Troco tudo por um Dia da Família

Eu nem me lembrava daquela jornada pseudo-festiva, até que recebi uma mensagem no telemóvel: “Feliz dia do capitalismo selvagem”. Era de uma das minhas filhas.

Estávamos numa quinta-feira, 19 de Março, data em que cá se homenageia o pai, graças a São José e ao referido sistema económico. Em tempos de expansiva emigração, não é fácil memorizar tais efemérides. Referências cronológicas quase sempre têm uma correspondência geográfica e, com a família pulverizada por quatro países, havia motivos de sobra para me confundir.

Diferentemente de Portugal, no Brasil celebra-se o Dia do Pai no segundo domingo de Agosto, no Reino Unido no terceiro domingo de Junho e na Alemanha 40 dias depois da Páscoa. Eu deveria estar feliz, pois, somando-se o meu aniversário, tenho cinco ocasiões para ganhar um bolo de fubá – que é com o que me honram.

Mas o excesso de possibilidades abriu a porta à procrastinação e eu, na qualidade de protagonista da festa, fui adiado. Não levei nada, nem sequer um queque de arroz. Na verdade, pouco importa. Os dias de culto aos progenitores são bonitos mas insustentáveis, sobretudo porque semeiam frenéticas erupções consumistas. De outra forma, provavelmente não existiriam. Basta ver que no Brasil, por exemplo, a versão local do Dia do Pai nasceu da cabeça de um publicitário. E onde anda um publicitário, há sempre algo a vender – um corolário intrínseco ao ofício. A ideia original era celebrá-lo a 14 de Agosto. Mas logo ajustaram o calendário para que a data caísse sempre num domingo, deixando o sábado estrategicamente livre para as compras.

Já o Dia da Mãe, no Reino Unido cai em data precoce, no quarto domingo da Quaresma. Este ano foi a 15 de Março e nesse dia minha mulher pelo menos foi avisada: “Tens de escolher que dia é que queres, mãe”. Podia ficar o assunto resolvido logo ali, mas a pendência transitou para a próxima oportunidade – o primeiro domingo de Maio (Brasil), o segundo domingo do mesmo mês (Portugal) ou talvez num, talvez noutro (Alemanha).

A veneração à mãe, plenamente justificada, vem da antiguidade. Mas também vestiu a pele comercial tão logo foi oficializada. Para muitos, é sobretudo um exercício de conjugação do verbo comprar. Nos Estados Unidos, onde a gramática monetária é levada a sério, a mobilização em torno da glorificação materna em 2014 estava estimada em 20 mil milhões de dólares – quase um quarto do que o Estado português gasta num ano. Em vez de cortar nos salários, o Governo bem poderia ter sugerido à troika a instituição de um dia das mães em cada trimestre.

Ainda temos o Dia da Criança, advento mais recente, que mereceu louvores épicos das fábricas de brinquedos. Sempre disse aos meus filhos que se tratava de uma invenção do capitalismo selvagem. Agora estou a receber o troco.

Datas especiais como estas são como os picos de consumo de energia: é preciso haver capacidade suficiente em produtos, restaurantes, parques de estacionamento, gasolina e sobretudo paciência para suportar as hordas simultâneas de homenageantes que querem agradar aos homenageados.

É por isto que estou disposto a trocar tudo por um único Dia da Família. Cada uma escolhe o seu e junta-se para uma jornada de actividades que divirta, confraternize, anime, aproxime, entusiasme, inspire. Sem presentes, sem exageros de consumo. Com 365 datas possíveis, não haverá atropelos nem correrias.

Alguém ainda há-de estragar a ideia, encontrando uma forma de lhe extrair dinheiro. Mas na minha família já está, só falta acertarmos o dia.

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