Almoço num hotel, no Douro solarengo. Na mesa ao lado acaba de se sentar o arquitecto responsável pelo projecto há mais de 30 anos, é-nos apresentado, estamos todos em trabalho, o profissional já com muita obra feita, vai apresentando o seu currículo, os projectos realizados, os que estão a decorrer, os concursos ganhos para espaços públicos... Quando pára para respirar, pergunto-lhe: "E agora, com a mudança de Governo, não teme que alguns desses projectos fiquem parados?"

Responde, confiante, que a política não lhe interessa, já lhe interessou, mas chegou a uma posição que já não interessa, são muitos anos, muita obra feita, os filhos e os netos encaminhados... Mas para o seu desinteresse contribuiu a comunicação social que "não informa, sabe?". E eu reajo como os professores reagem quando se lhes diz que a culpa é da educação: à bruta. "Não é verdade! Quando muito pode dizer que a culpa é das redes sociais e de nós, comunicação social, não sabermos como lidar com elas, como manter os leitores interessados numa informação isenta", atiro. Ele olha-me pela primeira vez e volta aos seus projectos até que, a páginas tantas, diz: "Agora, vamos lá ver, não é?" E eu respondo com um meio sorriso: "Pois é, afinal a política interessa!"

Na minha mesa, uma colega de trabalho explica como o voto na extrema-direita populista é de protesto. Por exemplo, no seu Alto Alentejo onde se planta olival intensivo e onde não se consegue respirar, devido aos químicos, há razões para se acreditar que o poder central está muito longe e não quer saber de nada, que não está preocupado com um país que está a morrer aos poucos, onde são os espanhóis que estão a destruir o nosso solo. No Algarve, continua, é a seca, os imigrantes e as condições de trabalho sazonais. São as circunstâncias que levaram as pessoas a votar, descrentes com os partidos que se têm alternado no poder, insiste.

Lembrei-me do meu avô, que foi presidente de câmara no tempo a que quase um quinto dos eleitores anseia voltar, e que foi chamado ao gabinete de Marcelo Caetano porque, numa entrevista, disse que no seu concelho "não havia comunistas, mas pessoas pobres" — afirmação polémica, o que seria pior: reconhecer a existência de um partido ilegal ou a pobreza​? O meu avô argumentou que o que era preciso era continuar a trabalhar para melhorar a vida das pessoas. Manteve as declarações e o cargo.

Havia comunistas, sim, que em eleições livres votaram PCP até se esquecerem que os bisavós viviam em casebres, que os avós tinham uma única fonte com água canalizada para toda a povoação, que os tios-avós emigraram para não passar fome, que os tios deram o salto para não ir à guerra, que os pais foram os primeiros a completar a preparatória. Fui ver os resultados nestas legislativas, o concelho é socialista (31,85%), segue-se a AD (21,29%), e o partido de extrema-direita populista vem em terceiro (19,14%). A CDU é a quinta força política (5,45%) porque à sua frente ainda fica a IL (5,66%). Já não têm memória? Já não se lembram ou, cheios do que já conquistaram, é-lhes mais fácil esquecer os avós analfabetos? Vale a pena ouvir o discurso da actriz Sara Leitão de Barros, num comício do BE, que sublinha a importância da memória. 

"É importante passar, de geração em geração, esta mensagem que também está relacionada com os 50 anos do 25 de Abril. Muitos jovens vão-se esquecendo porque não o viveram, não o sentiram na pele e, por isso, há sempre perigo à espreita de um novo fascismo, de um novo ‘estado novo’. É por isso que é tão importante salientar e recordar os mais jovens através do livro e da literatura", reflecte o autor Pedro Seromenho que escreveu As Galochas Vermelhas, um livro com ilustrações de Rachel Caiano, sobre a liberdade e como esta não pode ser dada por garantida, em conversa com a Rita Pimenta, para o seu Letra Pequena.

A professora Inês Ferraz propõe que os leitores leiam aos seus filhos, desde sempre. A sua preocupação é com a aprendizagem da leitura e da escrita, de preparar uma boa entrada na escola, eu acrescentaria: o vínculo que se cria, a intimidade, a relação, a brincadeira, a imaginação, o debate, em suma, a construção de uma relação que se quer saudável. 

A psicóloga Sara Berény Domingues dá vários exemplos de crianças ditadoras ​— alguns, certamente, reconheceremos — para propor aos pais uma educação mais assertiva. Já Ana e Isabel Stilwell procuram desmistificar esta ideia de que os miúdos são uns monstros e reflectem sobre os ritmos alucinantes em que todos vivemos. "Esta aceleração e ansiedade constante provoca, sem sombra de dúvida, os distúrbios e comportamentos que as crianças (e os adultos) estão a revelar. Não é por acaso que os professores estão a "passar-se", mas também não é por acaso que os miúdos estão a revoltar-se." É sobre eles que precisamos de reflectir e mudar, apelam. De maneira mais prática, Meghan Leahy responde a um pai que lhe pergunta o que fazer quando um filho rouba numa loja"O objectivo de educar os filhos é ajudá-los a amadurecer; não é envergonhá-los."

Ainda no campo da educação, Carmen Garcia conta a sua experiência numa escola e da percepção da masculinidade tóxica que persiste ou, lamentavelmente, tem aumentado. Um dos nomes apontados como grande influenciador dos rapazes (e talvez de raparigas...) é o britânico Andrew Tate que está a ser investigado na Roménia e viu, esta semana, um tribunal daquele país aprovar um pedido de extradição para o Reino Unido. O homem e o irmão são acusados de crimes de agressão sexual, violação, tráfico de seres humanos. Mas, pais, não descansem porque os vídeos de Tate continuam a ser vistos e revistos pelos vossos filhos, que o têm como um modelo a seguir.

Liliana Carona reflecte sobre o Estudo Nacional sobre Violência Doméstica da UMAR, em que o comportamento de violência mais legitimado pela população jovem portuguesa é pegar no telemóvel ou entrar nas redes sociais do parceiro sem autorização (37,1%). A jornalista lembra que há influencers portugueses que o aconselham nas suas contas. Recordei uma publicação de uma miúda que, à medida que punha quilos de maqulhagem na cara, aconselhava as suas seguidoras a não deixarem os namorados ir a festas sozinhos e, se fossem, tinham de mostrar que não havia "outras meninas". Para isso, assim que chegassem, mostravam a sala, por videochamada.

Então, ri-me com os meus filhos, a imaginar os rapazes a pedirem às raparigas para se esconderem enquanto faziam o vídeo e, de seguida, reflectimos sobre a importância da confiança em nós e nas nossas relações. Escreve Liliana Carona: "O ciúme e a possessividade não são conteúdos de brincadeira de TikTok. É assustador perceber que os/as jovens estão a permitir comportamentos que podem ser a semente dos futuros números negros da violência doméstica." E eu acrescentaria que, ao normalizarmos o controlo das nossas vidas pessoais, normalizaremos que o Estado controle também a nossa vida pessoal.

Não podemos demonizar as redes sociais, nem tudo é mau e negativo, só podemos ensinar, novos e velhos, a saber utilizá-las, a ter espírito crítico, para que não normalizemos o que não é normal, para que, mesmo em democracia, não haja gente a escolher retrocedermos nos nossos direitos. 

Boa semana!