Dona de obra que provocou a demolição de um prédio condenada a pagar 1,5 milhões

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Onde estava o prédio da Filipe da Mata há agora um vazio. Atrás, o bloco Foto: Pedro Maia

Obra começou há 13 anos sem licença. Câmara recusou-se a embargar, apesar dos riscos para o prédio vizinho. Tribunal decidiu agora, mas a construtora já não tem com que pagar.

A empresa responsável pela construção de um bloco de três edifícios, na zona do Rego, Lisboa, cujas escavações originaram em 1999 a ruína e a demolição de um prédio vizinho foi condenada, em Outubro, a pagar aos seus proprietários e inquilinos um total de 1,5 milhões de euros de indemnização, mais juros. A empresa em causa, a Edirego, Engenharia e Construção SA, que tem como administrador único um engenheiro técnico da câmara, não recorreu da decisão judicial, está inactiva há anos e tem um passivo de quase 715 mil euros.

A sentença da 7.ª Vara Cível de Lisboa diz que "o assentamento das fundações, a deformação generalizada e a ruína do edifício" que existia na R. Filipe da Mata n.º 13 "foram provocados directa e exclusivamente pela execução das escavações com cerca de 13 metros de profundidade" - necessárias à construção das cinco caves de estacionamento do bloco a erguer nas traseiras, na R. Álvaro de Castro.

De acordo com a decisão judicial provou-se que a escavação começou em Fevereiro de 1999, dois meses antes de a câmara emitir a licença, e que logo em Março os moradores do n.º 13 da R. Filipe da Mata se queixaram à Edirego do aparecimento de fissuras e deformações nas paredes.

Com o avanço da escavação, os danos causados pela obra agravaram-se, atingindo os 12 apartamentos e os seis pisos do prédio da Filipe da Mata. Face às sucessivas queixas dos proprietários, a Edirego fez algumas reparações no edifício mas recusou-se sempre a suspender a obra. No final de Junho desse ano, a câmara vistoriou o local e a Protecção Civil ordenou aos moradores que desocupassem o edifício, devido ao risco de desmoronamento. Dias depois a então vereadora do Urbanismo, Margarida Magalhães, determinou a sua demolição.

Já em Agosto, os proprietários reuniram-se com a vereadora e com Carlos Laureano, o engenheiro técnico da autarquia que representava a Edirego e cuja mulher, Isabel Laureano, era então a administradora única da empresa. Nesse encontro, respondendo ao apelo dos lesados, que já tinham sido obrigados a abandonar o prédio, Margarida Magalhães recusou-se a embargar as obras da Edirego.

Logo no mês seguinte, invocando a falta de acordo entre as partes, Margarida Magalhães determinou a posse administrativa do prédio da Filipe da Mata e a sua demolição coerciva. Os trabalhos ficaram concluídos em Fevereiro de 2000 e custaram à câmara 115 mil euros. O município ficou de apresentar a factura aos lesados e não à Edirego, mas não o fez até hoje.

No lugar do prédio demolido está agora um espaço vazio. Os seus proprietários tiveram de encontrar outras habitações a expensas suas, assumindo a Edirego apenas a renda da casa para onde foi viver uma inquilina.

O tribunal deu como provado que a Edirego "agiu de forma negligente e imprevidente e contra, ou em desrespeito, das mais elementares regras de arte, de técnica, de segurança e de cuidado que no caso se impunham e a que estava obrigada, e que se tivesse tomado teriam evitado o desmoronamento do prédio". Por isso, condenou-a a pagar um total de 1,5 milhões de euros aos lesados, mais os juros.

A administradora única da Edirego à data dos factos, Isabel Laureano, é proprietária, com os pais, do conhecido restaurante Adega da Tia Matilde. O estabelecimento é contíguo ao bloco construído pela empresa e nas caves foi feito um acesso directo ao estabelecimento para uso dos clientes que ali estacionam. A Edirego, que tem agora Carlos Laureano como administrador, não tem qualquer actividade há anos e as suas contas mostram um passivo superior ao activo em 716.947 euros. A sentença, por outro lado, diz que "só a Edirego responde por culpa dos seus agentes e representantes" pelo que "urge concluir pela não responsabilização dos réus Isabel Laureano e Carlos Laureano". O que quer dizer que os seus bens pessoais não respondem pelo pagamento da indemnização.

Acção contra a câmara ainda está pendente

Os proprietários do prédio da Filipe da Mata estão ainda à espera do desfecho de um outro processo que interpuseram contra a Câmara de Lisboa, à qual pedem uma indemnização por nada ter feito para impedir a ruína e a demolição do imóvel. A data da decisão judicial sobre essa matéria é ainda desconhecida, mas a sentença da 7.ª Vara Cível (ver outro texto) já aponta numerosas irregularidades na tramitação camarária do caso, ao tempo em que João Soares era presidente da câmara. Além de nada ter feito nos dois meses em que a Edirego escavou as caves sem licença e se ter recusado a embargar a obra quando o prédio já ameaçava ruir, a autarquia "jamais exigiu" à empresa o plano de escavações, não havendo no processo de licenciamento aprovado por Margarida Magalhães quaisquer dados sobre níveis freáticos e outros elementos que lá deviam estar. O livro de obras desapareceu e os lesados só puderam ver o processo meses depois de o pedirem à câmara.

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