Entrou areia na engrenagem da rede de aluguer de bicicletas para Lisboa

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António Costa usou a bicicleta na campanha eleitoral de 2007 Foto: Miguel Madeira

Umas são eléctricas, outras convencionais. Nem umas nem outras estão no terreno, mas a rede de aluguer de bicicletas que a Câmara de Lisboa quer lançar na cidade já tem areia na engrenagem mesmo antes de os lisboetas começarem a pedalar.

Dois vereadores da maioria que governa a autarquia, o independente Sá Fernandes e o especialista em transportes Nunes da Silva, dos Cidadãos Por Lisboa, têm neste momento dois planos distintos para criar uma rede de aluguer de velocípedes. O primeiro prevê a criação, pela empresa de mobiliário urbano JC Decaux, de uma rede de 2500 bicicletas convencionais, espalhadas por toda a cidade e disponíveis em 500 estações. O problema deste modelo é que custará 3,5 milhões de euros anuais à autarquia, sendo, contudo, de baixos custos para o utilizador - 25 euros anuais.

Perante o atraso no arranque deste sistema de bicicletas, que já devia ter começado a funcionar, Nunes da Silva propõe a anulação do concurso através do qual foi escolhida, em 2010, a JC Decaux e a implantação de um modelo menos ambicioso, de 500 ou 600 bicicletas eléctricas para circular à beira-rio, entre Belém e o Parque das Nações, a arrancar na próxima Primavera ou no Verão. Embora com custos mais elevados para o ciclista - 3,20 euros por dia, com um máximo de utilização de 45 minutos de cada vez, ou 5,30 por semana -, o sistema sairia a custo zero para a autarquia, sendo todos os riscos do negócio suportados pela empresa que quer fazer esta parceria com o município, a Ciclocidade. Este modelo, ao contrário do primeiro, é sobretudo virado para os turistas, embora não se restrinja a eles.

"O que a câmara decidiu foi lançar um projecto sem encargos", recorda Nunes da Silva. "Por isso, a proposta da JC Decaux viola essa condição do concurso". O autarca diz ainda que o caderno de encargos enfermava de "vários erros" e "exigências técnicas bizarras" que levaram ao afastamento de outros concorrentes. "Houve quem fosse afastado porque a malha da rede do cesto da bicicleta era suficientemente larga para deixar cair um telemóvel", exemplifica.

Há ano e meio a tentar lançar uma rede de bicicletas em Braga, a Ciclocidade não concorreu na altura a Lisboa. Só apresentou a sua proposta este ano. Nunes da Silva tenciona colocar as bicicletas eléctricas nos parques da Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa, que está sob a sua alçada. "Cada uma tem um GPS associado para evitar o roubo", explica. "Havendo soluções que não representam encargos para a câmara, não é justificável que se mantenham modelos onerosos", argumenta. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, ouvir Sá Fernandes sobre a matéria.

"Estamos prontos e vamos avançar em Lisboa", assegura Younes Aouidat, o franco-argelino que lidera a Ciclocidade. Quanto aos atrasos em Braga, "tiveram a ver com a necessidade de levantar pavimentos na zona histórica para instalar os equipamentos", justifica.

Agastado com a situação, um administrador da JC Decaux, António Moita, deixa reparos pouco agradáveis ao vereador que quer implantar um sistema alternativo ao seu: "Era bom que ele se entendesse com o presidente da câmara, António Costa, para não andar cada um a dizer sua coisa. Ou haverá duas câmaras de Lisboa em vez de uma?", questiona. "Porque António Costa acredita muito no nosso projecto".

A aposta na bicicleta foi, de facto, uma das pedras de toque de Costa desde que assumiu funções na câmara. Logo na campanha eleitoral de 2007 fez um passeio em duas rodas, para incentivar o uso destes veículos. Só desistiu quando teve de subir do Cais do Sodré para o Carmo, um percurso demasiado puxado para quem não pedalava há anos. Desta vez o desafio é outro: vai ter de decidir quem fica ao volante do projecto - se Sá Fernandes, se Nunes da Silva.

O administrador da JC Decaux conta que a demora no arranque do seu projecto se deve à tentativa de eliminar os encargos para o município, os tais 3,5 milhões de euros anuais. "Estamos empenhados em obter acordos e patrocínios de empresas. Mas nas actuais condições de mercado não é simples", admite. "Não temos pressa: se tiver de levar ano e meio, leva". António Moita não comenta uma eventual anulação do concurso camarário: "Não levo as afirmações de Nunes da Silva a sério. Quem perceber deste assunto - não é o caso dele - que vá às diferentes cidades do mundo para ver como isto funciona".

Já o vereador refere precisamente o exemplo de uma cidade estrangeira, Barcelona, para dizer que um modelo que tente cobrir toda a cidade, como o da JC Decaux, é demasiado dispendioso.

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