Câmara do Porto investe 400 mil euros num laboratório para reabilitar ilhas da cidade

Autarquia quer recuperar ilhas com projecto que integra os moradores. Objectivo é melhorar as casas, instalar casais jovens e fazer voltar os antigos habitantes.

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A autarquia vai apoiar a instalação do laboratório da habitação, projecto do investigador Matos Rodrigues (à esquerda) Bárbara Raquel Moreira

A partir do inicio do próximo ano, a reabilitação urbana não será apenas um feito marcado nos emblemáticos edifícios do centro histórico do Porto. A autarquia quer reabilitar as características ilhas da cidade há muitos anos esquecidas para lá de portões que escondem o alojamento dos operários fabris de outros tempos.

O projecto-piloto vai arrancar no início de 2014 com a instalação do Laboratório Habitar e Sociedade na Ilha da Bela Vista, na Rua de D. João IV. “As obras começarão no próximo ano. Queremos valorizar o projecto da Ilha da Bela Vista como um projecto que será ao mesmo tempo uma oportunidade experimental para todas as ilhas. Também vamos proceder a um levantamento rigoroso da situação das ilhas”, disse ao PÚBLICO o vereador da Habitação e da Acção Social na Câmara do Porto (CMP), Manuel Pizarro, que visitou aquele espaço no domingo.

Aquela ilha tem cerca de 40 casas, das quais apenas 12 estão ainda habitadas por idosos, a maioria já para lá dos 80 anos. Boa parte nasceu lá. O arquitecto Fernando Matos Rodrigues, da direcção do laboratório, estima que o investimento total, a cargo da edilidade, venha a ser de “400 mil euros”. O anteprojecto será apresentado naquela ilha em Janeiro para que as obras se iniciem no decorrer do ano, no âmbito de um processo de “autoconstrução” com a intervenção de moradores, explica.
 
Mais de mil ilhas com 15 a 20 mil moradores
Estima-se que existam, segundo Pizarro, ainda mais de mil ilhas no Porto, com 15 a 20 mil moradores. As casas estão, em muitos casos, “numa situação de grande degradação, mas, ao mesmo tempo”, correspondem a um “ambiente social e comunitário que nós temos de aproveitar”, sublinha. O socialista pretende que o projecto naquela ilha – a única municipal e habitada que resta – sirva de modelo para a intervenção noutras.

O laboratório irá estar atento às questões das condições de habitação básica nas ilhas, assim como ao trabalho de reabilitação e dinamização social do espaço. O projecto resulta de uma parceria entre a CMP, o Mestrado em Arquitectura da Escola Superior Artística do Porto, o Instituto Superior de Serviço Social do Porto e a Universidade do Minho.

A Bela Vista, a par da Ilha de Santo António, perto da Casa da Música, foi uma das cinco visitadas ontem por uma vasta comitiva da CMP na qual se destacava também o vereador do Urbanismo, Manuel Correia Fernandes. “Vamos poder continuar aqui?”, perguntava Conceição, que se queixou de “ninguém ligar à ilha há muitos anos”. O vereador assegurou que todos ficarão lá e até receberão “casais jovens” e moradores que dali saíram.

“Vamos fazer aqui umas obrinhas. Que acha, D. Ana?”, questionou Pizarro. A moradora de 84 anos agradeceu. Nasceu ali, assim como a mãe. Naquele espaço, as casas são exíguas e muitas não têm quarto de banho. “Vamos resolver isso e pôr tudo direitinho para vocês”, sublinhou Pizarro. Em troca, foi convidado para a sardinhada no final das obras.

Projecto seria “impossível” com Rui Rio
Matos Rodrigues, um docente de Antropologia do Espaço que estuda as ilhas desde a década de 90, não duvida de que este projecto “seria impossível” com o executivo de Rui Rio. “Tinha uma visão de destruição e erradicação das ilhas”, sublinha o responsável, que deseja que aquele tipo de espaço, visto como “estigmatizante”, passe a ser um “activo de valorização social”.

Neste sentido, Pizarro recorda que o principal objectivo do actual executivo é a “coesão social”. O Porto “é uma cidade esquecida, mas com imensas potencialidades”, acrescenta. Aliás, segundo Matos Rodrigues, vários particulares já terão reconhecido as potencialidades futuras das ilhas da cidade, comprando diversos daqueles espaços. “Este projecto-piloto será uma alavanca de motivação para os privados”, acredita.

As rendas nas ilhas são, amiúde, muito baixas. A maioria dos moradores na Ilha da Bela Vista paga dois ou quatro euros de renda. Já na Ilha de Santo António os montantes mensais podem chegar aos 400 euros, uma vez que as casas foram recuperadas e são maiores.

Apesar da reabilitação prometida para o inicio do próximo ano, Matos Rodrigues não acredita que as rendas venham a registar grandes aumentos. “Penso que não. A maioria dos moradores tem 80 anos. Seria imoral e penso que não é essa a perspectiva do dr. Rui Moreira [presidente da CMP]”, disse, à margem do seminário Políticas de Habitação Básica e Inclusão Social no Porto, que decorreu ontem à tarde no Palácio da Bolsa, depois da visita às ilhas.

Também presente, Manuel Pizarro salientou que “as ilhas são um património identitário da cidade que seria grave desprezar” e sustentou a necessidade de continuar a reabilitação urbana no Porto. “As ruas estão mais entaipadas que habitadas. É um paradoxo haver tantas casas vazias e tanta gente a viver mal”, aludiu.
 

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