As cidades do futuro têm que ter uma ideia para a sua economia

António Costa e Rui Moreira concordam que, sem empregos, Lisboa e Porto não vão conseguir atrair mais pessoas. “Estalinismo” do Estado dificulta adopção de estratégias alternativas.

O tempo das grandes obras que elegiam autarcas parece ter acabado e, no futuro, as cidades vão ter que concentrar-se em atrair gente para ali viver.

Esta é uma ideia que aproxima os presidentes das duas principais câmaras do país, que estiveram juntos num debate na Universidade do Minho, esta sexta-feira. Para que este objectivo seja atingido, os municípios terão que ter uma ideia para a sua economia: sem empregos, não há pessoas, concordam também.

“A preocupação dos autarcas será, cada vez mais, com o software do que com o hardware”, afirmou o presidente da câmara do Porto, Rui Moreira. Esta percepção foi reforçada pelo autarca de Lisboa, António Costa, para quem “uma das grandes inversões das prioridades de um presidente da câmara no futuro é preocupar-se com a economia da cidade”.

A ideia que ambos têm para a economia pode divergir – para Moreira, a reabilitação urbana do Porto é “um acelerador”; Costa vê Lisboa como espaço de afirmação de empresas de base tecnológica –, mas ambos concordam que, sem esta estratégia, não se atraem empresas para as cidades. E sem empresas, não há empregos que sejam capazes de fixar população.

O debate desta sexta-feira em Braga – no âmbito do ciclo UM Futuro, que assinala os 40 anos da Universidade do Minho – foi marcado pelas estratégias de atracção de população para as cidades. A discussão contou com o contributo de Will Wynn, mayor de Austin, no estado norte-americano do Texas, entre 2003 e 2009. Wynn ficou conhecido como o “mayor da música” pela forma como a cidade se afirmou no panorama musical com eventos com o festival SXSW. Esse foi apenas um dos pontos do seu programa, que teve também um enfoque nas políticas ambientais e nos estímulos à inovação, de forma a atrair uma nova geração de jovens com formação superior “talentosos e criativos”.

Foi assim que Austin recuperou dos 45 mil empregos perdidos no início do século pela deslocalização das empresas de hardware. “Hoje temos grandes empresas como a Facebook, a Apple ou a Google a instalarem-se na nossa baixa”, contou Wynn. Mas a estratégia que ali parece ter resultado é um pouco a inversa da preconizada pelos autarcas portugueses: “As empresas vieram porque precisaram de seguir a força de trabalho que nós fomos capazes de atrair”.

Como o antigo mayor de Austin sublinhou, não basta também a economia para atrair pessoas para uma cidade. “Tem que ser uma cidade onde eu goste que um amigo me venha visitar”, entende Rui Moreira. Para o autarca do Porto, as cidades devem inspirar-se no exemplo dos centros comerciais, criando “ruas perfeitas”: “As nossas ruas têm que ter o mesmo conforto, a mesma segurança, mas ser mais interessantes”.

A prioridade é “re-ocupar o espaço do donut”, ilustrou Moreira, recorrendo a uma imagem usada com frequência pelo geógrafo da Universidade do Porto Rio Fernandes para explicar o processo de desertificação dos centros das cidades. A figura acabou por ser uma constante ao longo do debate. Rio Fernandes estava na audiência e acabou por lançar uma questão: “Como se atenuam as desigualdades existentes nas cidades?”. Este especialista diz ver “com muita dificuldade” que “o buraco do donut venha a encher-se de gente com pouco dinheiro”, alertando para o perigo de gentrificação dos centros da cidade por via dos preços excessivamente altos das casas.

“É uma pergunta de resposta impossível”, reagiu António Costa. Já Rui Moreira afirmou que este é um assunto com o qual não tem que estar preocupado, advogando que o Porto já tem esse convívio interclassista no seu centro. Na sessão, os dois autarcas concordaram na denúncia das dificuldades que o Estado central coloca às autarquias, com as regras impostas que dificultam a capacidade de diferenciação das cidades. “O Estado não se quer regenerar e, como quer dar a impressão de que muda alguma coisa, vira-se para as autarquias”, denunciou o portuense Rui, que fala num “estalinismo legislativo” que é aplicado pelo Governo às cidades. Costa concordou e deixou uma ideia para futuro: “É aqui que está a verdadeira reforma do Estado”.

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