A história de um cedro que o vento levou

O "cedro de São José", na verdade um cipreste que é parte da história da mata do Buçaco, resistiu a tudo até durante mais de 300 anos. O mau tempo de sábado deixou-o à beira do fim.

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O "cedro de São José" ficou reduzido "a um tronco e um pequeno ramo de pé" Foto: DR
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Pormenor da mata do Buçaco antes do mau tempo... Foto: DR
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... e o mesmo local depois dos ventos fortes Foto: DR

Os últimos dias têm sido de uma grande agitação, e tudo por causa do mau tempo deste fim-de-semana. Pela mata do Buçaco, no Centro do país, andam dezenas de pessoas atarefadas a tentar resolver os estragos causados. Preocupam-se com milhares de árvores derrubadas, mas com uma em especial. É o centenário cedro do Buçaco que mais os comove, e isto porque se agarra a uma réstia de vida.

Plantado em 1644, ou talvez antes, o cedro do Buçaco já viveu muito. O seu nome científico – Cupressus lusitanica – sugere tratar-se de uma espécie portuguesa. Mas, na verdade, estima-se que a Ordem dos Carmelitas o tenha trazido das regiões montanhosas do México, da Guatemala e da Costa Rica.

Foi o naturalista Philip Miller quem descreveu a espécie, em 1768, a partir de exemplares que viu no Buçaco, quando lá esteve nessa altura. Daí o engano quanto à origem da árvore.

Apesar da sua classificação como um cipreste, a árvore foi popularmente reconhecida como um cedro e lá ficou no coração da mata do Buçaco, ao lado da Ermida de São José e, em honra deste santo, partilhou com ele o nome. Chamam-lhe "cedro de São José".

Ao longo de quase quatro séculos, resistiu a muitas chuvas e ventos e até a um ciclone, em 1941 – data das maiores rajadas de vento de que há registo em Portugal. Viveu situações que apenas os livros podem contar e neste fim-de-semana ficou com a vida em risco.

Restou o tronco
"É apenas um tronco e um pequeno ramo de pé", descreve Milene Matos, investigadora do departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Milene trabalha na Fundação da Mata do Buçaco há dez anos e há dez anos que estava habituada a ver os cerca de 5,5 metros de perímetro do tronco castanho-avermelhado do cedro de S. José rodeados de crianças em visitas escolares.

Foram dez anos – e muitos outros antes – de boas recordações e, por isso, no sábado do temporal, não resistiu quando olhou para a árvore. "Chorei baba e ranho. É quase como perder uma pessoa. É uma perda irrecuperável e um sentimento de impotência perante um acidente fortuito como este", explica a investigadora, que conhece quase de cor os 105 hectares e as mais de 250 espécies de árvores e arbustos da mata.

Helena Mergulhão é voluntária desde que a fundação abriu portas, em 2009, e também ela anda agora na luta para devolver ao Buçaco a tranquilidade que os carmelitas tanto apreciavam no século XVII. "Quando se entrava na mata do Buçaco, era um paraíso para quem gosta da natureza", conta, comovida, numa entrevista por telefone. "Estou a dizer-lhe isto e as lágrimas correm-me pela cara abaixo", acrescenta. Ouvem-se. De repente, param e dão lugar à indignação: "Quando cheguei à mata, entrei em pânico e chorei. Andámos nós anos a lutar sem meios, recebemos centenas de turistas, e não temos apoios. Os meios são os nossos braços e pernas."

Ao longo dos anos, o "cedro de S. José" sempre foi alvo de curiosidade de turistas e visitantes nacionais que, em excursões à Mealhada, na mata do Buçaco, eram apresentados a uma árvore verde de grande importância: a primeira espécie exótica introduzida no Buçaco, o cedro mais antigo de Portugal e, provavelmente, da Europa.

Às crianças, em vez de se falar no bispo de Coimbra D. Manuel, que, em 1628, entregou a mata aos carmelitas, contava-se a história do duende Alcino, um heterónimo inventado para atrair os mais novos. O nome era diferente, mas a bondade e o amor pela natureza eram os mesmos.

Acesso difícil
Agora, depois de milhares de árvores terem sido derrubadas pelo vento, o acesso ao cedro tornou-se difícil. Difícil de mais para as pernas de Henrique Gonçalves, que, passados 82 anos, já tiveram outra força. Entrou pela primeira vez na mata do Buçaco em 1945. "Ajudei a plantar os fetos e árvores e arbustos do jardim", conta. Em 1960, passou a guarda-florestal e viveu cinco anos na mata. "Aquilo marca uma pessoa e deixa saudades". Por isso, volta todas as semanas, geralmente aos domingos, e também ele não conseguiu conter as lágrimas ao saber que a relíquia da mata pode estar perto do fim.

Até esta quinta-feira, a fundação vai continuar fechada ao público e, nos próximos meses, o cedro não poderá ser visitado. "Já foram técnicos especializados ao local para ver o que se pode fazer, como sarar as suas feridas", diz o presidente da Fundação da Mata do Buçaco, António José Franco, acrescentando que talvez em Março se possa ver o ex libris natural do Buçaco.

A incógnita permanece sobre a mata do Buçaco, embora todos estejam confiantes de que um cedro que já viveu mais de 300 anos poderá viver outros tantos. "Ele sempre esteve de saúde, nada disto se previa", diz Milene Matos, referindo-se ao efeito, na árvore, das fortes rajadas de vento que fustigaram a mata neste fim-de-semana. "Eu acredito que ele vai dar a volta por cima e voltar a ser a nossa jóia", considera António José Franco. O quadro clínico poderia ser melhor, mas, enquanto existirem folhas verdes, há esperança.

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