A segunda vida da pantera

Condicionado pelas dificuldades financeiras que atravessa, o Boavista regressa à I Liga com um plantel limitado.

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Paulo Pimenta

Quando a 11 de Maio de 2008 o Boavista se deslocou ao Estádio José Alvalade para disputar o último jogo da época 2007-08, foram muitos os adeptos boavisteiros que fizeram questão de viajar até Lisboa. A partida não tinha relevância desportiva para os “axadrezados”, comodamente instalados no 9.º lugar, mas dois dias antes a Comissão Disciplinar da Liga tinha aplicado uma sentença fatal para os portuenses: por alegada coacção sobre árbitros, o Boavista seria despromovido administrativamente nessa temporada. Para quem acompanhava a realidade do clube, completamente sufocado por dívidas, ficaram poucas dúvidas que aquele golpe significaria, quase de certeza, o princípio do fim do Boavista e que aquele jogo em Alvalade podia ser o último no principal escalão do futebol português.

Apesar de o clube nunca ter sido abandonado pelos seus adeptos – na época seguinte o Boavista chegou a ser apoiado em alguns jogos fora, na II Liga, por mais de dois mil boavisteiros -, a despromoção levou à inevitável perda das receitas televisivas e de outras fontes de rendimentos, lançando o primeiro campeão nacional do século XXI para o abismo. Sem meios financeiros para cumprir os pressupostos financeiros exigidos pela Liga, em 2009-10 o Boavista seria excluído das competições profissionais. O poço parecia não ter fundo e a próxima paragem era a II Divisão.

O que se seguiu é uma história de sobrevivência onde a única certeza era a de que todos os meses seriam muitos os credores a bater à porta do Bessa. Com um passivo estimado em cerca de 100 milhões de euros, o Boavista, em meia dúzia de anos, trocava palcos como Old Trafford por campos sem bancadas perdidos no Portugal profundo. Os adeptos mantinham-se fiéis, mas tudo o resto já faltava. Não havia dinheiro para bolas, para o pão, para o gasóleo, para a electricidade, para a água. Num clube praticamente sem nada, restava resistir e manter a esperança que a “justiça para o Boavista” que os adeptos clamavam um dia chegaria.

E a “justiça” chegou no início de 2013. De forma inesperada, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou nula a reunião do Conselho de Justiça da FPF que confirmou a despromoção do clube e, na sequência dessa decisão, o mesmo órgão federativo, cinco anos depois, deu provimento ao recurso dos “axadrezados”, permitindo à direcção boavisteira, novamente presidida por João Loureiro, inscrever o clube no principal escalão.

Lançando de novo para o lugar que os boavisteiros dizem ser seu por direito, o Boavista prepara-se agora para um desafio que será, provavelmente, o mais difícil dos seus 111 anos de história. Ainda sem qualquer compensação financeira recebida por parte da FPF pelos prejuízos provocados pela despromoção administrativa, os “axadrezados” começaram a arrumar a casa e um acordo alcançado por João Loureiro com perto de 90% dos credores, através do plano Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), manteve o Boavista vivo, mas ligado à máquina: só a divida à Autoridade Tributária e a Segurança Social custará perto de 1,5 milhões por ano ao clube. E a saldo só deverá ficar liquidado em 2026. A isto, há ainda que somar os valores devidos a privados.

Com o clube estrangulado financeiramente e sem margem de manobra para investimentos, o salto do Campeonato Nacional de Seniores para a I Liga será mais do que um recomeçar do zero e Petit, um dos ilustres boavisteiros que regressou ao clube, terá que construir uma equipa com um plantel que é uma incógnita.

Tendo como base o grupo que disputou na última época o terceiro escalão nacional, os boavisteiros tentaram completar o puzzle com jogadores resgatados às divisões secundárias e a mercados acessíveis. Excluindo Fary, que em 2008 esteve no banco em Alvalade e que será agora mais uma referência no balneário do que uma opção no relvado, os reforços mais sonantes resgatados no mercado nacional foram o guarda-redes Mika, que teve uma passagem discreta pelo Benfica, o defesa João Dias e o extremo Brito, jogadores poucas vezes titulares na Académica e no Gil Vicente, respectivamente.

Excluindo o hondurenho Beckeles, que jogou no Mundial 2014, do estrangeiro e a custo zero, chegaram ilustres desconhecidos. O lateral Correia mostrou bons pormenores na pré-época, Lucas pode ser um bom reforço, mas é Fábio Ervões, ex-Penafiel, que se tem assumido como patrão da defesa. A manta, no entanto, é curta e na segunda vida da pantera, o lema da claque boavisteira fará mais sentido do que nunca: “Só os fracos desistem, só os fortes resistem.”

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