Céptico do clima põe versão de futuro relatório do IPCC na net

Autor de blogue diz que painel climático da ONU dá relevância a factores não-humanos no aquecimento global. Mas versão divulgada conclui o contrário.

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Degelo no Árctico: a versão definitiva do novo relatório do IPCC só saíra em 2013 DR

Não é nenhum novo climategate – o caso que envolveu a divulgação ilegal de emails de cientistas climáticos em 2009 –, mas tem alguns ingredientes em comum. Uma versão preliminar e até agora reservada do próximo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) foi publicada num blogue na Internet, cujo autor alega que o documento reconhece que variações naturais do Sol também têm influência sobre o aquecimento global.

O relatório preliminar – referente a um dos três volumes que o IPCC vai divulgar em 2013 – foi publicado esta quinta-feira pelo norte-americano Alec Rawls, que mantém o blogue Stop Green Suicide e contribui ocasionalmente para o site Watts Up With That, um dos principais a veicular posições contrárias à tese da culpa humana nas alterações climáticas.

Rawls cita um parágrafo de um dos capítulos do documento como prova de admissão, por parte do IPCC, de que os raios cósmicos exercem uma influência sobre o aumento da temperatura – uma teoria defendida, em particular, pelo investigador Henrik Svensmark, do Instituto Nacional Espacial da Dinamarca. Segundo esta teoria, há uma relação entre estes raios e a formação de nuvens, que reflectem a luz do Sol, baixando a temperatura. Mas em fases de elevada actividade solar, os campos magnéticos criados à volta da Terra desviam os raios cósmicos, resultando em menos nuvens, mais radiação solar e aquecimento da atmosfera.

O parágrafo citado por Rawls fala na existência de “várias relações empíricas” entre os raios cósmicos e o sistema climático. Mas alguns cientistas vieram já dizer que Rawls extraiu cirurgicamente uma fracção do texto, sem mencionar o que vinha a seguir. “Isto é absolutamente ridículo”, afirma Steve Sherwood, da universidade australiana de New South Wales e um dos autores do capítulo onde aparece o parágrafo citado. “Eu tenho a certeza que podem ler esses parágrafos e a sua síntese, e ver que concluímos exactamente o contrário, que o efeito dos raios cósmicos (…) é negligenciável”, afirmou, numa entrevista à cadeia australiana de rádio e televisão ABC. Segundo Sherwood, o que fica claro é que o IPCC está a considerar todos os estudos e teorias sobre as alterações climáticas.

O investigador português Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa e revisor de outro volume do relatório do IPCC, diz que experiências que vêm sendo conduzidas no acelerador de partículas do CERN – a Organização Europeia para a Investigação Nuclear – apontam no mesmo sentido. “Não há qualquer espécie de indicação de que os raios cósmicos tenham esta influência”, disse ao PÚBLICO.

A versão preliminar do “sumário para decisores políticos” – um resumo com os principais pontos do relatório do IPCC – classifica como “virtualmente certo” (99% de certeza) que as actividades humanas sejam responsáveis por um aumento da energia na Terra e “extremamente provável” (95% de certeza) que respondam por mais da metade do aumento da temperatura do planeta desde 1950.

Esta versão do sumário - que provavelmente sofrerá modificações - diz que o aquecimento global é “inequívoco”, que houve uma subida de 0,5 graus Celsius na temperatura média global desde 1901 e que há mais evidências de que os glaciares e as massas polares de gelo estão a derreter. 

O IPCC não quis comentar o conteúdo da versão preliminar do relatório e alerta para o facto de o processo não estar concluído. “A divulgação não autorizada e prematura das versões preliminares (…) pode causar confusão, porque o texto será necessariamente alterado nalguns aspectos, quando todos os comentários dos revisores forem levados em conta”, diz o IPCC, num comunicado.

O painel climático da ONU também refere que até Março de 2013 poderão ainda ser submetidos e avaliados novos estudos científicos sobre as alterações climáticas, de modo a serem integrados na avaliação. “O texto que foi divulgado não é, por isso, o final”, refere o IPCC. A versão definitiva deve ser aprovada e difundida em Setembro de 2013.

É comum as versões preliminares dos relatórios do IPCC sofrerem várias alterações até serem aprovadas - seja fruto dos comentários dos revisores, seja por iniciativa dos governos, que fazem parte do painel climático da ONU.

Quinta avaliação

O relatório é parte da quinta avaliação do IPCC sobre o que se sabe acerca das alterações climáticas. A última foi divulgada em 2007. Estas avaliações estão divididas em três grupos de trabalho - sobre o que está a acontecer com o clima, os possíveis impactos hoje e no futuro, e o que pode ser feito para combater o problema.

O trabalho envolve directamente centenas de autores e foi sujeito a uma consulta, que terminou no final de Novembro, e da qual resultaram 31 mil comentários, de 800 especialistas e 26 governos.

Foi no âmbito desta consulta que Alec Rawls conseguiu uma cópia do relatório, ao ter-se inscrito como revisor junto do IPCC. “É lamentável que um, em muitas centenas de revisores, tenha quebrado os termos da revisão e divulgado as versões preliminares”, diz o IPCC.

Mas o episódio está a lançar um debate paralelo, sobre se não deveria ser mais transparente o processo de elaboração desses relatórios – que são um guião para governos, organizações internacionais e para a diplomacia climática. Para Andrew Revkin, colunista de ambiente do New York Times, o caso mostra que as políticas e procedimentos do IPCC “são terrivelmente desajustados para uma era em que a transparência será cada vez mais exigida às organizações que fazem trabalhos com consequências na área da energia e do ambiente”.

O IPCC defende-se, dizendo que o processo é aberto e que qualquer pessoa que se declare um especialista pode participar e terá todos os seus comentários devidamente avaliados. Quando o relatório estiver concluído, diz o IPCC, todas as versões preliminares e todos os comentários serão divulgados.

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