos", diz Gonçalo. O que lamenta é que ainda não se tenha percebido o potencial deste tipo de turismo. "Somos completamente diferentes do padrão do turismo que existe em Portugal."

E cita as conclusões de um estudo da WYSE Travel Confederation, divulgado no ano passado: o turismo jovem é um dos sectores com um crescimento mais rápido dentro da indústria, da qual representa já 20 por cento; actualmente os jovens ficam mais tempo e gastam mais dinheiro que os turistas mainstream (o orçamento por viagem aumentou 40 por cento desde 2002); e está a surgir uma nova geração de viajantes, os chamados flashpackers, com orçamentos maiores, e que está a alargar este tipo de turismo mais descontraído a pessoas com mais de 30 anos.

"Sabemos que nunca vamos enriquecer", conclui. "Mas optámos mais por um estilo de vida do que por outra coisa. Temos mais tempo. E estar aqui é um bocadinho como estar a viajar."

Sugerir correcção
Comentar