Quando as estrelas perdem o brilho

Entrar num ciclo vicioso negativo pode transformar um futebolista idolatrado num fiasco. Não faltam exemplos de jogadores que sofreram um “apagão”: o colombiano Falcao é a mais recente vítima.

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Uma imagem rara: Falcao comemora um golo ao serviço do Manchester United Darren Staples/Reuters

No futebol, como na astronomia, há estrelas que desaparecem para nunca mais serem vistas. Exemplos destes eclipses não faltam e o mais recente está a ser protagonizado por Radamel Falcao. O avançado colombiano está a viver um pesadelo desde que rumou ao futebol inglês, onde chegou para fazer parte da nova vida do Manchester United. Mas não ganhou a confiança de Louis van Gaal, soma aparições fugazes e está longe de ser a referência atacante dos red devils. Já actuou pela equipa de reservas e é cada vez menos provável que o clube accione a milionária opção de compra que ficou acordada com o Mónaco: o empréstimo de um ano custou mais de oito milhões de euros e a aquisição definitiva ascende a 59,2 milhões de euros. Mas o colombiano não está sozinho.

O percurso de Falcao mostra que o avançado colombiano não aliou o instinto goleador às opções certas para a sua carreira: chegou ao futebol europeu há cinco anos mas só actuou na Liga dos Campeões em 2009-10, pelo FC Porto. Quando trocou os “dragões” pelo Atlético de Madrid, em 2011, fê-lo abdicando da Champions. E dois anos depois rumou ao Mónaco, que nem estava nas competições europeias. No início desta temporada, com Leonardo Jardim ao comando e o emblema monegasco de regresso à principal prova europeia de clubes, Falcao voltou a mudar-se. Mas Old Trafford não está a ser o teatro dos sonhos do colombiano. “Estou concentrado, faltam oito jogos e tudo pode acontecer. Quando o campeonato terminar farei uma análise, mas preciso de um lugar onde tenha continuidade e possa jogar”, admitiu Falcao à rádio colombiana Caracol, acrescentando: “A relação pessoal [com Louis van Gaal] é difícil de qualificar. Cada treinador tem uma maneira diferente de lidar com o grupo, são diferentes culturas, formas de pensar e filosofias.” Nos red devils o avançado fez 23 jogos e marcou apenas quatro golos.

A situação que Falcao vive é idêntica à de milhares de outros futebolistas. “A cada período de transferências temos exemplos de jogadores que não conseguem render aquilo que era suposto. Os jogadores com este nível habituam-nos a um alto nível de rendimento, mas há factores da vida pessoal, factores que não conhecemos, que influenciam o rendimento desportivo”, indicou ao PÚBLICO o professor Jorge Silvério, doutorado em Psicologia Desportiva. “No caso do Falcao, ele tinha acabado de vir de uma lesão, ainda por cima com aquela pressão de estar no Mundial, e houve muitas expectativas. Após uma lesão, um conjunto de dúvidas instala-se: se será capaz de recuperar o lugar na equipa, de voltar ao nível em que estava, a autoconfiança”, acrescentou.

“As coisas não correm bem, o treinador não tem apostado e ele começa a interrogar-se. Não conseguindo marcar golos – no caso de um avançado o factor que mede o rendimento – instala-se a dúvida. É um ciclo vicioso negativo, a que se juntam as dúvidas em relação ao futuro. Alguns jogadores precisam de ser resguardados, outros fazem disso uma motivação”, explicou ainda Jorge Silvério.

O caso de Anderson
Muitos nomes poderiam juntar-se a Falcao na lista de futebolistas que sofreram um “apagão”: Fernando Torres, Mario Balotelli, Bojan Krkic, Ibrahim Afellay, Timo Hildebrand, Royston Drenthe (e, mais ligados ao futebol português, Yannick Djaló, Steven Vitória, Shikabala ou Bebé). O treinador do Portimonense, Carlos Azenha, lembrou ao PÚBLICO o caso do brasileiro Anderson, com quem trabalhou no FC Porto em 2006-07. “Os jogadores têm de conhecer o clube e o país para onde vão. O Anderson foi para o Manchester United disputar um lugar com o Paul Scholes. O estilo do Anderson não era adequado para o futebol inglês”, apontou o técnico. Sobre Falcao, Azenha diz que “não há dúvida sobre a competência” do colombiano. Mas circunstâncias fazem o avançado duvidar: “Ele próprio põe em causa o seu valor. Em Inglaterra dizem que é um fiasco. A conjuntura não é a melhor.”

“Há quatro factores que influenciam o rendimento desportivo: técnico, táctico, físico e mental. Mas o aspecto mental continua a ser desprezado. Se os clubes também o avaliassem, a probabilidade de errar era menor”, resumiu Jorge Silvério, para ilustrar a importância do acompanhamento psicológico.

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