O bombeiro

O que distingue um voluntário de um profissional?

Um bombeiro voluntário do quartel municipal da Lousã e um bombeiro profissional dos Sapadores de Setúbal explicam ao PÚBLICO o seu dia-a-dia e as diferenças que vêem entre ser voluntário e profissional. Um é professor de Educação Física durante o dia, o outro dedica 100% do seu tempo à profissão de bombeiro. Apesar das diferenças, a missão é a mesma, dizem.

Mais de 80% dos bombeiros em Portugal são voluntários

Foi no dia em que fez 14 anos, sem dizer a ninguém, que se voluntariou para ser bombeiro. O pai era comandante dos Bombeiros Municipais da Lousã e por isso sempre fez parte da sua infância vê-lo reagir ao toque da sirene, de dia ou de noite. Preencheu os papéis e entregou-os no quartel, onde o próprio pai viria a aceitar a sua entrada como cadete.

Passados 28 anos como bombeiro voluntário, Luís Ramos, com 42 anos, já ocupa um cargo de chefia no quartel mas nunca ponderou tornar-se profissional. Hoje, 87 por cento dos bombeiros cujo vínculo laboral está registado na Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) são voluntários, segundo os dados do Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses. Do total de bombeiros (63713), 77 por cento, ou seja, 28121 elementos, são bombeiros no activo.

Quando Luís Ramos foi aceite, fez uma formação básica, e mais tarde, aos 17 anos, fez a instrução para bombeiro. "Era-nos dada a experiência básica, fazíamos o exame e éramos admitidos à classe de bombeiros." Foi subindo até chegar a bombeiro de primeira e pelo meio fez vários cursos, incluindo o de brigadas helitransportadas. "Quando cheguei à altura de chefiar, fui fazer o curso de chefes de equipas de combate a incêndios florestais, que marca a passagem de bombeiro-executor para bombeiro com funções de comando."

Apesar de tudo, o dia-a-dia continua a ser marcado pela sua profissão: é professor de Educação Física na Lousã há 18 anos. Terminado o horário de trabalho na escola, fica atento aos pedidos de reforços que podem chegar do quartel, por sms ou pelo toque da sirene. "Normalmente, nós, voluntários, temos três dias por mês de escala para o serviço de saúde, ou seja, noites, fins-de-semana ou feriados. Acresce a isto uma ou duas formações. Para além disso, estamos disponíveis desde que a nossa profissão o permita." Há também as chamadas para as diferentes ocorrências, desde quedas de árvores, acidentes rodoviários ou salvamentos. Já no Verão, durante três ou quatro meses, são os incêndios florestais que mais o ocupam, sobretudo tendo em conta estar inserido na serra da Lousã.

Por mês recebe entre 15 e 20 euros. Se fizer um turno de 12 horas durante o Verão, como membro de uma equipa permanente de combate, são 20 euros, suportados pela Protecção Civil. "O voluntário em si normalmente não recebe nada. Na Lousã, quem nos tutela é o município e dentro das suas capacidades dá-nos uma pequena ajuda por cada noite e por cada hora de serviço." O esquema de organização do quartel da Lousã baseia-se em ter uma equipa permanente, composta por bombeiros assalariados ou que estão nos quadros da câmara. Depois, nas situações em que são precisos reforços, resta espalhar o alerta para pedir mais bombeiros.

Quanto ao equipamento, tem vindo a ser feito um esforço para o melhorar, diz Luís Ramos. "Quando os mais novos hoje se queixam de que não têm equipamento para um incêndio, lembro-lhes que sou do tempo em que íamos para qualquer fogo que nos aparecesse com umas botas de cano alto, um fato-macaco velho que já tinha sido de alguém, um cinto à bombeiro e um chapéu na cabeça. Neste momento, já vou confortável e seguro para um fogo", conclui, lembrando no entanto que muitas vezes ter um equipamento completo depende do investimento pessoal do bombeiro. "Ao pé dos profissionais por vezes tenho vergonha de ter o equipamento que tenho."

"O objectivo é o mesmo"

Para além disso, Luís Ramos vê na experiência e no "tempo dedicado à causa" as grandes diferenças entre um bombeiro voluntário e um profissional. Um limita-se ao tempo que lhe sobra da profissão, o outro dedica-se 100% a ser bombeiro.

É o caso de Jorge Couto, de 40 anos, bombeiro há 18 anos nos Sapadores de Setúbal.

"Sigo os ensinamentos do meu avô. Era pescador, como o resto da minha família, foi ele que me criou, e dizia-me que nós aprendemos toda a vida." Agarrando nesse princípio, fez vários cursos desde a entrada nos bombeiros e, durante o tempo em que esteve parado por causa de um acidente de trabalho, fez uma licenciatura em Engenharia da Protecção Civil e começou um mestrado.

O que distingue um voluntário de um sapador é, para Jorge Couto, a preparação. "O concurso de acesso para o profissional tem requisitos bastante exigentes: 12.º ano, menos de 25 anos, situação militar regularizada, somos também submetidos a testes físicos e psicológicos rigorosos. Depois temos uma formação inicial de um ano, seis meses em contexto de aulas com uma componente física, teórica e prática, mais seis meses de formação em contexto profissional. Só após um ano é que nos consideramos bombeiros profissionais."

Hoje, o dia-a-dia é passado no quartel. "Somos funcionários públicos, trabalhamos 36 horas por semana mas em turnos de 12 horas." Significa que em três dias cumprem o horário semanal e sobra muito tempo para a preparação física, a que se dedicam todos os dias de maneira a preparar as avaliações periódicas. Enquanto as manhãs no quartel são dedicadas ao treino físico, as tardes são dedicadas à formação, interrompida apenas quando há ocorrências. "Não perdemos tempo a pensar em ser bons técnicos de contabilidade, bons advogados ou bons engenheiros, mas apenas bons bombeiros."

É a câmara que adquire todo o equipamento básico, ficando ao critério de cada um comprar outros materiais complementares ou de melhor qualidade, "desde que não descaracterize o bombeiro em relação ao grupo". Os restantes equipamentos, como as viaturas, são adquiridos também pela câmara. Já em relação à remuneração, Jorge Couto esclarece que são cerca de 1000 euros como base, dependendo depois da posição. "Não é muito tendo em conta o risco do trabalho."

Ser bombeiro sapador numa zona urbana, em particular Setúbal, requer experiência em várias áreas – urbana, com a particularidade do centro histórico da cidade; florestal, por causa da serra da Arrábida; industrial e ainda marítima, por causa do porto. "Em Setúbal não podemos ser especializados num só tipo de ocorrência."

Luís Ramos concorda com a impossibilidade de um bombeiro ser especializado numa só área, mas sublinha o quão relevante é ter experiência em incêndios florestais para saber como reagir. Ambos estão de acordo em relação à missão que partilham. "O objectivo é o mesmo e estudamos pelos mesmos livros", diz Luís Ramos. Também coincidem na percepção da dureza física e psicológica do trabalho. "Evito levar para casa aquilo a que assisto. Houve uma vez um acidente aqui à porta da escola que me marcou e sonhei durante muito tempo com isso. Há coisas que nunca mais se esquecem."

Quais os equipamentos e os meios dos bombeiros?

Fontes: MAI- ANPC; Bombeiros Municipais Lousã; Companhia Bombeiros Sapadores Setúbal; Bombeiros.pt; PROVIC; diariobombeiro; Jacinto