O avião de Scolari vai levantar voo e se não chegar ao “hexa” terá de explicar porquê

A selecção do Brasil, recordista de títulos e a jogar em casa para acabar com trauma de 1950, é mais favorita do que nunca, apesar de os craques não abundarem.

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O Brasil luta pelo hexacampeonato Ueslei Marcelino/Reuters

"A ida do Brasil a um Campeonato do Mundo é como um avião que levanta voo”, diz ao PÚBLICO o jornalista João Máximo, que acompanha a selecção brasileira desde o Mundial de 1966. “Como um avião que não chega ao destino, se nós perdemos uma Copa do Mundo, é preciso saber porquê. O normal é o avião pousar.” A metáfora é válida desde o início dos Mundiais e mais se torna apropriada quando o Brasil volta a organizar a competição, 64 anos depois da derrota em 1950 (o “Maracanaço”).

A diferença é que há 64 anos o Brasil nunca tinha vencido nada. Agora, volta a organizar um Mundial na condição de pentacampeão mundial (algo inédito) e como único país que participou em todas as edições da prova. É por isso que hoje, quando a selecção brasileira entrar em campo, Luiz Felipe Scolari estará perante a mais importante missão da sua carreira: conduzir o Brasil a uma inédita sexta vitória em Mundiais e, mais do que tudo, evitar uma nova derrota em casa.

Scolari é o primeiro a dizer que uma selecção como a do Brasil vai para um campeonato sempre a pensar em vencer. Mas o tema “Maracanaço” tem sido evitado. Segundo o El País, a palavra foi proibida durante o estágio, para não aumentar a pressão sobre os jogadores. E Felipão voltou a recorrer à psicóloga Regina Brandão, tal como fez no Mundial 2002 e quando orientava a selecção portuguesa.

Numa das poucas vezes em que abordou o tema, numa entrevista à FIFA em Março, Scolari deixou duas ideias: uma é que os jogadores de 1950 abriram a porta para as vitórias nos Mundiais seguintes. A outra é que a derrota no Euro 2004, na final frente à Grécia, lhe deu ensinamentos sobre como abordar uma final quando se joga em casa.

Por um lado, o Brasil é favorito. Um prognóstico da Goldman Sachs dá-lhe quase 49% de probabilidades de vencer o campeonato, bem à frente dos candidatos seguintes, a Argentina (14,1%), a Alemanha (11,4%) e a Espanha (9,8%). A equipa de Scolari joga perante os seus adeptos e o factor casa sempre teve algum peso histórico e emocional. Quase um terço dos Mundiais foi vencido pela selecção da casa (Uruguai 1930, Itália 1934, Inglaterra 1966, Alemanha 1974, Argentina 1978 e França 1998), embora nos últimos anos isso não tenha sido tão recorrente, o que pode, em alguma medida, ser justificado pelo facto de a FIFA ter entregue a organização a países com selecções menos fortes, como EUA, Coreia/Japão e África do Sul.

Outro factor a favor do Brasil (e da Argentina, o outro grande candidato sul-americano) é que as equipas europeias costumam dar-se mal com os ares (temperaturas, humidade e relvados) de outros continentes. À excepção da Espanha em 2010 na África do Sul, nunca uma equipa europeia foi campeã mundial fora da Europa. E sempre que a prova decorreu na América, ganhou uma equipa sul-americana, o que desvia algum favoritismo para Brasil e Argentina.

Por outro lado, há que reconhecer que esta selecção do Brasil está longe de ser uma colecção de craques. Se é verdade que nas últimas duas vezes em que foi campeão (1994 e 2002), a selecção brasileira não chegou ao Mundial como favorita, também é inquestionável que Neymar parece pouco comparado com o quarteto maravilha de 2002 (Ronaldo, Rivaldo, Kaká e Ronaldinho Gaúcho). E há vários problemas identificados: a baliza é de um veterano (Júlio César) que já passou o pico da carreira, falta um ponta-de-lança decisivo e Óscar ainda não parece o criativo de que o Brasil precisa.

Mas, como diz João Máximo, o Mundial foi sempre uma obsessão para os brasileiros. Mesmo quando ainda não tinham vencido nada. O jornalista conta o que se passou em 1938, quando o Brasil foi jogar as meias-finais, frente à Itália, então campeã em título. O jogo foi em Marselha e, no dia seguinte à meia-final, só havia um avião disponível para a ligação Marselha-Paris, cidade onde se realizava a final. Os italianos propuseram comprar os bilhetes a meias e viajaria quem vencesse. “Os brasileiros responderam: ‘Quem vai somos nós, porque vamos ganhar o jogo’. Não quiseram dividir as passagens. Já em 1938 achávamos que íamos ganhar à Itália, que era campeã do mundo”, conta João Máximo, lembrando que os italianos venceram por 2-1, derrotando depois a Hungria na final.

Independentemente de a imagem de “país do futebol” que foi colada ao Brasil ser ou não justificada, ninguém duvida de que milhões de brasileiros adoram futebol. E que haverá uma pressão extra por jogar em casa. O cronista Nelson Rodrigues chegou um dia a escrever: “Não me venham dizer que o 'escrete' é apenas um 'time'. Não. Se uma equipa entra em campo com o nome de Brasil e tendo por fundo musical o hino pátrio – é como se fosse a pátria em calções e chuteiras.”

João Máximo, no entanto, diz que esta visão pertence ao passado e que hoje há uma certa separação entre a nação e a selecção, que já vem de 1970, quando o Brasil de Pelé, Rivelino e companhia foi campeão no tempo da ditadura. É por isso que este jornalista acha que se o Brasil perder o Mundial 2014 a derrota será mais bem assimilada do que em 1950. “O Brasil não melhora nem piora se ganha ou perde uma Copa do Mundo. Os destinos da nação não dependem da imponderável trajectória da bola.” Mesmo assim, haverá muito a explicar se no dia 13 de Julho não for o capitão do Brasil a levantar a taça no Maracanã.

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