A população de três freguesias do concelho de Torre de Moncorvo – Souto da Velha, Felgar e Carvalhal – esteve exposta a água contaminada e nenhum dos autarcas local alertou os residentes para os perigos de saúde pública que poderiam estar a correr, denuncia uma investigação da revista Sábado.
Estas freguesias foram as únicas que ficaram fora da tutela das Águas do Interior no Norte (ADIN), a entidade que gere os serviços municipais de abastecimento e, como consequência, tem por missão garantir a qualidade da água para consumo humano. Por outras palavras, a água servida à população local não tem sido alvo de análises profissionais regulares.
Na investigação intitulada Nestas aldeias beberam água contaminada, a revista Sábado refere que é o próprio presidente da Junta da União de Freguesias de Souto da Velha e Felgar, Vítor Vieira, a pessoa responsável pelo tratamento do cloro das águas para consumo humano na zona. O autarca não possui formação em análise microbiológica de águas.
“Sei que não tenho competências para o fazer e não acho isso normal, mas também não tenho técnicos que o façam”, afirmou Vítor Vieira à Sábado. O PÚBLICO tentou contactar o autarca sem sucesso.
O Ministério Público chegou a interpor uma providência cautelar invocando as “consequências imprevisíveis e eventualmente fatais”, segundo a mesma fonte, na sequência de análises, pedidas pela Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), que indicavam que as águas nas freguesias de Souto da Velha e Felgar estavam contaminadas e eram impróprias para o consumo humano.
O despacho em causa, citado pela Sábado, refere que “existe um perigo real para a saúde pública que motivou as autoridades de saúde do concelho de Torre de Moncorvo a desaconselhar a população a consumir água, o que fez através de um pedido de afixação de editais, que desconhece se chegou a ser satisfeito”.
A investigação da Sábado assegura que nem Vítor Vieira nem o presidente da Câmara de Moncorvo, o social-democrata Nuno Gonçalves, deram conta à população do facto de as águas publicas estarem possivelmente contaminadas, uma vez que não são alvo de análises microbiológicas regulares. O PÚBLICO tentou sem sucesso contactar a presidência da Câmara de Moncorvo.
Operação Gota d'Água
O Ministério Público terá pedido que a autarquia local fosse intimada a facultar à ADIN acesso às infra-estruturas de abastecimento público nas freguesias afectadas. Contudo, ainda segundo a Sábado, o Tribunal de Mirandela indeferiu a providência cautelar invocando que a análise da ERSAR não seria representativa da qualidade da água local e que, portanto, deveriam ser consideradas as análises feitas pelo Laboratório Regional de Trás-os-Montes.
O problema é que o laboratório de Trás-os-Montes é o mesmo que, em Novembro de 2023, foi alvo de uma investigação sobre a falsificação de análises de água destinada ao consumo humano. A operação da Polícia Judiciária chamava-se Gota d’Água e resultou na detenção de 20 pessoas e em 60 buscas em espaços onde vivem ou trabalham responsáveis de entidades públicas e privadas possivelmente envolvidas na fraude. Actualmente, a actividade do laboratório de Trás-os-Montes está suspensa.
O objectivo da falsificação era reduzir os custos das análises laboratoriais. Esta poupança punha “em causa a confiança e fiabilidade dos resultados das análises e, consequentemente, a qualidade da água ingerida diariamente pelas comunidades”, esclarecia o comunicado da Polícia Judiciária.
Na sequência da operação Gota d’Água, a ERSAR suspendeu a entrega do “selo da qualidade exemplar de água para consumo humano” de 2023 à empresa Águas de Gondomar e aos municípios de Miranda do Douro, Armamar, São João da Pesqueira, Vila Nova de Foz Côa, Almeida, Mêda e Figueira de Castelo Rodrigo, que gerem o abastecimento de água nos respectivos concelhos.