Estudo alargado identifica 106 genes que influenciam a altura da primeira menstruação

Genoma de mais de 180.000 mulheres foi analisado por uma equipa internacional. Artigo publicado na Nature.

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O momento da primeira menstruação pode definir um maior risco de doenças como o cancro Nuno Ferreira Santos (arquivo)

A menarca, a primeira menstruação, é um momento que marca o desenvolvimento sexual feminino. Normalmente acontece nas raparigas com idades entre os oito e os 13 anos, mas ninguém pode adivinhar esse momento. Agora, uma equipa internacional foi estudar 25.000 “letras” do genoma humano em 182.416 mulheres e identificou 106 locais em que há variações genéticas a influenciar a idade da menarca. O estudo, publicado nesta quarta-feira na revista Nature, poderá ajudar a compreender o aparecimento de doenças nas mulheres, como o cancro da mama, a diabetes e doenças cardiovasculares.

“A esperança é que uma melhor compreensão da biologia [da menarca] conduza a um maior conhecimento de como o início da puberdade traz mais risco de doenças”, disse ao PÚBLICO John Perry, cientista da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, uma das 166 instituições envolvidas neste trabalho.

“Estas mulheres estão expostas durante mais tempo aos estrogénios”, diz Cristina Padez, antropóloga da Universidade de Coimbra ouvida pelo PÚBLICO, apontando uma possível razão para o risco aumentado de doenças nas mulheres que têm a menarca mais cedo. Para a cientista, que fez no passado estudos sobre a idade da menarca em raparigas portuguesas mas não está envolvida no trabalho na Nature, o início cada vez mais precoce da menstruação nas mulheres ocidentais, nas últimas décadas, é uma fonte de “preocupação”.

Esta tendência, associada a uma melhor alimentação e à obesidade, além de poder ter implicações na saúde, aumenta o risco de gravidez nas adolescentes, quando as raparigas ainda estão longe de um desenvolvimento físico e psicológico completo. Mas todos os factores ambientais e sociais que afectam a menarca estão, no fundo, a influenciar um processo biológico, cujas raízes são pouco conhecidas. “Nos últimos cinco anos, tem-se feito muita investigação sobre o papel da genética na menarca”, explica Cristina Padez. “Este novo estudo mostra que há de facto uma componente genética forte na idade da menarca.”

Todos os humanos têm, no núcleo das células, o ADN com a informação genética dos genes. São estes genes que servem de molde inicial para a produção de proteínas e outras moléculas que dirigem o desenvolvimento embrionário e comandam os processos fisiológicos até à morte. Mas entre duas pessoas há variações nas “letras” do ADN dos genes, que definem a variabilidade humana: fazem com que se tenha cabelo preto ou castanho, tornam alguém mais susceptível a ter um cancro ou determinam que uma rapariga inicie a puberdade mais cedo.

Através da análise de 25.000 “letras” de ADN de genes diferentes, que podiam assinalar variações genéticas importantes naquela enorme população de mulheres, a equipa de John Perry encontrou 106 genes associados à variação na idade da menarca.

“Ficámos maravilhados com a grande variedade de vias biológicas e de processos em que todos estes genes estão incluídos. Para a grande maioria destes genes, não havia uma indicação prévia da sua implicação na puberdade. Estes genes estão envolvidos em vias ligadas à energia, às homeostasia, à auto-imunidade ou à sinalização de hormonas relacionadas com o sexo”, descreve o cientista num podcast da Nature.

Os cientistas descobriram ainda que em quatro dos 106 genes uma das duas cópias dos genes — uma da mãe, outra do pai — estava bloqueada. Normalmente, as duas cópias estão activas. Este processo epigenético, onde factores externos influenciam a actividade genética, era desconhecido na menarca.

“Planeamos fazer estudos funcionais para saber exactamente como é que os genes mudam a altura da puberdade”, diz o cientista, antecipando o trabalho futuro.

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