A co-propriedade dos passes de jogadores: uma face menos transparente do negócio

O estudo The Economic and Legal Aspects of Transfers of Players promovido pela Comissão Europeia revela uma interessante análise sobre o futebol profissional em Portugal: os clubes portugueses são um importante hub no mercado internacional de transferência de jogadores. É que, apesar de as transferências terem proporcionado 980 milhões de euros de receitas e 390 milhões de euros de mais-valias em nove épocas, os autores do estudo concluem que a estratégia seguida não impediu os prejuízos e os problemas financeiros dos clubes portugueses. Trata-se de uma análise que deveria merecer uma cuidada reflexão dos sócios, accionistas e dirigentes desportivos, sobretudo por parte das administrações das SAD de Sporting, Benfica e FC Porto, já que nestas se concentra uma parte significativa dos fluxos financeiros gerados no futebol nacional.

Como é do conhecimento geral, a política de investimento em jogadores tem implicado a partilha dos direitos económicos com outros investidores, cuja contrapartida é a participação nos rendimentos associados à transferência temporária e/ou definitiva dos direitos económicos para outra entidade. Esta opção dos clubes visa reduzir o custo de aquisição de futebolistas tidos à partida como mais valiosos, para poderem usufruir do seu talento em campo e aumentarem assim a competitividade dos plantéis, mas minimizando simultaneamente o risco de investimentos que por norma são consideráveis.

Todavia, esta estratégia tem originado crescentes preocupações à UEFA, na perspectiva de que os interesses económicos dos investidores podem distorcer a integridade das competições e que os lucros são apropriados por entidades alheias ao futebol. As recentes transacções com os passes de João Moutinho e James Rodríguez vêm confirmar essas preocupações no que concerne a este último aspecto. Efectivamente, em pouco mais de dois anos, duas entidades e os seus respectivos investidores "desconhecidos" ganharam mais de 9 milhões de euros. A história é simples e conta-se em poucas palavras!

Os direitos desportivos e económicos sobre João Moutinho e James Rodríguez foram adquiridos no Verão de 2010 pela FC Porto SAD, que posteriormente cedeu parte das suas posições à Mamers BV / Soccer Invest Fund (37,5%) e à Gol Football Luxembourg (35%), respectivamente. As operações de recompra desses direitos ocorreram em 2011 e 2013 e implicaram um custo de 9.375.000 euros para a SAD portista. O resultado destes negócios traduziu-se numa rendibilidade anual de 79% para a Gol Football Luxembourg, enquanto para o investidor do passe de João Moutinho a rendibilidade anual foi de 82% na operação dos 22,5% do passe e de 35% nos restantes 15%. Estas rendibilidades atractivas abrem portas para futuras operações semelhantes. Parte dos direitos económicos sobre o jogador Diego Reyes já foram cedidos à Gol Football Luxembourg por um montante inferior à quota-parte do custo global da compra inicial.

Estas duas situações suscitam a seguinte questão: quais foram as reais motivações para a cedência parcial dos direitos económicos sobre os referidos jogadores? Motivações relacionadas com a redução do custo e risco do investimento ou a existência de dificuldades de tesouraria da SAD é que não se afiguram plausíveis, tanto mais que os direitos económicos foram cedidos aos investidores passados alguns meses de terem sido adquiridos e por um montante que não reverteu em qualquer valorização dos passes dos atletas. Acresce que, no caso de João Moutinho, a SAD acabou por assumir implicitamente uma desvalorização do seu passe, pois o custo de aquisição inicial foi de 12,3 milhões de euros, enquanto a cedência de posição pressupôs a avaliação do passe em 11 milhões de euros.

Ao tomar a decisão de cedência de parte dos direitos económicos nos dois jogadores, a SAD portista assumiu o pressuposto que as valorizações futuras dos passes dos jogadores teriam uma rendibilidade inferior ao seu custo de capital. Os últimos anos mostram que a FC Porto SAD tem conseguido gerar mais-valias significativas na venda de jogadores. Daí que, se tivesse havido eventualmente alguma dificuldade de tesouraria no momento em que ocorreram as mencionadas operações, não teria sido preferível pedir um empréstimo para suprir essas dificuldades, dando como garantia parte dos direitos económicos dos passes dos dois jogadores em causa? Atendendo à qualidade dos atletas, certamente que qualquer entidade bancária estaria disponível para emprestar 6.675.000 euros a uma taxa de juro inferior a 10%. De resto, esta perspectiva assenta no histórico da própria SAD portista, que recorreu a financiamentos bancários utilizando como garantia os passes de Souza, Helton e Fucile.

Em segundo lugar, a cedência da posição no passe de João Moutinho não implicou a partilha dos principais riscos de investimento com o investidor, pois a SAD reconheceu essa operação como dívida a um terceiro. Embora no caso de James Rodríguez a cedência de direitos tenha sido tratada como uma alienação, é no mínimo questionável considerar de risco o investimento num jogador que em Dezembro de 2010 começava a ser uma escolha regular para o onze titular de André Villas-Boas e quando existiam boas perspectivas de ser convocado para o Campeonato do Mundo de Sub-20 de 2011.

Estes são apenas dois exemplos bem demonstrativos da existência de entidades alheias ao fenómeno desportivo que obtêm rendibilidades fabulosas, enquanto as SAD acumulam prejuízos. A Agency Theory é útil para compreender as implicações dos contratos de co-propriedade de passes de jogadores na gestão dos clubes. De acordo com a teoria, os gestores têm por vezes objectivos incongruentes com os reais interesses dos accionistas e estes têm dificuldade de monitorizar a sua actividade. A redução dos custos de agência passa por uma atitude de vigilância dos accionistas e sócios, que devem pugnar pela defesa dos reais interesses do seu clube, que agora, mais do que nunca, não pode deixar de ser encarado também como a sua empresa.

Nota: No caso de James, a FC Porto SAD adquiriu inicialmente 70% dos direitos económicos ao Banfield. A este propósito, não se compreende como é que ninguém reparou que a transacção foi considerada como investimento a 30 de Junho de 2010, quando o relatório e contas de 2010 e o comunicado enviado à CMVM referem que a operação de compra ocorreu a 6 de Julho de 2010.

Professor de Economia do ISEG

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