Obras de parque solar em Castelo Branco afastam águia-imperial-ibérica do ninho
Licenciamento da central fotovoltaica dispensava parecer do Instituto de Conservação da Natureza. Apesar das medidas para remediar, casal de águias-imperiais acabou por abandonar o ninho.
Os trabalhos de construção de um parque solar junto ao Aeródromo de Castelo Branco levaram ao afastamento de um casal de águias-imperiais-ibéricas (Aquila adalberti), que se mantiveram no seu ninho até ao início da época de reprodução, nos primeiros meses do ano, mas acabaram por “abandonar o ninho devido a perturbação existente no local com maquinaria, ruído e presença de pessoas e movimento de máquinas constante”, denunciou esta segunda-feira a Quercus.
Em comunicado enviado às redacções, a associação ambientalista entende que está em causa uma violação da Directiva Aves da União Europeia. Na sequência do ocorrido, vai apresentar “nova queixa por danos contra a natureza” à linha SOS Ambiente e Território.
Em Dezembro de 2022, a Quercus já tinha alertado que as obras da central fotovoltaica no concelho de Castelo Branco tinham arrancado sem medidas de mitigação do impacto sobre as aves, destruindo áreas naturais que afectavam uma zona de nidificação do casal de águia-imperial-ibérica, uma das espécies de águias mais ameaçadas do mundo.
Na altura, perto do Aeródromo de Castelo Branco, tinham sido arrasados vários exemplares de azinheiras e restavam apenas algumas destas árvores dispersas, num habitat onde nidificava um casal de águia-imperial-ibérica — “um dos mais produtivos de Portugal”, gerando três crias todos os anos, segundo Carlos Pacheco, investigador do Biopolis/Cibio — o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto e colaborador do grupo de trabalho da águia-imperial-ibérica do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
Em Setembro do ano passado, o engenheiro florestal Carlos Machado, responsável da empresa da central fotovoltaica, explicava ao Azul que os painéis não iriam ser colocados “até ao extremo do terreno mais próximo do ninho, terminando a alguma distância”.
Protecção alargada
Na década de 1980, a espécie Aquila adalberti foi considerada extinta no país, enquanto reprodutora. Dados do ICNF relativos a 2020 apontam para a existência de 841 casais reprodutores na Península Ibérica, 21 dos quais em Portugal, onde também foram identificadas 20 crias voadoras. Em 2017 tinham sido detectados apenas 13 casais reprodutores no Alentejo. Em Castelo Branco, estima-se que existam apenas três casais de águia-imperial.
Contudo, tratando-se de um terreno fora de áreas protegidas ou de zonas especiais de conservação, o projecto desta central fotovoltaica obteve licenciamento da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), sem precisar de qualquer parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ou do ICNF, devido ao facto de ter uma capacidade de produção inferior a 50 megawatts.
Para a Quercus, é urgente excluir as centrais fotovoltaicas das áreas de Reserva Agrícola Nacional (RAN), Reserva Ecológica Nacional (REN) e Regime Florestal, além de zonas de protecção especial para as aves selvagens e zonas especiais de conservação da Rede Natura 2000. A associação alerta ainda para a necessária protecção de “áreas de montado de sobreiro, azinheira, assim como carvalhais e outros espaços florestais de conservação e de produção de serviços do ecossistema”.
A Quercus insiste, assim, que o Governo deve acelerar a criação de “go-to areas que ajudem os investidores em energias solares a seleccionar previamente a localização dos parques em áreas sem condicionantes de natureza ambiental”.
Em Portugal continental, de acordo com um relatório técnico coordenado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) para definir áreas de “menor sensibilidade” para instalar parques eólicos e solares, sabe-se que há 10.350 quilómetros quadrados de terreno com estas características, que correspondem a cerca de 12% do território nacional.