“Nenhuma das ligas evoluídas usa o sorteio para designar os árbitros”

Em entrevista, Pedro Proença fala da sua nomeação para o Comité de Arbitragem da UEFA e da arbitragem nacional e diz que ainda está por explicar a nomeação de Marco Ferreira para a final da Taça.

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Pedro Proença e o caso Marco Ferreira: "Isso precisaria de uma resposta convincente e eu não a tenho" Enric Vives-Rubio

Sete meses depois de ter anunciado o fim da sua carreira como árbitro, Pedro Proença foi nomeado para o Comité de Arbitragem da UEFA, o primeiro português a integrar esta instância em mais de uma década. Ao PÚBLICO, na primeira entrevista que concede depois da nomeação, aquele que é considerado o melhor árbitro português de sempre refere que esta é uma grande vitória para o futebol nacional, referindo ainda que a indicação de Marco Ferreira para a final da Taça devia ser explicada. Já em relação ao sorteio como forma de designar os árbitros, em tese, é contra.

PÚBLICO: O que é que traz de bom a Portugal e à arbitragem portuguesa ter um português neste comité?
Pedro Proença: É um posicionamento que há muitos anos não acontecia. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) tem feito um trabalho extraordinário no sentido de conseguir que muitos portugueses estejam nos lugares de decisão internacionais. A esse nível, é uma grande vitória do futebol português. Há muitos anos que não tínhamos uma voz activa a esse nível, desde o tempo de Vítor Pereira. Depois houve um hiato de muitos anos. Para o futebol português é um dado de prestígio, para a arbitragem nacional é o ponto mais alto do dirigente em termos de arbitragem. Para que servirá esta função? Basicamente, numa primeira fase, assegurar a voz da federação nos temas que digam respeito à arbitragem, num segundo ponto, servirá para ajudar na introdução de novas metodologias, tecnologias, alterações às leis de jogo, ter este acompanhamento, no fundo ser um veículo transmissor deste tipo de situações, levar às instancias internacionais tudo o que seja as sensibilidades dos clubes, das associações e da própria federação daquilo que são preocupações da arbitragem. Depois, na gestão da carreira dos árbitros internacionais, e nisto, entenda-se, a formação e a possibilidade de poder colocar ou agilizar os processos que possam colocar os bons árbitros portugueses internacionais nas grandes competições europeias.

Leva algumas ideias para propor neste comité de arbitragem?
Introduzir novas metodologias e tecnologias que possam permitir aos árbitros terem melhores instrumentos para decidirem melhor, no fundo, defender a verdade desportiva. Serei um incessante defensor da introdução deste tipo de metodologias.

Isto surge alguns meses depois de ter deixado de ser árbitro. Porquê continuar ligado à arbitragem?
Este foi um dos vários projectos que me apareceram, que me motivou. Senti que a arbitragem portuguesa necessitava de referências internacionais. Foi nesse sentido corporativista, na acepção positiva da palavra, o que me levou a aceitar este convite, sempre com o desiderato de poder ser uma peça para melhorar a arbitragem em Portugal, ou ser o elemento facilitador ao bom desenvolvimento da arbitragem.

Pierluigi Collina foi importante para esta decisão?
Foi fundamental. É uma grande referência que eu tenho, não só como dirigente, mas como homem. Teve uma carreira única na arbitragem internacional e, estando ele a dirigir a arbitragem na UEFA, foi essa a grande mola que me fez aceitar de imediato esta possibilidade.

Na arbitragem portuguesa, foi mais um ano atribulado, a terminar com este caso que envolveu Marco Ferreira. Como se explica que um árbitro que vai descer de categoria é nomeado para a final da Taça?
Não gostaria muito de opinar sobre a realidade nacional. É evidente que me incomoda que constantemente existam este tipo de situações em que a arbitragem não consiga encontrar o seu rumo. A questão que me coloca é difícil de entender. Ninguém consegue perceber como é que aquele que é designado para o melhor jogo de uma época passados dez dias apareça em último lugar. Isto precisaria de uma resposta convincente e eu não a tenho. Quem dirige, diria quase que tem obrigação de o explicar ao país desportivo. Mas eu não sou conhecedor dos detalhes e quero acreditar que quem dirige a arbitragem tem uma resposta suficientemente racional. Reconheço que há muita dificuldade em entender este tipo de nomeação e, fundamentalmente, este tipo de avaliação. O princípio que tem sido sempre defendido é, "os melhores árbitros para os melhores jogos" e isto corta com toda essa lógica. Um director do Conselho de Arbitragem, o presidente da secção de avaliações, veio dizer que o presidente do Conselho de Arbitragem é conhecedor das avaliações dos árbitros. Foi perceptível pela sua entrevista que o presidente era conhecedor da classificação do Marco Ferreira quando entendeu que o deveria nomear para a final da Taça.

Concorda com o actual modelo de avaliação?
Conheço-o sucintamente. Volto a falar do caso do Marco Ferreira, que não se entende como aconteceu. Tem de ser repensado e tentarei contribuir para uma nova forma de avaliar os árbitros em Portugal. Esta é uma grande preocupação. Os árbitros sentem que as formas como são avaliados não são iguais para todos. O sistema que está criado não permite o reconhecimento do mérito do próprio árbitro. Os árbitros têm de ser avaliados pelas mesmas ferramentas. Um árbitro que esteja a ser avaliado com câmaras de televisão, tem de ser avaliado em todos os jogos da mesma maneira, é isto que os árbitros pretendem e é isto que eu acredito que o Conselho de Arbitragem também quer.

Há poucos dias votou-se na liga o regresso ao sorteio. Qual é a sua opinião?
Não querendo falar do caso em concreto, o que digo é, em todas as ligas internacionais evoluídas, não há nenhuma que tenha o processo do sorteio para a designação dos árbitros. Aliás, as orientações da FIFA e da UEFA levam a crer que não é aceitável que os árbitros sejam sorteados. Também é verdade que, para quem dirige a arbitragem em Portugal, há sinais que têm de ser entendíveis pelas pessoas, como aquele de que falámos há pouco. Ninguém consegue entender como é que o árbitro que apita a final da Taça de Portugal é um árbitro que é despromovido dez dias depois. São estas faltas de explicações que levam, depois, os clubes a sentir a necessidade de pedir o tal sorteio. Obviamente que, em tese, estarei contra, mas há que perceber os sinais dos clubes.

Há algum país que possa ser considerado como um modelo na gestão da arbitragem?
Há ligas mais evoluídas e, conhecendo as cinco maiores ligas da Europa, a Premier League será um modelo para as outras, a Bundesliga, a liga espanhola, italiana, e francesa que são modelos, não só de boas práticas desportivas, mas também de gestão de arbitragem. Não temos de inventar nada de novo. As boas práticas existem e há que segui-las. O futebol profissional em Portugal deu passos em frente é um modelo que ainda está numa fase embrionária e que ainda não tem resultados evidentes, mas que irão aparecer a curto e médio prazo.

Que balanço faz da profissionalização, que começou há pouco menos de dois anos?
Era expectável que o projecto do profissionalismo estivesse a outro nível, que o tipo de trabalho que está a ser feito com os árbitros profissionais tivesse outro nível qualitativo. Mas também é verdade que tem havido um forte investimento por parte da federação para dar condições aos árbitros para que possam evoluir e ter melhores prestações.

O que é preciso para que o projecto da profissionalização melhore?
Criar uma estrutura suporte mais profissional, ao nível da componente técnica, física, da componente de assistência médica, que ainda é precária em alguns sentidos. Há ainda que encontrar e ajustar este modelo para que seja de excelência. Penso que acontecerá num curto período de tempo.

Depois de estar integrado nesta Comissão da UEFA, está nos seus planos integrar alguma estrutura da arbitragem em Portugal, ou até outro cargo na Liga ou na Federação?
Neste momento, não me passa pela cabeça ter alguma função ligada à arbitragem em Portugal e, respondendo à sua pergunta, não há nenhum projecto que me alicie.  

Há eleições na federação em 2016 e na liga em 2018. Não está nos seus planos avançar para algo a médio ou longo prazo?
Dir-lhe-ei que estarei sempre disponíveis para ouvir os bons projectos. Tenho a noção que as pessoas nutrem por mim um sentido de credibilidade e profissionalismo que, de alguma maneira, poderia ajudar o futebol português. Quando os projectos aparecerem, quando essas possibilidades estiverem à porta, avaliarei e, se o processo for motivante e sentir que o meu know-how pode acrescentar valor e credibilidade, darei uma resposta às solicitações.

Ter tido a presença de representantes dos três maiores clubes portugueses no dia em que anunciou o seu abandono da arbitragem é sempre um bom sinal…
É sinal de que, independentemente dos erros, o “arco da governação” em Portugal reconheceu que a minha carreira foi muito positiva para o futebol português.

Como é a sua relação com Vítor Pereira?
É excelente, não tenho nada a apontar. É o presidente do Conselho de Arbitragem, eu serei membro do Comité de Arbitragem da UEFA e, dentro desta pirâmide hierárquica, saberemos entendermo-nos, porque o que está em causa é o bom nome do futebol português e da arbitragem em particular.

Há alguns meses deu uma entrevista em que era bastante crítico à actuação de Vítor Pereira no Conselho de Arbitragem…
É verdade que fui crítico. Não em relação ao que Vítor Pereira tinha feito, mas em relação ao estado da arbitragem naquele momento. O que registo neste momento é que há um caminho a percorrer e tem de ser percorrido por gente profissional e competente que quer mudar verdadeiramente o paradigma da arbitragem portuguesa.

Nessa entrevista usava a palavra “caos”…
Não queria falar mais dessa situação. O que direi é que estarei sempre disponível para fazer a alteração do paradigma actual.

Essa entrevista deu origem a um processo contra si que acabaria por não avançar. Isso, de alguma forma, acelerou a sua decisão de abandonar a arbitragem?
Foi um processo que não me deixou confortável. Mas as pessoas tiveram a maturidade para dar uma resposta positiva daquilo que era bom para a arbitragem portuguesa e para o futebol. As partes entenderam-se e o processo acabou por si só.

Houve muita gente que disse que o Pedro saiu demasiado cedo da arbitragem…
Diria que tive o privilégio de poder escolher o momento oportuno para sair da arbitragem. Cumpriu o meu papel, fiz uma carreira que me deixou muito satisfeito, e, nesse sentido, escolhi o momento que me pareceu oportuno.

Sem o Pedro no activo, perspectiva que Portugal possa a vir um árbitro nos grandes torneios internacionais, no Euro 2016 ou no Mundial 2018?
Dir-lhe-ei que uma das grandes razões que me levou a deixar a arbitragem era porque tinha a certeza que o futuro estava garantido. É preciso fazer um trabalho diferente do que se está a fazer neste momento, há que os apoiar em termos nacionais, há que lhe dar os instrumentos para que eles possam ser melhores árbitros, e há que fazer um trabalho a nível internacional que lhes permita abrir algumas portas para que eles possam estar tranquilos e desempenhar bem as suas funções. Temos pessoas muito qualificadas e, enquanto dirigentes, temos de ser elementos facilitadores das suas carreiras.

Sai o Pedro, sai Olegário Benquerença… Pode continuar a haver bons valores, mas vão-se embora as referências…
Direi que há casos como o Jorge Sousa, como o Artur Soares Dias, como o Duarte Gomes… Quando desaparecem referências, há que dar tempo até que possam aparecer outras. Óbvio que tem de se fazer um investimento na formação. Portugal está muito carenciado de árbitros nas suas bases. Mas há mais gente a querer tirar o curso de árbitro e essas referências permitiram que acontecessem coisas positivas no recrutamento.

Não sente falta absolutamente nenhuma de arbitrar um jogo?
Continuo a treinar e a estar com os meus companheiros. A máxima do “uma vez árbitro, árbitro toda a vida” é o ideal que mantenho. A diferença é que à segunda-feira estou mais descansado, porque não cometi asneiras grandes (risos).

No final da última época houve uma ameaça de greve, que acabou por ser ultrapassada com a cedência da gestão dos patrocínios aos árbitros. Pareceu-lhe uma boa solução?
Foi uma grande vitória da arbitragem portuguesa. Em termos económico-financeiros, conseguiram garantir para eles todos os direitos publicitários e isto é um contrato que significa, em termos médios, quando estiver em velocidade de cruzeiro, uma verba de 600 mil euros. Foi uma grande cedência da liga e um grande contrato para os árbitros.

A liga diz que deixa de ter uma fonte de despesa…
Só pode dizer isso quem não conhece os números. Quando se tinha um contrato há seis, sete anos, que rendia à liga 600 mil euros, pagando 300 mil aos árbitros, hoje esses 600 mil irão para os árbitros. Nos últimos anos, não teve patrocínios porque não os trabalhou, não os angariou. Neste momento existem três grandes “sponsors” que querem patrocinar os árbitros. Os árbitros foram letais na forma como negociaram.

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