Colombo manda retirar publicidade que cobre duas peças de arte urbana em Lisboa

Telas publicitárias do Centro Comercial cobriram dois graffitis em Alcântara, pintados com autorização da câmara e dos proprietários. A polémica não tardou.

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Do mural de MAR, nome artístico de Gonçalo Ribeiro, só se vê agora uma pequena parte Vera Moutinho
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A peça de MAR antes da publicidade Stick2Target
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Na Avenida da Índia, já não se vê a intervenção da dupla Hom & Nosm Vera Moutinho
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O trabalho dos Hom & Nosm antes da colocação das telas

Quando no início de Junho a Google Cultural Institute, um arquivo online de exposições e colecções de todo o mundo, lançou uma colecção de Arte Urbana que incluia Portugal e artistas portugueses, cidade e artistas ficaram orgulhosos. Agora, duas das peças que constam dessa lista estão tapadas por telas publicitárias do Centro Comercial Colombo. Face à polémica, a publicidade vai ser retirada.

Do mural de MAR, nome artístico de Gonçalo Ribeiro, só se vê agora uma pequena parte. "Foi a primeira vez que isso me aconteceu. São peças efémeras que estão nas ruas e por vezes acabam por ser tapadas, mas desta forma tão violenta nunca me tinha acontecido", contou ao PÚBLICO.

A realização da pintura, em Março de 2012, contou com o apoio da GAU - Galeria de Arte Urbana (que colaborou também com a Google Cultural Institute), estrutura criada em 2008 no Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa (CML). MAR, um dos artistas referência no panorama da street art em Portugal, pediu na altura apoio à autarquia que por sua vez indicou a parede a pintar, situada em frente à estação de Alcântara-Terra, autorizou a intervenção e pagou a grua necessária para efectuar a peça.

A poucos metros dali, na Avenida da Índia, a intervenção da conceituada dupla Hom & Nosm, realizada o ano passado a convite da Galeria Underdogs, parece ter desaparecido. Continua a figurar nas listas e tops da melhor arte urbana da Europa, mas quem passa vê agora apenas a cara de um jovem com o slogan "Encontra", do Centro Comercial Colombo.

"A cidade tem muito espaço e o pouco espaço que é dado à arte urbana - e que foi sendo conquistado nos últimos anos -  tem de se respeitar", diz Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, artista português de visibilidade internacional e co-director da Underdogs. Alexandre encontra-se por estes dias a preparar "Dissecação", a primeira exposição individual em Portugal e a maior realizada pelo artista até à data. Estava a trabalhar numa parede oposta à que tinha sido pintada por Hom & Nosm quando percebeu que estavam a ser tiradas medidas à fachada, mas só mais tarde se apercebeu da lona publicitária. "São artistas que são quase muralistas, já fizeram projectos bastante grandes e com galerias reconhecidas. Acho que é equivalente a tapar os azulejos do Abel Manta ou qualquer outra obra de arte pública que está no espaço público e que iria gerar discussão também", explica Alexandre, que vê aqui uma oportunidade para um debate em torno da utlização do espaço público nas grandes cidades.

A discussão começou logo no dia seguinte à colocação da publicidade, a 13 de Junho. Nas redes sociais, sucederam-se as fotos com o antes e o depois, com críticas às entidades envolvidas. Na sua página de facebook, a GAU explicou que não lhe agradava a "instalação de telas publicitárias sobre peças de graffiti e de street art, todavia estas criações não podem constituir um impedimento à sua colocação sob pena de alguns proprietários não autorizarem as intervenções artísticas".

Ao PÚBLICO, Sílvia Câmara, coordenadora da GAU, disse que foi avisada previamente por um serviço interno da CML mas que não tinha margem para impedir a colocação telas. Fonte dos serviços da Unidade de Coordenação Territorial da CML, que licencia a afixação de telas publicitárias, diz que é um "equilíbrio difícil" e uma "aparente contradição”, mas não pode impor aos proprietários que não aceitem publicidade.

Lara Seixo Rodrigues, produtora e curadora de eventos de arte urbana, protestou nas redes sociais contra a dualidade da CML que por um lado ajuda e por outro não protege. “Se queremos ser uma cidade criativa, apoiar a arte urbana, ter um departamento específico, não podemos depois pôr publicidade em cima. É jogar nos dois lados do campo”, disse ao PÚBLICO. "Se a CML grita que apoia a arte urbana é esta a altura de afirmar que a considera  património da cidade", defende.

A administração de Centro Comercial Colombo viu-se obrigada não só a explicar a situação nas redes sociais como a mandar retirar as telas publicitárias com a "maior brevidade possível". "Baseámos a nossa decisão em fotografias que não retratavam fielmente os locais, tendo em conta que nas fotografias as paredes foram cobertas por uma mancha a identificar onde iria ser colocada a campanha do centro, para uma melhor visualização do resultado final da colocação das empenas", explicou a Administração ao PÚBLICO.

Salientando que ambos os locais estão licenciados para fins publicitários, fonte da agência de meios envolvida na campanha, a Arena, explicou que as fotografias alteradas foram enviadas pela empresa de outdoors que coloca as telas. O Centro Comercial Colombo diz que não podia ter contactado os artistas porque desconhecia as pinturas. Já a GAU diz que tentou contactar previamente MAR, mas sem sucesso.

Tanto o graffiti de MAR como o da dupla HOM & NOSM foram realizados com autorização da CML em prédios privados. Os proprietários aceitaram que as paredes passassem a tela, mas não se comprometeram com mais. Em Paris, no famoso Distrito 13, que tem feito da arte urbana bandeira, é a Câmara quem paga os materiais utilizados pelos artistas e os moradores dos prédios intervencionados pagam um valor simbólico ao artista. No ano passado, uma dezena de artistas portugueses foram convidados para participar no projecto "Tour Paris 13", nesse mesmo distrito, e pintar um prédio devoluto e transformado em museu efémero da street art. Esta semana inaugura o mural mais alto da Europa que vai integrar esse circuito, da autoria do português António Correia, mais conhecido como Pantónio.

“Estamos perante uma oportunidade de afirmação da arte urbana face à publicidade”,  diz Pedro Soares Neves,  investigador  a fazer doutoramento em Arquitectura e Espaço Público no Instituto Superior Técnico. Cobrir os graffitis com telas é uma situação tão “escandalosa que tem força para poder desenvolver um combate. Porque por norma o combate é desigual “, remata.

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