Como ensinar os filhos a assumirem as suas culpas
Quando nos pomos no papel de vítima em que nunca questionamos o nosso lado, a nossa responsabilidade e a nossa reação, nunca saímos do loop em que os outros são percepcionados como agressores
Ana,
Ouvir as conversas dos outros é um dos meus passatempos favoritos. Estou num restaurante fast-food e uma senhora já mais velha do que eu (se não é, parece), está a falar com uma suposta amiga pelo telefone, e parece uma conversa de adolescentes de liceu, só que em versão sinistra.
Primeiro, queixou-se de que estava muito sozinha, mas depois quando a outra lhe sugeriu companhia, começou em diatribes sobre como toda a gente é horrível. Imagina que não houve ninguém que lhe tivesse dado sequer um cravo no 25 de abril!
Os homens, em geral, são o seu ódio de estimação. Afirma e repete que já não quer nada com eles e justifica que, além do mais, já não precisa de aturar nenhum, porque a pensão que recebe é suficiente. Percebo que, do outro lado da linha, a interlocutora entusiasma-se e começa a dizer mal do respetivo marido, mas aí a conversa muda de tom. Diz-lhe: “Que ele é um traste, não há dúvida nenhuma, mas guarda-o bem, porque os outros são muito piores.”
Ora bem, deixo-te com esta máxima, e peço-te por favor que se me tornar numa destas pessoas amarguradas e a culpar toda a gente pelas minhas infelicidades, interna-me. Em solitária, e sem telefone!
Falando muito a sério, sabes qual me parece ser o mínimo denominador comum das pessoas tão ressabiadas e infelizes ao ponto de meter pena? O facto de se colocarem sempre no papel de vítimas. Nunca, por um instante, se põem em causa, o mal vem sempre de fora. Suspeito que é um problema de educação, de “locus de controle externo”, quando a criança tropeça na mesa, os pais zangam-se com a mesa que fez o menino cair. Sem chegar ao extremo do “É tudo tua culpa”, temos mesmo de ensinar os nossos filhos e netos a refletir na responsabilidade que lhes cabe nos conflitos que inevitavelmente terão com os outros, e na forma de os resolver. Não achas?
Querida Mãe,
Pois, não há dúvida nenhuma de que também os hobbies passam de geração em geração. Há famílias em que todos gostam de caçar ou pescar e linhagens de tenistas maravilhosos, por exemplo, mas na nossa família ouvir as conversas dos outros e observar pessoas é claramente um “passatempo” que já vinha da avó e que até já confirmei que passou para os bisnetos!
Concordo consigo. Quando nos pomos no papel de vítima em que nunca questionamos o nosso lado, a nossa responsabilidade e a nossa reação, nunca saímos do loop em que os outros são percepcionados constantemente como agressores e ninguém nos consegue satisfazer.
Sabe o que me parece? Que essa amargura vem sempre de dor. É um mecanismo de defesa — muito útil e muito difícil de largar —, a que recorre quem não tolera lidar com a própria culpa ou com a realização de que o problema pode estar nela própria. E a mãe tem razão, temos mesmo de ajudar os nossos filhos a reconhecer este mecanismo, e os seus sentimentos, para que não fiquem reféns deles, conseguindo desconstruir a forma como reagem desproporcionadamente a assuntos que os magoam muito.
Agora como é que isto se faz, principalmente com adolescentes sem, por um lado, cairmos na tentação de nos aliarmos a eles, dizendo mal de tudo e todos “com eles” e, por outro, não fazermos aquela coisa terrível de “ficarmos do lado dos outros”, acusando-os de estar a exagerar, ou de nem sequer lhe permitirmos desabafar porque estamos constantemente a insinuar que tiveram alguma culpa no sucedido?
Recomendaria o livro Como falar para as crianças ouvirem e ouvir para as crianças falarem, de Adele Faber e Elaine Mazlich.
Mas mãe, não é apenas com as crianças que isto acontece, o que não faltam são adultos presos na mesma teia, e como a mãe viu em primeira mão, velhinhos que ficam presos neste círculo vicioso. Acho que é útil lembrar-nos que também vem da dor, e é o que tentarei fazer consigo, se a mãe entrar numa espiral de amargura! Por isso, não a vou fechar em solitária, mas dar-lhe muitos beijinhos e mais companhia, pode ser?
Ana
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990