Câmara do Porto não põe em causa decisões tomadas no quarteirão de D. João I

Apesar de subsistirem dúvidas sobre violação do PDM, Câmara do Porto não vai agir e Rui Moreira insiste que responsabilidade é da SRU

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A convivência entre a SRU e a Câmara do Porto não tem sido sempre pacífica e o último conflito mais visível envolveu a requalificação do chamado Quarteirão de D. João I (ou Casa Forte) Marco Duarte

A Câmara do Porto não vai pôr em causa as decisões já tomadas no processo de regeneração do quarteirão de D. João I, nomeadamente, a demolição de dois edifícios identificados na Carta do Património e cuja destruição levantou dúvidas sobre uma eventual violação do Plano Director Municipal (PDM). O vereador do Urbanismo, Manuel Correia Fernandes, garantiu ainda, na reunião do executivo desta terça-feira, que não se vai demitir, apesar de reconhecer que existe “falta de colaboração” da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) com o pelouro.

Apesar de ter ficado claro que subsistem dúvidas entre o executivo – nomeadamente da parte de Correia Fernandes – sobre a legalidade das demolições, o presidente Rui Moreira reiterou que as decisões que levaram à demolição foram tomadas em 2007 e são da exclusiva responsabilidade da SRU. “Não vale a pena refazer a história de há dez anos”, disse.

Os dois governantes foram questionados pelo vereador da CDU, Pedro Carvalho, sobre o processo, durante a apresentação de uma proposta do comunista para que fossem tomadas as “medidas necessárias à imediata transferência das competências em matéria de planeamento e licenciamento urbanístico actualmente sob a responsabilidade da SRU para o município do Porto e, designadamente, para o seu pelouro do Urbanismo” – documento que seria rejeitado, recebendo apenas os votos favoráveis de Pedro Carvalho e da socialista Carla Miranda, com os três vereadores do PSD a absterem-se.

Correia Fernandes afirmou que, assim que tomou conhecimento que as demolições iriam avançar no quarteirão, questionou a SRU sobre os dois edifícios em causa, por considerar que “o PDM é lei e não isenta ninguém de cumprir o que lá está”. A resposta que recebeu, disse, foi “o mais confusa possível”, juntando diferente legislação aprovada nos últimos onze anos, e que não o deixou, nem aos serviços, descansado.  “Sem informação clara e completa é impossível determinar se há ou não incumprimento [do PDM]”, disse.

Rui Moreira esclareceu, então, que foi na sequência destas dúvidas que foi solicitado um parecer à jurista Fernanda Paula Oliveira. “Este parecer determinou que, perante a lei, ao avançar com as demolições, a SRU estava a agir no âmbito das suas competências”, disse. O autarca admitiu que a Câmara do Porto não foi consultada sobre a demolição dos prédios que constavam da Carta do Património, mas que a SRU entende que tal não era necessário, por esta entidade estar na posse de um parecer da Direcção Regional de Cultura do Norte sobre essa matéria. Moreira disse que “há dúvidas” sobre se a SRU não teria mesmo de ter consultado a câmara, mas garantiu: “A existir uma violação do PDM, que não está certa e sobre a qual há dúvidas, a responsabilidade seria da SRU, que não restem dúvidas sobre isso”. E acrescentou: “Não vamos agir retroactivamente contra uma sociedade que não controlamos”.

Apesar de esta ser a primeira reunião após a indigitação do Manuel Aranha como o novo vereador do executivo, este ainda não esteve presente (só deverá assumir o pelouro do Comércio e Turismo a 1 de Dezembro) e o seu lugar foi ocupado por Rui Loza, que está no conselho de administração da SRU indicado pela câmara. Depois de ouvir as críticas de Correia Fernandes à “falta de colaboração” da sociedade, em prestar as devidas informações, Loza disse que “se calhar [a falta de colaboração] tem a ver com a personalidade das pessoas”.

Correia Fernandes reagiu, defendendo ter “um perfil que privilegia sempre o diálogo, a discussão e o debate”, e insistindo que da parte da SRU as coisas “não têm sido clarinhas e postas todas em cima da mesa”.

A troca de argumentos e as reiteradas afirmações do vereador do Urbanismo de que não tem conseguido obter os devidos esclarecimentos da SRU levaram o vereador do PSD, Ricardo Almeida, a afirmar que devia “haver consequências políticas” das “afirmações gravíssimas” de Correia Fernandes. O vereador do Urbanismo não o deixou sem resposta. “Eu não teria condições para ser vereador do Urbanismo se não estivesse em cima da mesa o que está: a certeza de que todas as competências da SRU vão regressar ao município. Não tive, até agora, dificuldades em gerir o Urbanismo e penso que no futuro não as terei”, disse.

A municipalização da SRU, prevista no Acordo do Porto, assinado entre a câmara e o Governo de Pedro Passos Coelho, prevê a transferência de todas as competências de licenciamento que ainda estão nas mãos da sociedade – e que dizem respeito aos quarteirões com documentos estratégicos já aprovados, como o de D. João I – para o município. A concretização deste facto, reiterou Rui Moreira, está apenas pendente da aprovação do Tribunal de Contas.

“Não sei o que é a Primark”

O futuro perfil do quarteirão também foi discutido durante a reunião, com Rui Moreira a ser questionado sobre se a loja irlandesa Primark vai instalar-se ali. “Não sei o que é a Primark, se vai haver Primark, uma loja de botijas ou de bonecas. Sei que não vai haver supermercado ou hipermercado, nem ali nem no Bolhão, mas não quero saber quais são as marcas que para lá vão, sobre isso não me quero pronunciar”, disse.

A posição do autarca mereceu a crítica de Ricardo Almeida, que questionou: “Vamo-nos abster se queremos ter ali as Primarks da vida ou se queremos a Louis Vuitton?”. Também Carla Miranda insistiu que o executivo não se podia abster de discutir o que será feito do quarteirão central, mostrando preocupação sobre o anunciado parque de estacionamento subterrâneo de 600 lugares. “As pessoas têm noção do que são 600 viaturas a sair daquele espaço?”, questionou.

Enquanto Rui Moreira garantia que não iria “discutir uma coisa que está aprovada desde 2007”, Correia Fernandes lembrava que os projectos de arquitectura do que irá nascer no quarteirão terão de ser ainda aprovados pela Câmara do Porto, pelo que é extemporâneo falar sequer do desenho final do local. Já Rui Loza avisava que o contrato firmado entre a SRU e os investidores do quarteirão “é válido e que a ser revogado teria consequências do ponto de vista financeiro para o município”.

Voto de pesar

Apesar de a discussão em torno do quarteirão onde esteve instalada a Casa Forte ter ocupado grande parte da reunião, o encontro começou com a votação de dois votos de pesar apresentados por Rui Moreira. O primeiro dedicado às vítimas dos atentados de Paris e o segundo pela morte do vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva. Os partidos presentes no executivo pediram ao presidente que este voto fosse subscrito por todos os vereadores, pelo que não foi sequer necessário votá-lo.

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