"El Jefecito", um capitão sem braçadeira

São as palavras de Javier Mascherano que ecoam entre a selecção argentina sempre que o momento pede uma voz de comando.

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Mascherano é uma peça fundamental no meio-campo argentino JUAN MABROMATA/AFP

O momento era solene – o mundo estava prestes a saber se a derradeira vaga na final do Mundial de 2014 cairia para a Holanda ou a Argentina. Alejandro Sabella, técnico da “alviceleste”, tinha dado ordens quanto aos marcadores das grandes penalidades e já ninguém disfarçava o nervosismo. O grupo junta-se para o grito e há uma voz que impera, no momento em que todas as forças são precisas: a de Javier Mascherano. Nos segundos que antecedem o início da marcação dos penalties,ainda o vemos a beijar o rosto de Sergio Romero (o guardião que viraria herói da meia-final, ao defender duas grandes penalidades), após transmitir nova mensagem de confiança.

As imagens comprovaram o que já muitos vinham dizendo: que Messi até pode ser dono e senhor da braçadeira de capitão da selecção argentina (é-o desde a Copa América de 2011), mas que é para “El Jefecito” que os comandados de Sabella olham nos momentos em que mais precisam de se levantar. Não será à toa que a BBC lhe chegou a chamar o Joe Frazier do futebol, sob o argumento de que “quanto mais dura é a batalha, mais parece desfrutar dela”.

Peça fundamental no meio-campo argentino, Mascherano é uma das referências mais seguras na hora de defender a baliza de Sergio Romero, mas impressiona igualmente pela capacidade de ler o jogo e de tomar decisões sob pressão. Junte-se a isso uma assinalável qualidade de passe (neste Mundial, tem, até ver, uma taxa de eficácia de 86.6%, com 478 passes completados com sucesso) e facilmente se percebe porque é que Sabella não abdica dele nem por nada.

Antes, já Pep Guardiola se tinha rendido às suas virtudes, quando, no Verão de 2010, o foi resgatar ao Liverpool, quando poucos percebiam como se poderia encaixar naquela equipa do Barcelona. A explicação chegaria em 2011, com as lesões de Piqué e Puyol: o técnico catalão fez recuar o médio no terreno, transformando em improvável defesa-central um jogador de 1,74 metros.

E Mascherano cumpriu sempre, beneficiando do facto de a linha defensiva dos "blaugrana" actuar muito avançada no terreno para que a sua baixa estatura não fosse um handicap. O êxito foi tanto que, em 2012, Pep chegou a dizer que a contratação de “El Jefe” tinha sido “a melhor do Barcelona, nos últimos quatro anos”.

Os elogios chegam também da maior referência argentina de todos os tempos, Diego Maradona, técnico da Alviceleste entre 2008 e 2010. “Quando dizia que a selecção era o Mascherano e mais dez jogadores, toda a gente se ria, mas hoje ninguém o ousa fazer”, recordou, esta semana.

De facto, desde que nos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, Javier se mostrou ao mundo, não mais deixou de ser uma pedra influente no meio-campo da Alviceleste, ao ponto de hoje, ao fim de 104 internacionalizações, ser difícil imaginar a selecção das Pampas sem ele.

Isto apesar de o médio de 30 anos até se sentir mais à vontade no papel de anti-herói. “Não sou o Rambo, nem San Martín [antigo general argentino]. Vejo as coisas com humor, mas com vergonha. Não gosto de elogios e até fico a sentir-me mal”, desabafou ao jornal Olé, após a torrente de louvores que recebeu pela exibição frente à Holanda.

Num currículo recheado de glórias, Mascherano conta apenas com um calcanhar de Aquiles: a quantidade de cartões que viu ao longo da carreira. Um dos episódios mais curiosos aconteceu precisamente com a camisola da Argentina, num jogo de qualificação para o Mundial, frente ao Equador, quando foi expulso por pontapear… o condutor do carro médico. No Brasil, para já, o cenário tem sido o oposto – seis jogos, zero cartões amarelos, zero cartões vermelhos. Que os nervos de aço do craque se mantenham por mais 90 minutos será, por certo, uma das preces de Sabella para hoje.

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