Ana e Alexandre casaram-se como um belo e assumido par de caramelos

Numa altura em que o casamento também sofre com a crise económica, os amigos ofereceram uma cerimónia diferente ao casal que não a podia pagar. Como dois autênticos caramelos, lá foram eles de carro de bois, colete e avental.

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O casamento acabou por dar origem a um evento de afirmação de uma identidade cultural que envolveu boa parte da comunidade local DR
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“Ana, é de sua livre vontade que aceita este caramelo para seu esposo?”, a pergunta do padre Ramalho a Ana Teixeira não foi feita assim, mas poderia ter sido que ninguém levava a mal. Muito menos o noivo. Alexandre Albuquerque e a noiva decidiram casar à antiga Caramela e os amigos ajudaram, e de que maneira, à festa.

O noivo foi conduzido à igreja num carro de bois, acompanhado de um desfile que saiu do Mercado Municipal do Pinhal Novo, a pé, com a maioria esmagadora dos participantes trajada a rigor. Desde convidados a padrinhos, passando pelos familiares, todos vestiram com gosto a indumentária tradicional dos antigos caramelos.

Eles com calça justa de bolsos à frente, botas grossas, colete e boina, no caso da roupa de trabalho, porque no traje domingueiro, a boina é substituída pelo chapéu.

As senhoras apresentavam-se de saia, com avental e chapéu ou lenço na cabeça. Aos domingos, o avental era dispensado e o chapéu dava lugar a um véu a complementar um penteado mais cuidado.

A noiva chegou depois, já bem depois das 13 horas, no atraso habitual, mas num transporte já pouco visto. Uma charrete. Depois de casados, pelo padre da paróquia de Pinhal Novo, os nubentes deixaram a igreja numa outra charrete, em direcção ao copo-de-água.

O casamento, realizado este mês, procurou recriar a tradição Caramela, que em finais do Século XIX, se enraizou nestas povoações da margem sul, dominadas pela actividade agrícola.

Ana Teixeira Albuquerque, de 28 anos de idade, administrativa numa pequena empresa, ficou radiante com a forma escolhida para o casamento.

“Estou muito contente. Nós, por motivos financeiros, nunca conseguiríamos fazer um casamento e o grupo ‘Baila C’a Carroça’ - rancho neo-folclórico criado para as Festas Populares de Pinhal Novo - ofereceu-se para nos oferecer esta festa”, disse a noiva ao PÚBLICO, acrescentando que um casamento assim “faz mais sentido porque tem mais sentimento”.

Alexandre Albuquerque, 29 anos, serralheiro mecânico que trabalha há uma década nos estaleiros navais da Lisnave, em Setúbal, explica que optou por um casamento assim por sentir-se verdadeiramente caramelo.

“Considero-me um caramelo, sou descendente da malta que veio do norte, dos ratinhos, trabalhar para esta zona de Pegões”, afirmou ao PÚBLICO.

O apoio dos amigos foi determinante para a realização do matrimónio e acabou por significar um envolvimento da comunidade local. Até do presidente da Junta de Freguesia de Pinhal Novo, Manuel Largarto, e da esposa, que foram padrinhos de um dos noivos.

Ratinhos e José Maria dos Santos
Os caramelos são os migrantes vindos da Serra do Caramulo - daí a alcunha - e do Vale do Mondego para trabalharem nas grandes herdades desta região sul. Juntam-se aos "ratinhos", o nome que era dado aos que iam das Beiras fazer as ceifas no Alentejo.

Estes trabalhadores rurais foram atraídos pela enorme oferta de trabalho existente por estas bandas. Ofertas generosas (em quantidade), publicitadas boca-a-boca nas terras de origens por uma vaga de operários que chegaram ao sul por outro motivo. Esses primeiros trabalhadores a conhecerem estes vastos campos agrícolas, vieram com o comboio. Fixaram-se no Pinhal Novo quando o caminho-de-ferro chegou ao sul e esta localidade foi escolhida para um importante entroncamento ferroviário entre as linhas de Vendas Novas, para o Alentejo, e a de Setúbal, para o Algarve. A construção do ramal ferroviário entre Pinhal Novo e Setúbal teve início em 1859.

A sul do Tejo, com vastas propriedades que se estendiam até ao Alentejo, pontificava José Maria dos Santos (1831-1913), figura incontornável da história desta terra, como politico e, sobretudo, proprietário agrícola.

“O seu testamento é o de um senhor feudal. As suas imensas propriedades, que faziam dele um dos mais ricos homens de Portugal, foram repartidas pelos seus sobrinhos em fatias correspondentes a concelhos”, recorda Aníbal de Sousa, numa evocação no centenário da morte de José Maria dos Santos, publicada em Junho de 2013.

“Foi deputado por incontáveis mandatos, Par do Reino, primeiro por eleição e depois vitalício por nomeação régia. Revolucionou a Agricultura portuguesa e foi o introdutor do adubo químico em Portugal”, lê-se também no documento do investigador pinhalnovense.

O casamento à Caramela, tem por, isso, muita relação com o antigo grande proprietário agrícola.

“A acção de José Maria dos Santos foi determinante no processo das transformações do povoamento e das culturas na área de Pinhal Novo”, como destaca Aníbal Sousa na mesma evocação.

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