A vida são dois dias. Um eclipse solar total são os seus mais belos minutos
Milhões de pessoas no México, Canadá e EUA assistiram esta segunda-feira ao último eclipse solar total dos próximos 20 anos em zonas habitadas da América do Norte. O PÚBLICO testemunhou o fenómeno.
Três minutos e 15 segundos. Foi o tempo que durou a fase total do eclipse solar desta segunda-feira, visto a partir de Burlington, no estado norte-americano do Vermont. Mas o espectáculo começou antes, tanto ali como na costa ocidental do México, onde o fenómeno iniciou a sua passagem pela América do Norte, presenteando milhões de mexicanos, norte-americanos e canadianos com o último eclipse solar total dos próximos 20 anos em zonas habitadas daquele continente.
Em Burlington, a fase parcial do eclipse arrancou cerca das 14h14 locais (19h14 em Portugal continental), com uma pequenina dentada da Lua visível no disco solar, que foi crescendo gradualmente ao longo da hora seguinte. O PÚBLICO assistiu ao fenómeno em North Beach, uma praia nas margens no Lago Champlain, com vista para os montes Adirondack, do outro lado, já no estado de Nova Iorque. Um anfiteatro natural, com vista desimpedida e águas tranquilas.
Nos céus, nuvens altas mas finas fizeram temer, por momentos, que a meteorologia ia estragar o espectáculo celestial. Teria sido uma surpresa, já que as previsões anunciadas ao longo dos últimos dias tinham apontado precisamente esta zona do Vermont como um dos melhores sítios em todo o país para assistir ao eclipse, atraindo centenas de milhares de visitantes.
Não tiveram tanta sorte milhões de texanos e de habitantes de estados como o Ohio e da zona norte do estado Nova Iorque. Mas teve quem veio ao Vermont, e vieram de todo o lado: as matrículas dos automóveis que entupiram Burlington denunciavam forasteiros de toda a Costa Leste dos Estados Unidos e de alguns estados mais longínquos como o Kentucky.
Mas voltemos a esta praia onde centenas de pessoas passaram esta hora e meia a olhar o céu. Estudantes universitários em tronco nu, freiras, turistas agasalhados, famílias locais com os seus cães. Houve até quem tivesse trazido um sofá para o areal. O espectáculo merecia-o. Merecia tudo (permita-se a subjectividade e o entusiasmo do jornalista; se há momento em que se justifica, será este).
Ao longo daquela hora inicial, com a dentada da Lua a crescer no Sol, a luz ia diminuindo gradualmente, tal como a temperatura. Onde vimos troncos nus, víamos agora camisolas e casacos. Mas é nos minutos que antecedem imediatamente a fase total do eclipse que tudo muda abruptamente.
É como um estranhíssimo pôr do Sol: não é o laranja do céu que mergulha num ponto ocidental do horizonte e em que tudo à volta escurece, de Leste para Oeste; é o contrário, é a escuridão que surge ali de um ponto concreto, atrás dos Adirondack, de Oeste e não de Leste, e que se expande em segundos e toma de assalto todo o céu. Lá longe, muito longe no horizonte, percebe-se que é de dia, que só é de noite aqui.
As aves voam sobre o lago, confusas. Ouve-se o som da multidão, dali da praia, do centro da cidade ali ao lado, dos bairros à beira do lago. Gritos contínuos de júbilo, de fascínio e estupefacção. “Oh my god. Oh my god. Holy fuck. Oh my god.” Há mergulhos espontâneos no lago. Há também um intenso cheiro a marijuana no ar. No céu escuro, o Sol mordido deu lugar ao mais belo anel de luz. É o astro-rei atrás da Lua, tapado mas a acenar lá de trás. É a fase total do eclipse, são 15h26 em Burlington, 20h26 em Portugal continental. São os tais três minutos e 15 segundos que ficam para o resto de uma vida.
Mas esses minutos, de uma beleza avassaladora, passam num instante, como quaisquer outros minutos. No anel de luz, vê-se um pequeníssimo ponto avermelhado, como uma pedra preciosa num anel de noivado. É o Sol prestes a aparecer, a sair de trás da Lua. O dia volta, muito rapidamente, às 15h29 locais. A temperatura sobe, as aves retomam a rotina interrompida.
Os gritos dão lugar a aplausos, os “Oh my god” e “Holy fuck” passam a “Nunca vi nada assim”, a “Foi a coisa mais bela de sempre”, e a “Superou todas as minhas expectativas”. A praia esvazia-se, as multidões regressam aos seus automóveis e começam a sair de Burlington.
O espectáculo – o antes, o durante e o depois – replicou-se ao longo de uma estreita faixa de 185 quilómetros de largura, do México ao Leste do Canadá, passando por cidades como Mazatlán (México), Austin, Dalas, Indianápolis, Cleveland (Estados Unidos) e Montreal (Canadá), antes de findar algures sobre o Atlântico Norte.
Serão muitas as fotografias e os vídeos a inundar as redes sociais nas próximas horas. Poucas farão justiça ao fenómeno, arrebatador ao vivo, mas darão uma ideia do que se viu esta segunda-feira na América do Norte. Junte-se a essas imagens, então, estas palavras: vale mesmo a pena aproveitar a oportunidade que será proporcionada, em Portugal continental, pelo eclipse solar total previsto para 12 de Agosto de 2026, que passará por uma estreita faixa do Nordeste transmontano. Vale a pena mesmo ir mais a norte, à Galiza e às Astúrias, e jogar pelo seguro – estar ou não estar na zona de sombra total faz mesmo a diferença, não se contente com uma cobertura de 99%. Ou então esperar por 2 de Agosto de 2027 e ir à ponta Sul da Península Ibérica, a Tarifa (Espanha) e a Gibraltar, e aproveitar o outro eclipse solar total previsto para a região. Depois disso, só daqui a mais de um século.
São dois, três minutos inesquecíveis, que valem por uma vida. A vida, essa, segue momentos depois.
Imagens cedidas ao PÚBLICO por Kati Ringer (@katiringerphotoarts no Instagram)