Queridos inimigos recuperam antiga sociedade

O futebol escocês sem a chamada Old Firm fica quase sem história. A velha sociedade entre os dois vizinhos rivais que fortalece as tesourarias do Celtic e do Rangers retoma a sua actividade normal no dia 10 de Setembro depois dos quatro anos de purgatório dos "azuis" de Glasgow.

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Reuters

Em 2012, fustigado pelas dívidas e perseguido pelo fisco alertado pelos exagerados valores da contratação de vários jogadores, o Rangers foi condenado à descida ao quarto escalão, no ano em que ganhou tudo: o campeonato, mesmo arrancado a ferros pela diferença de golos, a Taça da Escócia e a Taça da Liga. Em 16 anos, foi 14 vezes campeão e continua a ter mais títulos do que o rival.

O Celtic nasceu como clube de ajuda aos mais pobres habitantes de Glasgow, orgulhoso das suas raízes irlandesas, com os adeptos emocionados quando cantam o hino da Irlanda, o Soldier's Song. É uma paixão enorme que em 2003 arrastou até Seviha mais de 100 mil adeptos para a final da Taça UEFA com o FC Porto, mesmo que a esmagadora maioria soubesse que não ia ter lugar no Estádio Olímpico, nem melhor cama do que um banco de jardim. Sem opositor, o Celtic voltou a ser campeão na época passada com uma vantagem de 15 pontos, de resto ao nível das desinteressantes vitórias anteriores, chegando aos 29 pontos de diferença.

Em 1888, o padre Wilford pensou que a melhor forma de apoiar os pobres miúdos das ruas de Glasgow seria a formação de um clube de futebol. Do outro lado da cidade já tinha nascido, 15 anos antes, outro com o nome pescado numa equipa de râguebi, que tinha sido criado por uma certa elite com raízes no patronato industrial, prosélito da religião protestante e do império britânico. Durante muitos anos, a forte rivalidade entre ambos fez do derby um confronto ferozmente apaixonado que justificava a existência de drásticas medidas de segurança, devido ao sectarismo de adeptos de ambos os lados. Cadete, pelo Celtic, e Nuno Capucho, com as cores azuis do Rangers, viveram-no também intensamente.

O clube dos fiéis à coroa inglesa endividou-se de forma insuportável e declarou-se em falência, o que foi punido com dez pontos a preceder a despromoção. Os adeptos do Celtic receberam a notícia da praga que atingiu o adversário com sentimentos contraditórios. Por um lado, gozavam com a queda do odiado vizinho, mas por outro iriam sentir-lhe a falta na luta anual pela supremacia doméstica.

Estes quatro anos foram ainda mais cinzentos do que é habitual sem a rivalidade que é um dos contributos mais importantes para amenizar as crónicas dificuldades de tesouraria que afectam os clubes escoceses. O cenário poder-se-ia tornar menos cinzento se a Premier League inglesa lhes permitisse a entrada nesse reduto elitista, mas a realidade parece bem mais difícil do que o sonho, sabendo-se que a corrente que apoia o Rangers quer continuar a manter a sua ligação à Inglaterra, mas deseja conservar o seu estatuto europeu.

A rivalidade entre os dois clubes não demorou muito a ganhar raízes. O primeiro jogo entre as duas equipas teve 20 mil espectadores e foi ganho pelo Celtic por 5-2. Só mais de um século depois é que terminou o "apartheid" político e religioso que impedia a liberdade de escolha dos jogadores independentemente da sua religião e credo politico e foi um nome conhecido do futebol português, Graeme Souness, que revogou a norma, no Rangers, quando em 1986 rompeu com 116 anos de tradição. 

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