Um comunicado, dois comunicados, muitos comunicados

1. Por variadíssimas vezes, neste espaço, demos conta que a competição desportiva se joga, cada vez mais, em recintos que vão bem para além do recinto de jogo. A realidade dos últimos oito anos demonstra-o à saciedade. As organizações e agentes desportivos adquiriram um sentido bem mais vincado dos direitos e interesses legítimos e, paralelamente, dos deveres e obrigações dos outros. O Direito passou a ser um recinto de jogo.

2. A este respeito muitos afirmam que tal representa como que um desvirtuar do desporto, do valor da vitória em campo. Não comungamos dessa opinião que menosprezam as regras jurídicas, desde logo as regulamentares, vendo na aplicação das mesmas – e nos seus efeitos – negativas “vitórias na secretaria”.

Esquece-se, todavia, que para além do desporto ser uma realidade que, do ponto de vista técnico, impõe, como seu ADN, as suas “leis do jogo”, são aquelas regras regulamentares que asseguram a legalidade da competição ou prova. Sem as mesmas não haveria igualmente de tratamento quanto aos participantes das competições e, se as mesmas são desrespeitadas, coloca-se em grave crise a verdade desportiva.

3. Dois clubes de futebol “incendiaram” o panorama comunicacional com comunicados e a promessa de acções em tribunais e órgãos desportivos.

Sobre o comunicado do Sporting Clube de Portugal, a respeito da responsabilidade a assacar a árbitros e agentes de arbitragem, por eventuais danos sofridos no passado, já alinhámos algo na semana passada.

Aparentemente tendo por base esse comunicado, o FC do Porto, comunicou, por seu lado, a entrega de uma participação disciplinar na Comissão de Instrução e Inquéritos da LPFP.

4. Para o FC do Porto estamos perante uma “intolerável violência moral com a intenção de constranger os agentes desportivos. Assim, encontra-se preenchida a norma do artigo 66º do Regulamento Disciplinar da Liga que o clube que exerça violência moral sobre qualquer elemento da equipa de arbitragem com o fim de poder, por qualquer forma, ocasionar condições anormais na direcção do encontro com consequências no resultado, é punido com a descida de divisão e multa. A tentativa, por seu turno, é punida com a derrota e multa.

5. Vai daí, um outro comunicado do Sporting, realçando que o recurso “à lei e a meios judiciais para defesa de direitos e interesses de um clube ou sociedade desportiva corresponde a um exercício legítimo de um direito”.

Adita, em contra ataque, que o FC do Porto, no passado – embora não tendo agentes de arbitragem por referência, mas antes membros de um órgão disciplinar – também procedeu do mesmo modo.

No momento em que escrevo – consultada a respectiva página – o FC do Porto parece que ainda não (re) comunicou.

6. Não retirando uma linha ao que escrevi nos dois primeiros pontos deste texto, apetece-me, porém, terminar com uma história de um conflito. E, nos conflitos, não há grandes e pequenos. Os conflitos são sempre grandes para quem é parte nos mesmos.

7. Pessoa amiga relatou-me o seguinte. Um dia alguém de bom coração levou um gato – ferido –, que recolheu na rua, a um veterinário. Este médico de pronto assistiu o gato que, mais tarde, já recuperado e sem sinais de identificação, ficou disponível para “adopção”. O que veio a suceder. Mais tarde ainda surgiu o «dono legítimo» do gato exigindo a devolução do mesmo à “família biológica”. Tal não sucedeu e parece que, legitimamente, o dono continua a pugnar pelo retorno do seu animal de companhia.

8. Não é só o futebol “que é assim”; a vida “também é assim”.

josemeirim@gmail.com

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