Câmara começa terça-feira a demolir casas na escarpa das Fontainhas

Bairro do Nicolau vem abaixo, depois de os últimos 18 moradores serem realojados, esta segunda-feira, no bairro do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana em Contumil.

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Os moradores retiraram esta segunda-feira das casas os seus últimos pertences Marco Duarte
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Os moradores retiraram esta segunda-feira das casas os seus últimos pertences Marco Duarte

A Câmara do Porto começa já esta terça-feira a demolir as casas do Bairro Nicolau, na escarpa das Fontainhas. As últimas oito famílias que ainda moravam no casario junto à ponte do Infante foram realojadas esta segunda-feira. Passam a morar no Bairro de Contumil, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, organismo que vai ceder mais habitações para ajudar o município a resolver outros problemas como o da ilha do Pego Negro e da Viela de Lamas.

Junto à casa de Maria José, um relógio de sala, no meio do caminho, parou no meio-dia. São três da tarde, e quem não parou foram os funcionários da Domus Social e os últimos habitantes deste aglomerado de casas encavalitadas na escarpa, tremelicantes a cada passagem, na linha uns metros acima, do comboio que já não deita fumo, como na cena inicial, filmada aqui, de Aniki-Bobó. O filme de Manoel de Oliveira era já um clássico quando, há 30 anos, a mulher que agora controla o muito que ainda há para carregar, veio para aqui viver, com o Douro, e as pontes, como vizinhos.

Aqui ela criou três filhos. Aqui vai criando netos. Mas se guarda saudades, não o diz. Ao jornalista, prefere desconstruir já a memória do sítio, lembrando a trepidação do caminho-de-ferro, as humidades constantes e a chuva, que se concentrava pelos estreitos caminhos, escarpa abaixo, dificultando-lhes a vida nos muitos invernos. As seis pessoas da casa vão para Contumil, como as restantes 12 que ainda moravam aqui, e segundo Maria José, vão ficar bem. “A casa pareceu-me boa. Quanto ao bairro, não sei, mas eu meto-me na minha vida, sou de poucas falas”, explica-se.

Como outros moradores, esta família tinha já se tinha inscrito na Domus Social, para ter direito a uma habitação municipal. Apesar de não pagarem renda – o vereador Manuel Pizarro descreve estes casos como uma ocupação historicamente consumada – as condições em que viviam eram “deploráveis”. Há uns anos, o mentor do Laboratório da Habitação Básica e defensor da reabilitação das ilhas do Porto, Fernando Matos Rodrigues, ainda propôs a reabilitação destas casas, mas já em 2013, em fim de mandato, Rui Rio tirou as primeiras famílias daqui, para o Bairro do Cerco, numa iniciativa que surpreendeu os moradores e envolveu um aparato policial muito criticado, na altura.

O bairro foi tema de campanha, e quer Rui Moreira quer Pizarro fizeram questão de assinalar o contraste entre a operação que decorria, esta segunda-feira, e esse outro realojamento, forçado. “A Domus Social fez um excelente trabalho. Estamos há um ano a trabalhar com estas pessoas, a perceber as suas condições e as suas necessidades, para encontrarmos a melhor solução. Como vêem não temos aqui polícia. Isto decorre pacificamente”, afirmou Rui Moreira, elogiando a disponibilidade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) para alojar estas famílias de uma só vez, o que permite, terminado o prazo para notificação do proprietário (que não respondeu), que a câmara avance, com legitimidade legal, para a demolição dos espaços. Evitando, dessa forma, que eles sejam reocupados.

“Esta demolição não significa que desistimos do projecto de reabilitação das ilhas. Só que, para nós, isto não é uma ilha mas um tugúrio”, argumentou Rui Moreira, prometendo que toda esta área será renaturalizada e colocada à fruição das pessoas, “na medida do possível”. A câmara ainda vai estudar se mantém ou não o lavadouro público que servia este casario, se ele tiver uso para moradores das redondezas, mas o autarca põe de parte a autorização de construção de qualquer empreendimento turístico neste local que tem uma vista soberba sobre o Douro.

Nas próximas semanas, explicou Manuel Pizarro, a autarquia estará em condições de dar casas, também do IHRU, às famílias que habitam no Pego Negro, numa situação tão insalubre como a da escarpa mas “mais imoral”, porque lhes são cobradas rendas, às vezes exorbitantes para as condições das habitações. “Tudo isto é vergonhoso e inaceitável. Temos mais 46 casas disponíveis para outras situações iguais a esta”, afirmou o presidente do IHRU,Vítor Reis, que deu a Moreira uma lista dos fogos espalhados pelos oito bairros do instituto na cidade.

O Pego Negro, segundo a autarquia, é usado como placa giratória por pessoas que, sem conseguirem pagar a renda num apartamento decente, tentam, mudando-se para uma casa sem as mínimas condições, aumentar as possibilidades de ganharem prioridade na lista para uma habitação social, que tem 700 famílias em espera. Para evitar alimentar esse negócio, o município vai agir como fez no bairro Nicolau, e vai realojar os moradores de uma vez só, para demolir de seguida. “Estamos a falar em mais do dobro das pessoas que tínhamos aqui. Na Viela de Lamas serão menos de dezena e meia, as pessoas abrangidas.

A comitiva deixou o bairro do Nicolau, encosta acima, enquanto os moradores e os funcionários da Domus, já cansados, carregavam os últimos pertences dos resistentes. Um vizinho do bairro ao lado aproveitava para levar consigo algumas coisas de “um amigo”, entre estas alguma loiça de cerâmica em bom estado, que exibia, satisfeito. Maria José, se pudesse, levava consigo o gato Tareco, visivelmente incomodado com o aparato de toda a cena. Mas ele, diz, não consegue estar num sítio fechado, tão habituado está à liberdade da encosta, batida pelo sol. Os animais também vão sair daqui, mas serão encaminhados para o canil/gatil. Esta terça-feira entram as máquinas.

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