O treinador que dava a táctica a dez mil quilómetros de distância

Em Cartagena ninguém achou estranho quando o treinador passou a dar instruções pelo telefone.

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Julio Ribas quando foi apresentado como treinador do Cartagena DR

No princípio era o idílio: um novo desafio no aprazível sul de Espanha aguardava Julio Ribas, cuja chegada ao Cartagena, em Junho de 2014, gerou grande surpresa e maior expectativa. O título de campeão uruguaio enquanto treinador do Peñarol, em 1999, era o grande destaque de um curriculum que incluía passagens pelo futebol italiano e pela selecção de Omã. No blogue pessoal, Ribas (que não respondeu aos pedidos de contacto do PÚBLICO) gaba-se de um “brilhante trajecto como treinador” e de ter sido o mais jovem técnico diplomado no Uruguai, aos 19 anos.

Oficializado no clube da Segunda B, apresentou-se com um discurso desconcertante: “Interessam-me todos os futebolistas. Todos. Todos os que sejam boas pessoas e bons. Não lhes pode faltar atitude e paixão, mesmo que não sejam muito talentosos”. Nem de propósito, um dos primeiros reforços foi o próprio filho, Sebastián Ribas, avançado que passou pelo Sporting na segunda metade da época 2011-12, sem deixar marca nem golos.

Cedo as coisas descarrilaram. Logo em Setembro Julio Ribas teve de voltar ao Uruguai porque o seu visto (de turismo) expirara e não estava autorizado a permanecer em Espanha. Esteve ausente mais de um mês, porém, mesmo a dez mil quilómetros de distância e sem poder ver os jogos, ordenava as substituições e dava instruções ao adjunto que o substituiu no banco.

Só que havia algo mais. As funções de Julio Ribas nunca foram claras: ora identificado como treinador, ora como director desportivo. E depois veio uma suspensão de três meses, aplicada pela federação porque o uruguaio não estava habilitado para treinar em Espanha.

Os dirigentes do clube davam sinais contraditórios. Na contestação ao castigo, prometiam “esgotar as vias jurídicas para demonstrar que Julio Ribas em nenhum momento foi treinador oficial do Cartagena”. Mas, numa entrevista, o empresário e fundador do emblema albinegro, Florentino Manzano, elogiava o uruguaio como “o treinador mais qualificado da história do Cartagena”.

Ribas treinou de facto a equipa, pelo menos até Dezembro. Nessa altura, já com o Cartagena em situação difícil (três vitórias em 17 jogos) chegou Manuel Palomeque para liderar uma nova equipa técnica. “É honesto, trabalhador e conhece o clube. É o homem perfeito”, resumiu na apresentação o director desportivo... Julio Ribas. Que entretanto deixou de aparecer, sem que se saiba se ainda desempenha funções no clube.

As razões que levaram Ribas para Cartagena não são claras, mas a imprensa local aponta o envolvimento da Sofinvest, empresa que impôs o uruguaio para técnico a troco de investir no clube. Mas nem isso correu bem: as dívidas do Cartagena, fundado em 1995 e que disputou três vezes a II Liga espanhola (com um quinto lugar em 2009-10) ascendem a 3,6 milhões de euros, o clube entrou em administração judicial e os gestores procuram um comprador.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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