Nem todos olham para o terceiro lugar como um prémio

Há quem considere, como Louis van Gaal, que o jogo do terceiro e quarto lugares devia acabar. O PÚBLICO ouviu dois portugueses que estiveram nesse jogo com 40 anos de intervalo.

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Fernando Meira e Sebastian Kehl durante o Portugal-Alemanha do Mundial 2006 Christian Charisius/Reuters

“Podem ficar com ele.” Perante a perspectiva de poder jogar pelo terceiro lugar, foi assim que Arjen Robben respondeu. O extremo holandês do Bayern de Munique tinha acabado de perder, nos penáltis, a meia-final com a Argentina e, em vez de ir para casa no dia seguinte, sabia que ainda tinha de ficar mais uns dias no Brasil, não para jogar a final (como fizera há quatro anos na África do Sul), mas para ir a Brasília jogar com a selecção da casa o encontro que define o terceiro e quarto lugares do torneio. Um jogo de perdedores para uns, para outros um prémio pelo qual vale a pena lutar.

Para algumas selecções, lutar pelo terceiro lugar será, sobretudo, um momento de consagração de uma campanha notável. Olhando, por exemplo, para o jogo do terceiro lugar do Mundial 2002, Turquia e Coreia do Sul nunca tinham chegado tão longe e não voltariam a chegar – os turcos acabariam por vencer esse jogo e os coreanos também fizeram a festa em casa. Já para as selecções que vão estar hoje em Brasília, o jogo pouco acrescentará em termos de currículo. O Brasil já foi cinco vezes campeão, esteve em mais duas finais e vai disputar este jogo pela quarta vez, enquanto a Holanda já esteve em três finais e perdeu na única vez que foi ao jogo de consolação.

Louis van Gaal, que vai cumprir o seu último jogo no banco da selecção holandesa antes de ir para o Manchester United, deixou bem patente o seu desagrado por ainda ter de ficar no Brasil. “Num Mundial, só um prémio é que conta e é o título de campeão. Este jogo nunca devia ser jogado. As equipas não deviam jogar pelo terceiro lugar. Ando a dizer isto há uma década”, considera o técnico holandês, que, ainda assim, não terá um trauma tão grande para superar como a selecção brasileira, estrondosamente derrotada pela Alemanha e com o risco de começar a ouvir assobios ao primeiro passe falhado.

Seja para definir classificações, para manter o público entretido até à final ou para render mais uns milhões com patrocinadores e transmissões televisivas, a verdade é que, pelo menos em golos, este “jogo dos perdedores” rende mais que a final – nos últimos nove torneios, a final tem uma média de 2,4 golos, o jogo do terceiro lugar tem 4,2.

Este jogo é uma tradição dos Mundiais e apenas não se realizou por duas vezes nas 19 edições anteriores. Na primeira edição, em 1930, a FIFA declarou os EUA como terceiro classificado à frente da Jugoslávia através do comportamento das duas selecções na primeira fase, enquanto em 1950 o modelo da competição era diferente e também não houve final – o Brasil-Uruguai do “Maracanaço” não foi uma final, mas sim o último jogo de uma poule para definir o campeão. A Suécia ficaria com o terceiro lugar e a Espanha com o quarto.

O cliente mais habitual deste jogo é a Alemanha. Para além dos três títulos e das quatro finais perdidas, os germânicos já disputaram este jogo por cinco vezes, vencendo quatro e perdendo uma. Várias selecções estiveram duas vezes neste jogo sem nunca terem chegado à final. A Polónia esteve lá duas vezes (1974 e 1982) e venceu as duas. Portugal e Áustria estiveram lá duas vezes e têm uma vitória e uma derrota.

A selecção portuguesa esteve nesse jogo com 40 anos de diferença, em 1966 e 2006. Na primeira ocasião, os “Magriços”, depois de falharem o acesso à final com a futura campeã Inglaterra, jogaram em Wembley, dois dias antes da final, com a União Soviética e venceram por 2-1, golos de Eusébio e José Torres, garantindo a melhor classificação de sempre da selecção portuguesa em Mundiais. António Simões esteve nessa selecção, jogou essa final B e defende a sua utilidade.

“É o terceiro lugar que está em causa. É preciso ultrapassar a dor do jogo anterior e substituí-la por auto-estima e brio. Há algo a conseguir-se nesse jogo. Eu prefiro ficar em terceiro lugar sozinho do que ficar em terceiro com outro”, diz ao PÚBLICO o antigo jogador do Benfica. Nessa selecção de 1966, conta Simões, haveria “um ou outro mais desmotivado”, mas garante que ninguém queria regressar a casa antes de defrontar a URSS. “Não houve discussão quanto a isso e os capitães e treinadores foram importantes. A história de 1966 não terminou no jogo com a Inglaterra, terminou com os soviéticos. Ficámos em terceiro e essa ainda é a melhor classificação portuguesa de sempre.”

Em 2006, Luiz Felipe Scolari estava no banco da selecção portuguesa que teve de jogar, em Estugarda, com a selecção anfitriã do torneio, depois de, dias antes, ter perdido com a França. Portugal tinha pela frente a Alemanha de Jurgen Klinsmann, já com alguns dos que, oito anos depois, iriam humilhar o Brasil de Scolari (Schweinsteiger, Mertesacker, Podolski, Klose e Lahm já estava nessa equipa). “Sentíamos uma grande frustração. Queríamos era voltar para casa e esquecer”, recorda ao PÚBLICO Quim, um dos 23 jogadores portugueses presentes nesse Mundial.

Depois de um empate sem golos ao intervalo, a Alemanha avançou para o triunfo por 3-1 com dois golos de Schweinsteiger e um autogolo de Petit entre os 56’ e os 78’. A resposta portuguesa foi curta e tardia, com Nuno Gomes a marcar aos 88’. Num jogo em que muitas vezes os treinadores aproveitam para rodar a equipa, Scolari utilizou aquela que entendia ser a melhor equipa e Quim acabaria por não sair do banco nesse Mundial, com as redes portuguesas a serem entregues a Ricardo. Mas ele, como os outros, estava preparado para jogar: “Não foi fácil ficarmos motivados depois da derrota. Tem um sabor amargo, mas é para ser jogado.”

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