Há milhares de agricultores na Europa que levaram os tractores para as estradas, bloquearam fronteiras, entraram nas cidades, cercaram a cimeira europeia, marcharam em passo lento. Garantem que não querem causar problemas, mas encontrar soluções para o sector. Os cortes nos apoios e subsídios, as novas regras ambientais europeias, o receio de uma concorrência desleal no mercado das importações, levaram a revolta dos agricultores para a rua.

Em Portugal, com a CNA e a CAP a demarcarem-se da maioria dos protestos dos agricultores nas estradas esta quinta-feira, a revolta partiu de um movimento que terá nascido nas redes sociais após os anunciados cortes de 35% e 25% nos montantes a pagar ao abrigo dos regimes ecológicos de agricultura biológica e de produção integrada. Atiçada ou não pela direita, a verdade é que — quase já em campanha eleitoral para as eleições de Março — a revolta dos agricultores que dizem que não se sentem representados pelas principais associações do sector rapidamente conquistou apoios de diversos partidos, à direita e à esquerda.

No centro de tudo, como acontece tantas vezes, está o dinheiro. A falta de apoios e subsídios para enfrentar a vida nos campos. No Azul, o nosso olhar desvia-se inevitavelmente para novas regras ambientais europeias que se contestam. Em Portugal, esse não parece ser o principal motivo do protesto, mas em França (onde este rastilho acendeu nos últimos dias) o tema estava no topo das prioridades.

Apesar das vitórias do lobby deste sector nas políticas europeias que conseguiu — com a ajuda das forças da direita no Parlamento Europeu — enfraquecer, por exemplo, a Lei do Restauro da Natureza que lhes impunha uma série de obrigações ou, por outro lado, que conseguiu prolongar por mais tempo do que o previsto o uso de pesticidas nas culturas, os agricultores ainda têm muitas razões para se queixar.

Mas esta revolta tem muito pouco que ver com o ambiente, com a resposta às alterações climáticas. Ou com a actual "dura tarefa de alimentar o mundo sem o destruir", que o repórter do PÚBLICO Manuel Carvalho nos falou há pouco tempo. Ambientalistas e agricultores, consumidores e produtores querem o mesmo: proteger as terras e garantir a agricultura de amanhã. 

Para esclarecer qualquer equívoco, mais de 50 organizações e associações ambientalistas em França (onde a fogueira começou, insisto) publicaram esta semana uma carta importante que pode ter passado despercebida. A mensagem é clara: os ambientalistas não são inimigos dos agricultores, mas seus aliados.

"Escrevemos a todos os agricultores que manifestaram a sua cólera nos últimos dias e a todos aqueles que ainda hesitam em juntar-se a eles. Nós, enquanto organizações ambientalistas, agricultores e defensores de um modelo agrícola diferente desde há décadas, partilhamos esta cólera e rejeitamos o discurso dominante que nos tornaria vossos inimigos", escrevem os ambientalistas. E  confessam: "Estamos zangados porque sabemos que a destruição das condições de vida dos agricultores e a destruição dos ecossistemas beneficiam as mesmas pessoas, e que não são vocês nem nós."

A missiva dirigida aos agricultores fala, por exemplo, da ameaça dos grandes projectos, mega-explorações e industriais do sector que facilmente esmagam a simples ambição de sobreviver dos pequenos agricultores. Não ignora o desafio de uma transição justa que não obrigue estes trabalhadores a lidar com normas ambientais que são impostas sem qualquer contrapartida para as aplicar de forma prática e justa. Também não finge não ver o risco das manobras políticas a alimentar-se do conflito e, por isso, esta carta deixa claro que os ambientalistas lutam também "contra o autoritarismo que se oferece como solução, quando a extrema-direita nunca esteve ao lado dos trabalhadores, excluindo em vez de unir".

"Sempre fomos os aliados dos camponeses. E, contrariamente à propaganda governamental ou à retórica autoritária que atiça o ódio entre nós para engordar as nossas vidas, continuaremos a ser vossos aliados, porque se trata de uma questão de sobrevivência", escrevem, apelando a uma união de esforços "para construir um modelo que beneficie os agricultores, os consumidores e a vida, como sempre deveria ter acontecido". E terminam com a promessa: "Estaremos juntos nas ruas para discutir e manifestar-nos, porque sim, é possível fazer campanha pelo ambiente e pela agricultura de amanhã."