Lutz Eigendorf, a morte de um “traidor”

A história de um futebolista que conseguiu fugir da RDA, mas não escapou a uma morte que se supõe ter sido a mando da Stasi.

Foto
Eigendorf teve pouco sucesso na Bundesliga DR

No último domingo passaram-se 25 anos sobre a queda do Muro de Berlim, que marcou simbolicamente o fim de duas Alemanhas. No seu lugar, apenas uma, que teria de incluir tudo. Não foi uma fusão em partes iguais. Da República Democrática Alemã (RDA), de inspiração socialista, restam, sobretudo memórias. O futebol foi o exemplo perfeito.

No primeiro campeonato da Alemanha unificada, apenas duas equipas da RDA foram integradas na 1.ª Bundesliga. Desde então, apenas quatro jogaram no principal campeonato alemão. Mas nenhuma delas foi o infame Dínamo de Berlim, a equipa que mais títulos conquistou na RDA, uma equipa que fazia tudo, mas mesmo tudo para ganhar, incluindo assassinatos.

Não é muito vulgar um clube ganhar dez campeonatos seguidos, mas foi o que aconteceu com o Berliner Fussball Club Dynamo entre 1979 e 1988. Não foi por acaso. O Dínamo de Berlim era o clube apoiado pela Stasi e tinha um fervoroso adepto em Erich Mielke, o chefe da polícia secreta da RDA. Por ordem de Mielke, os melhores jogadores da RDA foram transferidos para o Dínamo, os resultados eram manipulados e não admirava que fosse a equipa dominante. Em 1979, Lutz Eigendorf era uma estrela em ascensão, médio de 22 anos já internacional pela selecção da RDA, quando, após um jogo em território da Alemanha Oriental frente ao Kaiserslautern, driblou os seus companheiros de equipa e os vigilantes da Stasi para apanhar um táxi com direcção para o outro lado.

Eigendorf deixara de ser um simples jogador de futebol. Era um desertor e um traidor aos olhos de Mielke e da Stasi, um inimigo público da RDA. O médio estava tão empenhado na fuga que deixou a sua jovem esposa e uma filha em Berlim, convencido de que elas iriam em breve juntar-se a ele, mas nunca as voltaria a ver. A consequência desportiva imediata para Eigendorf foi um ano de suspensão imposto pela FIFA por ter fugido do seu clube, mas lá conseguiu continuar a sua carreira, acolhido pelo Kaiserslautern, e cumpriu o desejo de actuar na Bundesliga.

Entretanto, em Berlim, a Stasi tinha colocado em marcha uma operação que visava Gabriele, a mulher do futebolista. Primeiro, forçaram o divórcio, depois enviaram agentes para a seduzir. Um deles, nome de código “Lothario”, conseguiu e casou-se com Gabriele, e adoptou Sandy, a filha. Em Kaiserlautern, Lutz, resignado, fez o possível por reconstruir a sua vida. Voltou a casar-se, mas nunca atingiu na Bundesliga o nível que tinha atingido no Dínamo. Duas épocas depois, transferiu-se para o modesto Eintracht Braunschweig, mas também não vingou.

Na noite 5 de Março de 1983, Eigendorf ficou gravemente ferido após o seu Alfa Romeo ter embatido contra uma árvore. O jogador faleceu dois dias depois e a autópsia revelou elevada taxa de alcoolemia. Houve quem suspeitasse do envolvimento da Stasi, mas a sua morte foi dada como acidental. Seis anos depois caiu o muro, desapareceu a RDA e uma investigação jornalística nos arquivos da Stasi revelou que, afinal, havia um plano em marcha para que a deserção de Eigendorf não ficasse impune. Mielke destacou cerca de 50 espiões para seguir o jogador na República Federal Alemã (RFA), colocando um no seu círculo íntimo, Karl-Heinz Felgner, um antigo pugilista que já o conhecia desde os tempos de Berlim Leste e que se reaproximou do jogador apresentando-se, também ele, como desertor.

E a morte foi acidental, ou um elaborado plano da Stasi? Heribert Schwan, o jornalista de Colónia que teve acesso a documentos da Stasi, não encontrou provas definitivas, mas descobriu indícios suficientes para corroborar a teoria de assassinato. De acordo com um dos documentos que consultou, Eigendorf terá sido raptado e drogado por agentes da Stasi que, depois, o colocaram ao volante do seu automóvel. Na estrada estaria uma segunda equipa de agentes num outro automóvel com o propósito de encandear a visão de Eigendorf e provocar um despiste sem que se suspeitasse de assassínio. Em 2010, houve quem tenha assumido ter estado envolvido num plano para matar Eigendorf. Era Felgner, o “amigo”/operacional da Stasi, mas este disse que o plano nunca foi avante. Trinta e um anos depois, a morte do “traidor” continua por esclarecer.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

Sugerir correcção
Ler 3 comentários