Koa Bosco, a equipa que veio do mar

Criada em 2013 e composta exclusivamente por imigrantes africanos, esta equipa conseguiu no último domingo a promoção ao oitavo escalão do futebol italiano.

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Ao segundo ano de existência, o Koa Bosco conseguiu subir de divisão DR

O mar Mediterrâneo tem sido um cemitério para milhares de pessoas que o tentam atravessar provenientes de diversos países africanos. A tragédia repete-se todos os dias. Por cada barco que é interceptado pelas autoridades italianas, muitos nunca chegam ao seu destino, que seria a ilha de Lampedusa. Das pessoas que morreram no mar nunca se saberá o que podiam ter sido. Entre os que sobreviveram, há um grupo que fez do futebol um instrumento de fuga. Esta é a história do Koa Bosco, uma equipa de futebol exclusivamente composta por imigrantes africanos que conseguiu a promoção ao oitavo escalão do futebol italiano.

Aconteceu no último domingo. O Koa Bosco foi ao campo pelado do Atenogenese para o play-off de promoção do Grupo G da terceira categoria do campeonato regional da Calábria, no Sul de Itália e venceu por 2-1. Foi um golo de Mbaye Mansour, avançado senegalês de 27 anos e com o número 10 nas costas, a marcar o golo, aos três minutos da segunda parte, que permitiu ao Koa Bosco subir um degrau na hierarquia do futebol italiano, apenas no seu segundo ano de existência.

A equipa foi criada em 2013 por Roberto Meduri, padre da paróquia de Bosco, em Rosarno, uma cidade que, em 2010, viveu dois dias de violência após dois imigrantes africanos terem sido alvejados. As tensões raciais diminuíram na cidade e o padre Meduri pensou nesta equipa como um projecto de integração para os imigrantes africanos que trabalham nos campos, na apanha da laranja, que vivem em tendas e que ainda aguardam um visto de residência. A ideia teve enorme adesão. Mais de 300 candidataram-se a um lugar na equipa — entre eles, segundo a imprensa italiana, o senegalês Kadhim Gaye, um antigo internacional sub-17 do seu país — cujo nome Koa significa “Knights of the Altar” (cavaleiros do altar).

 “Este projecto era dirigido aos jovens para os ajudar a sentirem-se cidadãos. No princípio eles não acreditavam que fosse funcionar e tinham medo porque se sentiam vulneráveis. Mas agora estou feliz e eles também. Recuperaram alguma dignidade e sentem-se orgulhosos quando os cumprimentam na rua”, conta o clérigo. O projecto foi ganhando alguma visibilidade em Itália e chamou a atenção do ex-internacional checo Pavel Nedved, dirigente da Juventus, que levou o Koa Bosco a Turim. Mais recentemente, a federação italiana usou o exemplo desta equipa numa campanha contra o racismo no futebol.

Apesar da boa vontade da comunidade local, os jogadores do Koa Bosco ainda enfrentam manifestações de racismo quando jogam. “Nós só pensamos em ganhar. Mas o nosso problema é que todas as decisões dos árbitros são contra nós. No campo é duro”, conta Ali Trauri, um dos jogadores, citado pelo The Guardian. Numa ocasião em que jogaram fora de casa, os adeptos locais chegaram mesmo a invadir o campo após um dos jogadores ter reagido aos insultos racistas.

A história dos jogadores do Koa Bosco está bem encaminhada para ter um final feliz, mas isso não quer dizer que tenha valido a pena fazer a travessia do Mediterrâneo sem garantias de sobrevivência. Yaya Diallo, que veio da Costa do Marfim e que é o capitão de equipa, acha que o que encontrou não foi o suficiente para valer a pena: “Para nós já é demasiado tarde. Já cá estamos, mas não quero que as pessoas que estão a pensar vir venham. Se houvesse trabalho. Mas não há trabalho, não há nada, é melhor que fiquem em casa.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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