Alentejanos passam a perna aos nortenhos quando o assunto é sociedade de informação

Professor de Matemática cria Índice Digital Regional para medir desenvolvimento da sociedade de informação nas sete regiões. Lisboa surge destacadíssima, ilhas em último.

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Acesso às tecnologias varia muito de região para região Rui Gaudêncio

Quando o assunto é sociedade de informação, e tudo o que essa área envolve, e quando um professor de Matemática decide aprofundar o tema e criar um mecanismo inovador para apalpar o pulso às sete regiões NUT II portuguesas - Lisboa, Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira -, o resultado não deixa de ser surpreendente em alguns indicadores. Lisboa lidera o ranking, as ilhas aparecem em último. O Algarve surge em segundo lugar, o Centro em terceiro, o Alentejo em quarto e o Norte em quinto. As assimetrias regionais não se esbatem quando se aborda o acesso às novas tecnologias. Esta é uma das principais conclusões de um trabalho de doutoramento defendido na Universidade do Minho.

Luís Miguel Ferreira, professor de Matemática na Secundária Serafim Leite, em São João da Madeira, mestre em Ensino da Matemática, criou o Índice Digital Regional (IDR), uma inovadora ferramenta, no âmbito da sua tese de doutoramento Medir a Sociedade de Informação no Contexto Regional: Um Novo Instrumento e a Sua Aplicação à Sua Situação Actual, na área das Tecnologias e Sistemas de Informação, na Universidade do Minho. Aplicou o princípio da exaustividade, analisou os 15 rankings que existem no mundo sobre a matéria, reuniu 220 indicadores e usou 73, os que estavam desagregados em NUT II, que foram distribuídos por quatro classes ou subíndices – contexto, infra-estruturas, utilização e impacto – até chegar a um ranking, com todos os indicadores ponderados com o mesmo peso. O IDR é um instrumento inédito que mostra como o país se comporta na sociedade de informação, depois da análise dos 73 indicadores agrupados e que funcionam em conjunto. 

O Alentejo surge à frente do Norte no ranking final – o primeiro em quarto, o segundo em quinto. Apesar do Norte registar um melhor contexto para a integração na sociedade de informação do que o Alentejo, o seu nível de infra-estruturas e de utilização é bastante inferior, sendo apenas ultrapassado pela negativa pela região da Madeira.

Todavia, o Norte dá a volta e fica à frente do Alentejo em termos do impacto da utilização dos meios que a sociedade de informação coloca ao dispor, ocupando o terceiro lugar nesse subíndice. É mais eficaz nesse ponto e isso significa ter melhor performance no nascimento de empresas ligadas aos sectores de média e alta tecnologia, no número de pessoal ao serviço de actividades de tecnologias de informação e de comunicação, nos pedidos de invenções, na proporção de exportações de bens de alta tecnologia.

O Alentejo, por seu turno, apresenta um contexto razoável – e aqui foram analisados o índice do poder de compra, a taxa de escolaridade no ensino superior, a proporção de investigadores na população activa, a taxa de desemprego, entre outro itens -, nas infra-estruturas também está confortável, mas, no final tem um fraco impacto, o sexto pior no IDR, apenas ultrapassado pela negativa pelos Açores. Ou seja, muito uso, onde passa a perna a Norte, não significa melhores resultados e mais gente a trabalhar na área ou empresas a nascer no sector.

Lisboa surge destacadíssima no IDR, em primeiro lugar nos quatro subíndices analisados. É, indiscutivelmente, a região do país mais integrada e à-vontade na área das novas tecnologias. Tem a população com contexto mais favorável no acesso às tecnologias em geral, aos computadores e à Internet em particular, bem como as infra-estruturas mais desenvolvidas – leia-se agregados domésticos com acesso ao computador e à Internet, alojamentos cablados, número de caixas automáticas por mil habitantes, entre outros aspectos definidos no estudo.

É também a região em que se verifica um maior nível de utilização dos meios da sociedade de informação, não só pela população, como por parte das empresas, e ainda a que detém os melhores resultados em termos de impacto dessa utilização. “A supremacia de Lisboa é de tal forma evidente que é a única região, das sete regiões NUT II portuguesas, com um desempenho acima da média registada para Portugal”, adianta Luís Miguel Ferreira. Do lado oposto, estão as ilhas. Madeira em sexto, Açores em sétimo.

Um país desigual
“A construção da sociedade de informação em Portugal está a ser desencadeada sem evitar as assimetrias regionais, já conhecidas em outras áreas de desenvolvimento”, sublinha Luís Miguel Ferreira que confessa que não contava que o desequilíbrio fosse tão acentuado. “De facto, aquilo que acontece na região de Lisboa em termos de desempenho nos principais indicadores considerados na análise está muito longe daquilo que é o panorama do resto do país”, diz.

Um retrato desigual que, em seu entender, revela uma “oportunidade perdida em termos de condições para a promoção da coesão territorial”, quando a preocupação deveria ir no sentido de proporcionar igualdade de acesso aos meios da sociedade de informação. E numa altura, lembra, “em que os fundos comunitários alocados à região de Lisboa estão já limitados pelo facto de esta região, segundo os critérios europeus, ter atingido já um patamar de convergência com os níveis médios europeus que inviabilizam a canalização de meios financeiros para programas com financiamento comunitário”. “No entanto, esta realidade não tem impedido que se combatam as assimetrias regionais, em particular numa área de desenvolvimento relativamente recente, cujas estratégias europeias têm sido seguidas desde o seu surgimento”, acrescenta.

Depois da análise dos resultados, Luís Miguel Ferreira defende a criação de uma estrutura que “se preocupe com a recolha dos indicadores e a sua monitorização ao longo do tempo”, até para servir de base à definição de políticas públicas neste sector. Como investigador, compromete-se a aprofundar o IDR, a tornar a metodologia mais robusta e a actualizar a informação.

Durante a elaboração da tese de doutoramento, encontrou vários obstáculos. Dificuldades em encontrar dados desagregados por NUT II, para mostrar a realidade das sete regiões, dificuldades em analisar os vários planos elaborados para Portugal, nesta matéria, “pela pouca transparência como são apresentados”. Analisou vários, desde o Livro Verde para a Sociedade de Informação em Portugal, publicado em 2007, à Agenda Digital Nacional datada de 2012. Leu documentos com objectivos pouco precisos e, por isso, difíceis de avaliar. Leu planos sem continuidade, estratégias e orientações alteradas com as mudanças de Governo.

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