Derrapagens orçamentais nos estádios brasileiros alimentam suspeitas de corrupção

Principais construtoras aumentaram exponencialmente doações aos partidos políticos nos últimos anos.

Foto
Estádio de Brasília é o segundo mais caro do mundo Ueslei Marcelino / Reuters

A um mês do início do Campeonato do Mundo, há um espectro que assombra o Brasil e o evento: a corrupção. À medida que as obras se prolongam quase até ao último minuto, as maiores empresas de construção vão alcançando lucros monumentais. Uma análise da Associated Press, citada em vários meios de comunicação social, vem revelar que essas mesmas empresas são das que mais aumentaram as contribuições para os partidos políticos brasileiros.

O estádio Mané Garrincha em Brasília vai custar mais de 650 milhões de euros, o triplo do valor inicialmente previsto, o que o torna o segundo mais caro de sempre, apenas atrás do Wembley. Ironia das ironias, Garrincha foi um mítico jogador brasileiro dos anos 1950 e 1960, considerado por alguns melhor que Pelé, mas que morreu na pobreza.

Segundo uma auditoria de um tribunal de Brasília, quase 200 milhões do custo do novo estádio, cerca de um terço do total, deve-se a manipulação de preços. Nenhuma empresa ou responsável foi ainda acusado por corrupção ou gestão danosa, uma vez que é necessária uma auditoria oficial, o que pode demorar anos. A AP refere que estão em curso pelo menos uma dúzia de investigações estatais aos custos do Mundial.

Responsável pelo Mané Garrincha, que é pago na sua totalidade por dinheiros públicos, está o consórcio que reúne a empresa de construção Andrade Gutiérrez e a firma de engenharia Via Engenharia. A auditoria revela várias situações em que os custos orçamentados derraparam sem justificações válidas.

Um exemplo é o custo de transporte de peças pré-fabricadas, projectado para 3400 euros, mas que acabou por superar um milhão. Os auditores calculam que foram perdidos mais de 11 milhões de euros devido ao atraso de cinco meses da Andrade Gutiérrez em terminar a construção da parte principal do estádio. Os autores do documento estranharam igualmente a ausência de multas que o governo estatal deveria apresentar à empresa.

Financiamento partidário suspeito
A Andrade Gutiérrez foi uma das empresas que conseguiu mais encomendas para o Mundial, ficando com cerca de um quarto dos gastos totais com o evento. Entre as eleições locais de 2008 e as de 2012, a contribuição da empresa para os partidos políticos passou de 53 mil euros para quase 27 milhões, segundo a AP.

Foi neste período de tempo que passaram a ser conhecidas as cidades que iriam receber jogos do Mundial e quais os partidos que controlavam os estados e os municípios.

“Há um conluio entre a elite governamental brasileira e a elite económica e o jogo está viciado em seu favor”, observa à AP Christopher Gaffney, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem trabalhado sobre a organização do Mundial e dos Jogos Olímpicos de 2016.

O mesmo padrão foi verificado com outra grande construtora, a Odebrecht, que passou de doações na ordem dos 66 mil euros em 2008 para mais de oito milhões nas eleições de 2012. Para além de ter ficado com a construção de quatro estádios, a Odebrecht ganhou o polémico concurso de concessão do Maracanã por 35 anos.

As duas empresas referiram que as doações partidárias são legais e recusaram justificar a subida meteórica das suas contribuições entre as duas eleições municipais.

Cláudio Monteiro, responsável pela comissão governamental do Mundial em Brasília, criticou o timing da auditoria ao Mané Garrincha. “Estão a tentar estragar a festa”, disse à AP. “Vamos mostrar-lhes que este relatório está errado.”

Sugerir correcção
Comentar