Difícil homenagear mulheres

Mary fez um pouco de tudo no mundo da rádio: locução, produção, leitura das atualidades radiofónicas, cinema e teatro radiofónico, montagem e sonorização. Falava aos microfones enquanto bordava.

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Mary Tarrant Rodrigues a ser entrevistada por Henrique Mendes para a RTP, em 1970 DR
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Quantos homens não vejo serem homenageados por esse país fora, porque foram os primeiros republicanos, porque criaram esta ou aquela instituição, porque foram humanistas… É atribuído, na maioria dos casos, justamente, o nome a uma rua, a uma rotunda e ergue-se mais um busto. A dificuldade está em homenagear mulheres e reconhecê-las, ainda para mais quando se sabe tão pouco do percurso delas, ou melhor, reformulando, quando tão pouco se procura saber.

Recentemente, estudantes do Instituto Politécnico da Guarda, no âmbito da disciplina de Comunicação Radiofónica, do Curso de Comunicação e Relações Públicas, criaram uma página na Wikipedia dedicada à primeira mulher locutora de rádio em Portugal, nascida em 1908, em Lisboa. Mary Guilhermina Sylvia Tarrant Rodrigues, conhecida por Mary, “a menina querida da rádio”, foi pioneira no percurso radiofónico, no Rádio Clube Português (ao serviço da estação desde 1936), onde começou a trabalhar com 28 anos e com três filhos pequenos, assim recorda em entrevista à RTP, a 15 de abril de 1972, na qual se assume como a primeira locutora de rádio em Portugal e na Europa. Fez teatro radiofónico e apresentou o programa Nunca é tarde, de 1983, sobre a prática de desporto dos idosos, e com conselhos para o seu quotidiano e foi a primeira mulher a lançar um programa de rádio feminino em Portugal, em 1947, De mulher para mulher, assim se intitulava. Mary fez um pouco de tudo no mundo da rádio: locução, produção, leitura das atualidades radiofónicas, cinema e teatro radiofónico, montagem e sonorização. Falava aos microfones enquanto bordava.

No mundo da rádio em Portugal, há outras personalidades femininas também pioneiras: Etelvina Lopes de Almeida, da Emissora Nacional; Maria Júlia Guerra, fundadora e diretora da revista Crónica Feminina, que também trabalhou na Rádio Renascença; Dora Maria, da Rádio Renascença; Maria Dinorah com passagem pela Rádio Graça, Rádio Peninsular e Emissora Nacional; Maria Madalena Patacho, com um prestigiado programa infantil na Emissora Nacional; Ilda Maria, da Emissora Nacional, que, na década de 1970, foi a primeira mulher a realizar um relato de futebol, assim me confirmou o mais antigo locutor de rádio em atividade, Aurélio Carlos Moreira, o homem que contribuiu com o seu conhecimento para a elaboração da página dedicada à Mary, na Wikipedia.

Regressando a Mary, no ano de 1985, foi condecorada pelo Presidente da República, António Ramalho Eanes, com a Ordem do Infante, juntamente com outras seis mulheres que "promovendo a melhoria e a dignificação da condição feminina, melhoraram e dignificaram a condição humana". Mas até ao passado dia 20 de maio, quem colocasse o seu nome no Google, pouca informação encontrava sobre o seu percurso. Mary nem uma página tinha na Wikipedia e como ela tantas outras mulheres, nas mais diversas áreas em Portugal, nunca foram reconhecidas nem se prevê que venham a ser. Caberá a todos e todas, sem exceção, o papel de se destaparem estes lençóis da história que ocultam o percurso das mulheres.

Entretanto, um novo aeroporto vai ser construído, e mais um nome masculino para o celebrar. Nada de novo.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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