Salvar o futebol brasileiro da “gestão temerária”?

1. O Brasil é futebol, encarado mesmo como património cultural. O Brasil é também, nas duas últimas décadas, um enorme espaço de Direito do Desporto, proliferando cursos, revistas e acesso debate. O Brasil é, ainda, um país onde a resposta legislativa sobre a actividade desportiva têm vindo em crescendo o que, bem vistas as coisas, acaba, necessariamente, por potenciar o desenvolvimento da leitura jurídica do desporto. Fenómeno similar ocorreu em Portugal a partir dos anos noventa do século passado.

2. No passado dia 19 de Março foi publicada uma medida legislativa que institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, dispondo sobre a gestão temerária (gosto desta) no âmbito das entidades desportivas profissionais. Ofereçamos um brevíssimo registo desta medida, como que abrindo o apetite para a sua leitura integral.

3. Em primeiro lugar, cria-se o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro - PROFUT, com o objectivo de promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiro das entidades desportivas profissionais de futebol.  Os clubes – simplifiquemos a linguagem - que aderirem ao PROFUT poderão parcelar - até 180 prestações mensais -, entre outros, os débitos junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Banco Central do Brasil.

4. Em segundo lugar, estabelecem-se as condições – para aceder ao PROFUT - e um conjunto de obrigações - a cumprir por via dessa adesão - para os clubes.

Centremo-nos nestas últimas. Assim, para que se mantenham no PROFUT, os clubes têm que, entre tantas outras condições exigidas, assegurar a regularidade das obrigações laborais e tributárias federais correntes, vencidas a partir da data de publicação desta Medida Provisória.

Por outro lado, são obrigados a reduzir o déficit ou prejuízo, nos seguintes prazos: a) a partir de 1º de Janeiro de 2017, para até dez por cento de sua receita bruta apurada no ano anterior; b) a partir de 1º de Janeiro de 2019, para até cinco por cento de sua receita bruta apurada no ano anterior; c) a partir de 1º de Janeiro de 2021, sem déficit ou prejuízo.

No que respeita aos profissionais contratados, os clubes devem assegurar o seu cumprimento e o regular pagamento dos encargos referentes a verbas atinentes a salários, de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de contribuições previdenciárias, de pagamento das obrigações contratuais e outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação directa com o salário. Devem ainda demonstrar que os custos com folha de pagamento e direitos de imagem de atletas profissionais de futebol não superam setenta por cento da receita bruta anual. Devem manter um investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino. 

5. Por fim, é exigida a “participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade” e a “representação da categoria de atletas no âmbito dos órgãos e conselhos técnicos incumbidos da aprovação de regulamentos das competições”.

6. Estas medidas, ponde agora de parte as especificidades da organização do futebol brasileiro, evidenciam, como é bom de ver, o alinhamento com outras adoptadas já por diversas e bem diferentes entidades, como é o caso da UEFA, do Governo de Espanha e da Liga Espanhol de Futebol.

E, não sendo certo que se tornem efectivas e que não levantem questões jurídicas complexas – veja-se o caso das regras da UEFA sobre o fair play financeiro e recentes decisões dos tribunais espanhóis - a mensagem é a mesma: salvar o futebol de “gestão temerária”.

7.Valerá a pena pensar em português europeu?

josemeirim@gmail.com

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